segunda-feira, 27 de maio de 2013

Atraso no saneamento

O Estado de S.Paulo
Em 2006, o governo petista prometeu, com a fanfarra habitual, que até 2024 todos os brasileiros teriam acesso a saneamento básico. Agora, esse objetivo - que, é bom que se diga, já deveria ter sido atingido há 50 anos - ficou para 2033. E no que depender da agilidade e do empenho do governo, não será surpresa se o prazo for esticado até o próximo século.
Uma pesquisa do Instituto Trata Brasil mostra que nada menos que 65% das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para a construção de redes de coleta e tratamento de esgoto em 18 Estados estavam atrasadas, paralisadas ou nem sequer haviam sido iniciadas até dezembro de 2012.
O andamento dessas obras segue o padrão geral do PAC - um programa considerado essencial desde o governo Lula e que foi usado na campanha de Dilma Rousseff à Presidência para atestar sua alardeada capacidade gerencial, mas cujos balanços são frequentemente maquiados para disfarçar a lentidão que lhe é característica. Atrasos viram "redefinição de prazos", na peculiar linguagem dos burocratas petistas quando flagrados no pulo. A demora em concluir os projetos de saneamento, no entanto, significa bem mais do que prejuízo financeiro, porque contribui decisivamente para perenizar a pobreza, que se enraíza em ambientes nos quais faltam condições para a manutenção da saúde.
No caso da primeira fase do PAC, que teve início em 2007, apenas 19 das 112 obras observadas na pesquisa foram concluídas. Já no chamado PAC 2, que começou em 2010, 16 das 26 obras ainda não foram iniciadas. Segundo o Trata Brasil, o governo liberou apenas 47% dos recursos destinados ao PAC 1 e estima que nem metade das obras esteja pronta até 2015. Em relação ao PAC 2, foram liberados cerca de 50% das verbas. No total, estão previstos gastos de R$ 6,1 bilhões nas 138 obras analisadas no estudo.
O problema, como sempre, não é de falta de dinheiro, e sim de mau gerenciamento, e nesse quesito devem ser incluídos as prefeituras e os governos estaduais. No caso do PAC, os recursos são liberados conforme as obras são executadas; logo, se nem metade das verbas da primeira fase do PAC foi autorizada, é porque simplesmente as obras "não andam", disse o presidente do Trata Brasil, Édison Carlos.
As explicações para o atraso variam. Há demora na obtenção de licenças ambientais, falhas nas licitações e erros de projeto - que, em alguns casos, são constatados quando a obra já está perto de ser concluída, ampliando o prejuízo, pois os recursos já foram usados e o projeto tem de ser refeito. Um caso crítico é o de Teresina (PI), que tem uma cobertura de rede de esgoto de apenas 17% e cuja obra de ampliação do sistema foi interrompida por erro de concepção.
Os números mostram também que os atrasos estão se ampliando. No caso do PAC 1, as obras cuja situação é considerada "normal" caíram de 38 para 22 entre 2011 e 2012, ao passo que as obras paralisadas subiram de 32 para 45. Já no PAC 2, o andamento das obras é considerado "normal" em apenas seis casos, e somente uma havia sido concluída. No Sudeste, o porcentual de construções em atraso entre 2011 e 2012 saltou de 16% para 31%, enquanto no Sul passou de 5% para 35% e no Nordeste, de 27% para 41%.
Os principais atingidos pela demora das obras são os cidadãos que convivem diariamente com o esgoto a céu aberto na porta de casa. "Não aguento mais as promessas. Não temos esgoto tratado, água potável. Não temos nada", disse ao jornal O Globo (18/5) uma moradora de São Gonçalo (RJ) ao falar da estação de tratamento que foi prometida em 2007, mas cujas obras estão com apenas 30% concluídos.
Diante da constatação de que uma parte considerável dos brasileiros ainda não tem acesso a serviços essenciais, como água tratada e coleta de esgoto, mesmo com todas as promessas de palanque e os slogans marqueteiros, parece claro que a loquacidade do governo petista sobre o fim da miséria simplesmente não se sustenta.

domingo, 26 de maio de 2013

Gás de xisto, uma nova revolução energética?

JOSÉ GOLDEMBERG *
A Revolução Industrial teve início no fim do século 18 e foi baseada no uso do carvão. A Inglaterra, com suas amplas reservas desse mineral, liderou a revolução. Com o correr do tempo, contudo, o petróleo começou a substituir o carvão por causa de suas características mais atraentes, como ser líquido e mais fácil de transportar. Finalmente, em meados do século 20, o gás natural, que é mais limpo, começou a dominar o cenário energético.
O que vemos aqui é a confirmação do malicioso comentário atribuído ao secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) de que "a Idade da Pedra não acabou por falta de pedras", mas pela descoberta de que metais eram melhores para fazer machados (ou lanças) do que pedras.
Hoje, no mundo, o carvão representa 26% do consumo de energia; o petróleo, 32%; e o gás natural, 20%. O petróleo é ainda dominante, mas a produção mundial está se concentrando no Oriente Médio porque nos Estados Unidos (o maior consumidor mundial) e na maioria dos demais países ela está caindo.
Os Estados Unidos importam do Oriente Médio metade do petróleo que consomem (cerca de 10 milhões de barris por dia), a um custo de mais de US$ 300 bilhões por ano, e não são poucos os que acreditam que as guerras naquela região do mundo (principalmente no Iraque) têm que ver com a necessidade de obter garantias de fornecimento por governos mais amistosos.
Daí a importância que discussões sobre "independência energética" tem nos Estados Unidos e que é prometida por todos os governos desde os tempos de John Kennedy e Richard Nixon, por volta de 1960. Essa independência nunca foi alcançada e, ao contrário, o que aumentou foi a dependência das importações de petróleo do Oriente Médio.
Eis que desenvolvimentos tecnológicos nos últimos dez anos estão mudando drasticamente esse cenário, com a exploração do gás de xisto. A possibilidade técnica de usar esse gás é conhecida há muito tempo, mas o custo de exploração só a tornou viável nos últimos anos. A partir do ano 2000 houve uma "explosão" no aumento da produção: em 2000 o gás de xisto representava 1% do gás natural produzido nos Estados Unidos, em 2010 eram 20% e existem previsões de que em 2035 serão quase 50%.
Com isso os Estados Unidos, que até recentemente importavam gás, estão começando a exportar. Além disso, os preços do gás caíram drasticamente nesse país, que está importando menos petróleo, uma vez que aquele combustível vem substituindo derivados do petróleo tanto na indústria quanto no transporte.
Havendo mais petróleo disponível no mundo, os seus preços tenderão a cair, tornando inviáveis projetos para sua produção, muito caros. Até a exploração do pré-sal no Brasil poderia ser afetada por essa queda de preços.
Estamos, pois, diante do que poderá ser uma nova revolução energética e da ascensão de uma "era do gás", como foi a do carvão no século 19.
Quão realista, todavia, é essa possibilidade?
Xisto é uma camada de mineral situada a três ou quatro quilômetros abaixo da superfície do solo, na qual gás se encontra aprisionado. É preciso "fraturar" o xisto para libertar o gás, o que é feito com jatos de água a alta pressão, a qual se adicionam certas substâncias químicas. É nessa área que muitos progressos tecnológicos ocorreram entre os anos de 1980 e 2000. Existem camadas de xisto no subsolo em muitos países do mundo, o Brasil incluído.
Há, porém, problemas para a sua utilização, que são de diversos tipos:
Viabilidade econômica, que depende do tamanho da reserva de gás;
duração da produção de gás, uma vez que os depósitos de xisto são finitos;
problemas regulatórios na autorização para perfurar poços;
e problemas ambientais.
Nos Estados Unidos houve uma combinação favorável de fatores que permitiu o rápido sucesso da exploração. Em primeiro lugar, naquele país o subsolo é propriedade do dono da terra e a decisão de perfurar é dele; no Brasil, por exemplo, o subsolo é da União e a exploração exige autorização do governo federal. Em segundo lugar, as exigências ambientais eram poucas no início da exploração e existiam grandes depósitos de xisto.
É essa combinação que explica por que num curto período de dez anos foram abertos cerca de 20 mil poços de gás de xisto nos Estados Unidos. Mas é pouco provável que todas essas condições favoráveis se repitam tanto na Europa como em outras partes do mundo. Problemas ambientais já levaram até os Estados de Nova York, da Pensilvânia e do Texas a introduzir regulamentações mais exigentes. Na França a exploração de gás de xisto foi proibida.
Os problemas ambientais originam-se no fato de que grande quantidade de água tem de ser usada, misturada com areia e um "coquetel" de substâncias químicas (cuja composição tem sido mantida confidencial pelas empresas) para "fraturar" o xisto. Cerca de 50% a 70% da água injetada é recuperada e trazida de volta para a superfície, onde é colocada em lagoas que podem poluir o lençol freático. Além disso, o gás liberado do xisto não é metano puro, vem acompanhado de nitrogênio (que não queima) e de várias impurezas, como sulfato de hidrogênio (que é tóxico e corrosivo), tolueno e outros solventes.
Outro problema que lança dúvidas sobre a realidade de uma revolução na área de gás, causada pelo uso de gás de xisto, é que a produção de cada poço não deve ultrapassar 15 ou 20 anos. Se esse for realmente o caso, não estamos de fato diante de uma "revolução", mas talvez de uma "bem organizada campanha de relações públicas", como declarou recentemente Alexei Miller, presidente da Gazprom, a empresa russa que é a maior produtora mundial de gás.
* JOSÉ GOLDEMBERG É PROFESSOR EMÉRITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. 

Uma relação de desconfiança - SUELY CALDAS


O Estado de S.Paulo - 26/05

A presidente Dilma Rousseff quer e precisa que o investimento - público e privado - prospere, ganhe força e se multiplique. Para isso, reduziu a taxa de juros Selic; distribuiu incentivos fiscais para indústrias escolhidas; desonerou a folha de pagamento de 42 setores de empresas; lançou uma política industrial e de investimento com o Plano Brasil Maior; criou inúmeros programas de crédito subsidiado no BNDES, alguns até com juros negativos de 2,5% ao ano; e, na linha de mostrar ao mundo a potência do "Brasil grande", fez do BNDES sócio de empresas que se tornariam campeãs nacionais, players globais que, em seus segmentos, dominariam o mercado mundo afora. Por fim, Dilma ainda cedeu à privatização, prometendo entregar para empresas privadas a exploração de portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, geração e transmissão de energia.

Com tudo isso, nosso raquítico Produto Interno Bruto (PIB) cresceu só 2,7% em 2011, caiu para 0,9% em 2012 e, para 2013, as estimativas começaram em 4,5%, desabaram para 3,5% e, agora, para 3% ou até abaixo disso. Com tudo isso, nossa taxa de investimento - que precisa chegar a pelo menos 25% do PIB para garantir crescimento econômico contínuo - recuou de 19,5%, em 2010, para 19,3%, em 2011, e 18,1%, em 2012.

Há algo esquisito que fez frear, em vez de acelerar, investimentos produtivos nestes dois anos e cinco meses de governo Dilma. Algo muito esquisito, que deveria levar a presidente a refletir e indagar por quê. Toda essa hiperatividade, essa profusão de ações de estímulo, resulta em queda do investimento? Afinal, o que está havendo? Por que não dá certo? O que está emperrando?

O ex-ministro Delfim Netto, conselheiro dos governos Lula e Dilma, identifica o problema no que chamou de "uma relação desconfortável de desconfiança mútua entre o setor privado e o governo", em artigo publicado há dias no jornal Valor Econômico. Antes, Delfim já havia criticado o modelo de licitações de projetos de infraestrutura: ao definir e tabelar o lucro do negócio o governo afasta, em vez de atrair, investidores privados. Mas os conselhos do conselheiro não têm sido acatados pela presidente.

Delfim tem razão nas duas vezes. Dilma Rousseff sempre viu os empresários como "classe dominante", portanto, inconfiável. Desde 2003, quando ainda era ministra de Minas e Energia, ela manifestava esse sentimento nas reuniões do setor elétrico: considerava mentirosos os números levados pelas empresas. Na época, os investimentos pararam à espera das novas regras da ministra. Dez anos de experiência em posições de comando de uma economia capitalista privada e o fantasma da "classe dominante" continua presente.

O modelo de licitação das rodovias é sintomático. Em vez de criar regras inteligentes e atrativas para acirrar a disputa no leilão e deixar por conta dos consórcios definirem a menor taxa de lucro, o governo a engessou e fixou-a em 5,5%. Resultado: interesse zero do setor privado, o que levou Dilma a recuar, elevando a taxa de remuneração, mas sem abrir mão de fixá-la.

Dilma parece partir da convicção de que empresário privado trapaceia, engana, não joga limpo e, para conter sua ganância, cabe ao governo decidir por ele. E descarta conceber regras que tornem possível obter resultados até melhores deixando fluir a livre concorrência, a disputa entre eles para vencer o leilão - modelo bem-sucedido no passado e adotado no mundo inteiro.

Por sua vez, o empresário também desconfia do governo. Desconfia da competência da equipe econômica, de mudanças de regras no meio do caminho que prejudiquem seu negócio, acha que a presidente intervém com enorme frequência na economia privada, criando incertezas que impedem o planejamento de longo prazo das empresas. Alguns desistem do investimento, outros engavetam seus planos e esperam, poucos arriscam. Por isso nossa taxa de investimento caiu nos dois primeiros anos de governo Dilma, mesmo com o BNDES emprestando dinheiro barato.

A decepção com os investimentos é reconhecida mesmo dentro do governo. Em entrevista ao Broadcast (serviço em tempo real da Agência Estado), o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), senador Lindbergh Farias (PT-RJ), afirmou: "Vou insistir muito para tentar salvar esta reforma do ICMS, porque, sinceramente, já há um clima de paralisação de investimentos e os empresários não vão investir se não tiver uma definição muito clara sobre isso".

Apesar disso, não há nenhum movimento para mudar o que está errado. Pelo contrário, a cada resultado econômico ruim, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, entra em cena descrevendo o melhor dos mundos: "A economia vem mostrando reações positivas aos incentivos que criamos e vai continuar mostrando com mais força", repete, como se habitasse outro país.

O que deu certo. O sucesso do último leilão do petróleo foi um belo gol de placa do governo Dilma. Mostrou ser possível atrair o capital privado e obter resultados excelentes - que contrastam com o fracasso de licitações em outras áreas. Claro, cinco anos de jejum ajudaram a animar empresas privadas, sequiosas por explorar petróleo e gás no Brasil. Mas a razão maior do sucesso foram as regras do leilão, as mesmas aplicadas desde o governo FHC, o que mostra que a estabilidade regulatória é critério de enorme importância em decisões de investimento. Resultado: 30 empresas participaram, 18 delas estrangeiras, o governo arrecadou R$ 2,8 bilhões (ágio de 628%) e há garantia de investimentos mínimos de R$ 7 bilhões nos próximos anos, fora a geração de empregos, impostos e a receita com o petróleo a ser extraído. Mudar regras a todo instante, como tem feito o governo Dilma, gera incertezas e afugenta investidores.

As novas regras de investimento em terminais portuários constituíram outro sucesso, apesar da confusão em sua aprovação no Congresso Nacional. Elas substituem normas anacrônicas que, por décadas, emperraram projetos privados e criaram gargalos, elevando o custo de exportar. Mas o segredo do sucesso foi a negociação antecipada com potenciais investidores. O governo não decidiu olimpicamente sozinho, como fez na renovação das concessões elétricas.