segunda-feira, 21 de março de 2011

Especial – Resíduos: Lixo extraordinário


Um reality show inglês leva 11 voluntários para um aterro sanitário e os desafia a viver apenas com o que as outras pessoas descartam. No Brasil, resíduos transformam-se em obras de arte, arrematadas por fortunas no mercado internacional, resgatando a dignidade de catadores de um aterro sanitário no Rio de Janeiro. Inusitadas, essas iniciativas demonstram que a primeira mudança necessária para a solução da problemática do lixo é de percepção.
Esse desafio já bate à porta das empresas, onde a discussão de resíduos, por muito tempo centrada no atendimento às leis e exigências das certificações, começa a orientar novas estratégias de negócio.
“Se trocarmos a palavra ‘resíduo’ por ‘recurso’, fica claro que temos uma enorme oportunidade. De repente, alguns materiais de descarte podem alimentar uma fábrica vizinha; o calor que antes se dissipava pode ser usado para diminuir o consumo de energia”, sugere Kristoffer Lundholm, conselheiro sênior do The Natural Step, organização não governamental responsável pela metodologia de mesmo nome, utilizada internacionalmente em processos de tomada de decisão.
Nesse cenário, ganha espaço a discussão de ciclo fechado de produção proposta por Michael Braungart e Willian McDonough, no livro Cradle-to-Cradle: Remaking the Way We Make Things (Berço a Berço: Refazendo a Maneira Como Fazemos Coisas), lançado em 2002. Eles entendem poluição e desperdício como falhas de projeto e, portanto, propõem que a sustentabilidade se torne uma preocupação presente desde a concepção de um produto ou processo.
Aos poucos, questões como toxicidade, reciclabilidade e biodegradabilidade dos materiais, impactos na disponibilidade dos recursos naturais, na saúde dos ecossistemas e das pessoas passaram a integrar a lista de considerações dos designers e projetistas.
Mas o modelo cradle-to-cradle ainda desafia as estratégias de negócio e políticas convencionais. “As companhias tendem a olhar o seu resíduo como aquele que está diante delas nas suas fábricas ou operações, mas não conseguem olhar para os seus fornecedores e clientes. O resíduo deles é a extensão da pegada ambiental da empresa. Encontrar formas de reutilizá-los ou eliminá-los pode transformar-se numa tremenda oportunidade”, ressalta Lundholm.
O lixo que vemos nas lixeiras representa apenas a ponta de um iceberg. Basta dizer que um produto contém, em média, 5% das matérias-primas utilizadas no seu processo de fabricação e entrega.
“As empresas terão de, individual e coletivamente, assumir a responsabilidade pelos resíduos que os seus produtos geram, inclusive depois de terem chegado ao fim da sua vida útil. Há uma oportunidade para começar a trabalhar essas questões, estrategicamente, antes de a legislação exigir”, adverte Lundholm.
Na Europa, por exemplo, já existe uma diretiva-quadro (2008/98/CE) que, entre outros aspectos, estabelece metas de recolhimento dos produtos no pós-consumo vinculadas à quantidade de itens introduzidos no mercado.
No Japão, consumidores, indústria, comércio e Poder Público têm seus papéis definidos em lei no que diz respeito à gestão de resíduos e respondem pelo seu descumprimento. Em 2001, entrou em vigor a Home Appliances Recycling Law, lei que atribui aos fabricantes a responsabilidade de desmontar e reciclar produtos como máquinas de lavar, televisão e ar-condicionado. Essa exigência se estendeu às fabricantes de automóveis, em 2004. Nesse caso, o consumidor arca com os custos de transporte e reciclagem do produto que jogar fora. A lei exige que os fabricantes, varejistas e importadores comuniquem essas taxas.
O Brasil iniciou um movimento semelhante com a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que responsabiliza as empresas pelo recolhimento de produtos ao final de sua vida útil.
Diógenes Del Bel, diretor da Associação Brasileira de Tratamento de Resíduos (ABETRE), lembra que a edição dessa lei não encerra o processo, mas abre uma nova agenda legislativa. “Há uma série de aspectos que precisa ser detalhada em decretos federais, resoluções do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), em normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas),  e todos os planos de gestão (nacional, estadual e municipal)”, reforça.
Outra medida complementar é o Plano de Produção e Consumo Sustentáveis (PPCS), aberto para consulta pública entre setembro e novembro de 2010. A elaboração do documento resulta do compromisso que o Brasil assumiu junto às Nações Unidas – em 2002 – ao aderir ao Processo de Marrakech. Ele trata da responsabilidade compartilhada e enfatiza a necessidade do engajamento dos consumidores.
“A união da Política Nacional dos Resíduos Sólidos com o PPCS pode estruturar uma vigorosa indústria da reciclagem no Brasil, gerando milhares de empregos, além de fortalecer os programas de inclusão dos catadores”, destaca a versão do documento encaminhada à apreciação pública. “Estamos diante de um desafio ambiental, moral, ético e econômico. Precisamos criar condições de engajamento de todos os públicos.
A solução para isso passa, sem dúvida, pelo setor público, mas sobretudo pela aproximação das agendas corporativas com a social. Vamos arregaçar as mangas e fazer!” , enfatizou a ministra do Meio Ambiente,Izabella Teixeira, conclamando a participação dos empresários, em evento de apresentação do PPCS em São Paulo.
NO RADAR:
Prioridades elencadas pelo Plano de Produção e Consumo Sustentáveis (2011-2013)
-    Aumento da reciclagem
-    Educação para o consumo sustentável
-    Agenda ambiental na administração pública
-    Compras públicas sustentáveis
-    Construções sustentáveis
-    Varejo e consumo sustentáveis
Resíduo-zero
Mais educativa do que factível, a abordagem de resíduo-zero, utilizada em cada vez mais programas de empresas e governos, tem orientado estratégias ousadas para eliminar qualquer tipo de desperdício, diminuir a complexidade de processos e, logicamente, os custos da gestão de resíduos.
“Lixo zero é um conceito útil para orientar o pensamento e começarmos a ver tudo como um recurso. Mas não é uma definição da meta final de sustentabilidade. Talvez a ideia de ‘resíduos=alimento’ seja mais útil”, defende Lundholm.
Para Carlos Silva Filho, diretor-executivo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública (ABRELPE), a sociedade ainda não tem capacidade de gerenciar a totalidade daquilo que descarta, seja no processo produtivo seja no pós-consumo. Em grande parte porque o mercado de reciclagem e recuperação de resíduos ainda está em formação. “Mesmo os países mais desenvolvidos não conseguiram implementar programas de lixo zero com pleno sucesso. No entanto, essa tem de ser a nossa busca e a meta a perseguir”, destaca Silva.
No Brasil, as dimensões do País, somadas ao fato de não haver ainda uma cadeia de reciclagem organizada, tampouco programas de coleta seletiva disseminados, tornam esse desafio ainda mais complexo. Para se ter uma ideia, apenas 443 municípios brasileiros (8% do total) operam programas de coleta seletiva. Atualmente, as 780 recicladoras nacionais absorvem mais material do que o País consegue coletar. O setor atua com 30% da capacidade ociosa por falta de matéria-prima.
Segundo a Plastivida Instituto Socioambiental dos Plásticos, em 2008 o Brasil importou 175,5 mil toneladas de resíduos plásticos, papéis, madeiras, vidros, alumínio, cobre, pilhas, baterias e outros componentes elétricos. Entre janeiro e junho de 2009, foram mais 47,7 mil toneladas. Só o setor têxtil, que utiliza sucata PET, trouxe de fora 14 mil toneladas desse resíduo (75% mais do que em 2007). Essas falhas abrem caminho para o comércio ilegal de lixo e geram perdas econômicas da ordem de US$ 12 bilhões.
Entre as empresas, a fabricante de carpetes InterfaceFlor foi uma das pioneiras a criar um programa de resíduo-zero, quando, em 1994, lançou o Mission Zero. Desde então, obteve uma economia de mais de US$107 milhões e o custo de resíduo por unidade diminuiu em 48%. Ao longo de 13 anos, reduziu 88% das emissões de gases de efeito estufa (em toneladas absolutas) e 80% do uso de água, em relação a 1996.
A companhia define resíduo como qualquer custo que não produz valor para seus consumidores, incluindo formas tradicionais como refugos e materiais encaminhados a aterros, bem como os recursos, tempo e energia gastos em algo que não fez certo na primeira vez.  Com sua Mission Zero pretende zerar seus impactos ambientais até o ano 2020, posição essa que desperta tanto reações de apoio quanto de desaprovação.
Maurício Waldman, mestre em Antropologia e doutorando em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), questiona a viabilidade desse tipo de programa. “Resíduo-zero é uma mitologia, uma peça de ficção. O termo é conceitualmente errado. Não existe dentro da lei da termodinâmica a possibilidade de interagir com o meio ambiente sem gerar resíduo, que faz parte da humanidade desde que ela existe”, pondera.
Autor do livro Lixo: Cenários e Desafios, publicado em 2010 pela editora Cortez, Waldman defende que a palavra-chave para a inovação na gestão de resíduos é repensar. “Repensar o modelo de geração, circulação e consumo de mercadorias e, principalmente, a expectativa que as pessoas têm dos objetos e quais são os valores que estão sendo construídos junto com eles. É impossível discutir a problemática do lixo sem falar de educação e consumo consciente”, ressalta. Waldman, porém, não ignora o desafio técnico. “As pessoas tendem a discutir esse assunto em função de questões psicológicas, mas – sinto muito – o lixo também é material. Temos de pensar modelos e tecnologias de gestão mais eficientes”, reforça.
PARA SABER MAIS: Mission Zero
O programa para eliminação de resíduos e impactos ambientais, lançado pela InterfaceFlor em 1994,  transformou-se em um movimento e conta com a adesão de uma série de organizações com ou sem fins lucrativos. Suas áreas-chave são:
1.    Eliminação de resíduos
2.    Emissões benéficas
3.    Energia renovável
4.    Ciclos fechados
5.    Uso eficiente dos recursos no transporte
6.    Sensibilização dos stakeholders
7.    Redesenho do comércio
Desmaterialização
A promessa de uma economia desmaterializada já está presente há pelo menos três décadas em nossa sociedade, principalmente a partir da disseminação das tecnologias da comunicação e informação. O fato é que, mesmo em meio a essa proposta, triunfou a lógica do descartável, que nos levou a superar em 20% a capacidade da Terra de repor recursos naturais.
Waldman lembra que desde a década de 1980 se aposta na virtualização da informação, cuja promessa é acabar, por exemplo, com a necessidade de papel, mas ainda estamos bem longe desse modelo. “Temos um exército de impressoras no mundo inteiro. Nunca se consumiu tanto papel. Nunca se gerou tanto lixo eletrônico. O consumo de energia aumentou. Tudo isso dentro de um esquema de desmaterialização da economia”, critica Waldman.
Jonathan Kooley, pesquisador do Lawrence Berkeley Lab e professor na Universidade de Stanford, é mais otimista e destaca que a partir da substituição de produtos físicos por informação pode-se reduzir os impactos ambientais com a redução das emissões associadas ao transporte e à fabricação do produto. “Um exemplo pode ser baixar músicas da internet em vez de comprar um CD, o que resulta na redução de emissões tanto na fabricação quanto no transporte.
Outra possibilidade é o uso da tecnologia de telepresença para se comunicar com alguém do outro lado do mundo – nesse caso estamos evitando emissões geradas para se deslocar, por exemplo, de avião, até a casa de um colega”, afirma.
Segundo ele, companhias de tecnologias, transporte e mídia são as que lidam com desafios e oportunidades mais óbvios de desmaterialização. Por isso, responderão mais rápido a essa tendência.
Porém, os setores mais convencionais ainda ignoram essa propensão dos seus riscos. Mais do que de avanços tecnológicos, muitas dessas mudanças dependem da transformação do conjunto de crenças da sociedade. Mas Jonathan aponta caminhos por onde começar. “Descobrindo formas de minimizar o uso de energia em transporte e substituir átomos por bits. Movendo toda a distribuição de documentos para o meio eletrônico, por exemplo, e criando centros regionais de teletrabalho. Continuamos tendo um longo caminho a percorrer nessas duas áreas”, conclui.
ntre tubos de ensaio, pesquisadores forjam um novo modelo de produção e consumo. Fetiches de ficção científica à parte, o que está em questão é uma proposta para reinventar a química clássica.
A receita já existe e se organiza em 12 princípios (veja na edição 21 de Ideia Sustentável). Eles definem as diretrizes da química verde, que parte da seguinte premissa: é melhor considerar a eliminação/redução de resíduos durante a fase de desenvolvimento do que dispor ou tratar essas substâncias depois que o processo ou material foi criado.
Para isso, basta seguir um padrão básico da natureza, onde os ciclos são sempre fechados e o resíduo de um processo é utilizado como alimento ou energia por outro organismo.
“O conceito de gestão de resíduos deve evoluir para a gestão de materiais. Se você usa algo com algum outro propósito não é mais um resíduo”, explica John Warner, fundador da Beyond Benign, presidente e chefe do escritório de tecnologia da Warner-Babcock Institute for Green Chemistry. Para ele, temos um grande caminho a percorrer até conseguirmos promover a redução, eliminação e recuperação de resíduos em larga escala, mas essa não é uma solução alternativa.
“Não vamos encontrar essas inovações no Google: os químicos precisarão inventá-las no laboratório. No entanto, a academia e as universidades globais não estão preparando os profissionais para endereçar essas questões”, reforça.
A fim de proporcionar que elas sejam consideradas na tomada de decisão, tanto para o desenvolvimento de novos produtos quanto adaptação dos processos atuais, a Beyond Benign criou, em março de 2010, uma ferramenta chamada iSUSTAIN. Codesenvolvida junto a uma empresa de software e uma companhia de produtos químicos especiais, essa ferramenta on-line permite gerar cenários, inserindo informações sobre os materiais na fabricação de um químico ou produto, incluindo solventes e catalisadores.
Ela também fornece informações sobre os resultados do processo, tais como águas residuais e produtos químicos. Leva em conta princípios adicionais, como a eficiência energética e biodegradabilidade. A ferramenta permite aos usuários desenvolver cenários que auxiliam no processo de reformulação dos produtos.
“Os 12 princípios da química verde constituem a mecânica. Não é um guia de marketing, mas sim de pesquisa, um guia técnico. A ideia é que se uma companhia quer melhorar seus processos e produtos deve usar os 12 princípios no estágio da ciência e design. Ela não pode fazer algo no final ou usá-los como métrica para avaliar suas soluções depois de desenvolvidas”, reforça.
Economia atômica
Longe de ser um modelo econômico baseado na energia nuclear, como o nome pode sugerir, trata-se de um dos mais revolucionários princípios da química verde. Em 1998, o professor Barry M. Trost, da Universidade de Stanford, recebeu o Presidential Green Chemistry Challenge Awards, organizado pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (Environmental Protection Agency – EPA), pelo desenvolvimento desse conceito. Ele propõe a busca de reações químicas que não desperdicem átomos, a redução do uso de recursos não renováveis, diminuindo a quantidade de resíduos e o número de etapas para sintetizar químicos.
“A economia atômica é um dos pilares fundamentais da química verde. Esse conceito está sendo amplamente utilizado por aqueles que querem melhorar a eficiência das suas reações químicas”, ressalta a publicação da EPA que relaciona os ganhadores do prêmio.
Para os que questionam a viabilidade de tal proposta, destaca-se a eficácia de um modelo que perdura há muito mais tempo do que a química criada pelo homem. Enquanto a natureza necessita de apenas cinco polímeros para produzir tudo o que vemos, a indústria usa 350 diferentes tipos desse composto químico.
Além disso, há todo o potencial de pesquisa na área de novos materiais. “Podemos ver que mais e mais empresas estão percebendo que é necessário considerar (ou mesmo investigar) como os materiais que produzem ou colocam nos produtos se comportarão como resíduo. Isso às vezes é impulsionado pela legislação (tais como WEEE e REACH  puxar fio), por vezes pela demanda do cliente e, em alguns casos, por meio da percepção de que a geração de resíduos pode ser uma ameaça real de negócios a partir de uma perspectiva de sustentabilidade”, afirma Warner.
A pesquisa de materiais já é prioridade para grandes marcas como a Nike.
Em 2005, a fabricante de calçados e artigos esportivos criou a área de Considered Design, que combina alta performance com sustentabilidade ambiental. Resulta de um esforço junto ao time de designers voltado à busca de soluções menos tóxicas, que eliminem ou diminuam a quantidade de resíduos gerados e com materiais ambientalmente preferíveis.
Esse conceito começou a ser desenvolvido com uma linha de produtos e evoluiu para um compromisso de toda a empresa para levar o pensamento Considered a todas as marcas da Nike. Com base nessa experiência, a companhia definiu, como visão de longo prazo, desenvolver produtos  totalmente de ciclo fechado, usando o mínimo possível de materiais, confeccionados para fácil desmontagem e possíveis de serem reciclados em novos produtos ou encaminhados à natureza de forma segura ao final de sua vida.
“Apostamos na inovação em materiais com o objetivo de proporcionar o design de produtos cada vez melhores. Como não desenvolvemos nossos materiais sozinhos, estimulamos nossos fornecedores a refletir sobre o tema a partir de discussões em que trazemos cientistas para falar sobre questões como quais serão as matérias-primas futuras da Nike ou de que forma criamos produtos causando o menor impacto para o meio ambiente – afirma Lorrie Vogel, gerente-geral de Considered da Nike.
Para saber mais: A visão da Nike
• Design para reciclar.
• Os consumidores trazem seus produtos de volta para serem transformados em novos itens.
• O resíduo que não pode ser eliminado é reciclado.
• Produtos menos dependentes de petróleo e água.
• Ser mais leves e rápidos em direção a uma economia sustentável e de baixo carbono.
• Usar uma química mais saudável para minimizar o impacto dos ingredientes ao longo do ciclo de vida dos produtos.
Fonte: Relatório de Responsabilidade Corporativa da Nike – 2010
Todo fim é um começo
“Imagine um mundo onde o que produzimos, usamos e consumimos oferece nutrição para a natureza e a indústria; um mundo onde o crescimento é bom e a atividade humana gera uma pegada ecológica proveitosa e restauradora.” Essa é a abertura de um artigo de William McDonough e Michael Braungart, pais do cradle-to-cradle, no relatório State of the World 2004, do Worldwatch Institute.
Para eles as características destrutivas do sistema atual – do berço ao túmulo – podem ser vistas como um problema de design e não como um resultado inevitável do consumo e da atividade econômica. “As abordagens convencionais de sustentabilidade frequentemente fazem do uso eficiente de energia e materiais seu objetivo final. Na verdade, essa poderia ser uma estratégia de transição útil, mas ela tende a reduzir impactos negativos sem transformar integralmente a atividade danosa”, argumentam.
Eles justificam sua tese com o seguinte exemplo: carpetes reciclados podem reduzir o consumo, mas se o seu forro contiver PVC, como acontece com a maioria, o produto reciclado é destinado ao aterro, onde se transforma em um resíduo perigoso.
Por outro lado, o design “do berço ao berço” conta com modelos que proporcionam atividades humanas positivas.  “Com essa estrutura podemos criar economias que purificam o ar, a terra e a água, que dependem de energia solar, não geram resíduos tóxicos, usam materiais seguros e saudáveis capazes de reabastecer a terra ou que podem ser eternamente reciclados”, propõem os autores.
Essas ideias têm sido colocadas em prática por meio do modelo de produtos-serviço  (puxar fio).
“A Xerox é a única instância de locação das suas máquinas copiadoras e de impressão. A Caterpillar compra de volta os motores utilizados pelos seus clientes para que eles possam ser recuperados e vendidos como novos. A InterfaceFLOR está alugando seus tapetes para manter a posse dos materiais que compõem os produtos. “Novos modelos de negócio como esses serão cruciais na transição para uma sociedade sustentável (incluindo a eliminação de resíduos)”, concluem os pais do cradle-to-cradle.
Para saber mais
Conheça casos práticos de implementação do conceito cradle-to-cradle (BASF, Ford, Nike, entre outros).

Especial – Resíduos: Lixo extraordinário

No radar
Panorama Brasil
- A média de geração de lixo no País hoje é de 1,152 Kg por habitante ao dia, padrão próximo ao dos países da União Europeia (UE), cuja média é de 1,2 Kg ao dia por habitante.
- Nos setores de baixa renda, esse patamar se reduz para 0,3 kg/hab/dia ou menos, índice próximo das nações muito pobres.
- O Brasil corresponde a 3,06% da população mundial e 3,5% do PIB global. Por outro lado, gera entre 5,5% e 6,9% do total mundial dos resíduos sólidos urbanos.
- Existem mais de 15.000 lixões no País, implicando riscos diretos à saúde para dois milhões de pessoas.
- Ao lado do plutônio e da dioxina, o chorume – que se forma com a deterioração dos materiais putrescíveis presentes na fração úmida do lixo – é uma das três substâncias mais perigosas produzidas pelo homem.
- Em termos de demandas química e bioquímica de oxigênio, esse fluido chega a ser 200 vezes mais agressivo que o esgoto.
- 18% das emissões de metano antropogênico têm origem no lixo. Isso transforma o gerenciamento eficaz dos resíduos domiciliares em item crucial da agenda referente aos equilíbrios climáticos.
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Panorama mundo
- Diariamente são descartados 2 milhões de toneladas de resíduos domiciliares. Por ano, esse volume chega a 730 milhões de toneladas. Se esse ritmo for mantido chegaremos, em 2050, a 1,5 trilhão de toneladas de dejetos.
- Os resíduos domiciliares somam não mais do que 2,43% do total do lixo no mundo, sendo suplantados de longe pelos rejeitos da mineração, da indústria e da agropecuária.
- Segundo o Programa Ambiental das Nações Unidas, existem 46 mil fragmentos de plástico em cada 2,5 quilômetros quadrados de superfície dos oceanos. Isso significa que esse resíduo já responde por 70% da poluição marinha por resíduos sólidos.
- No norte do Oceano Pacífico, o plástico estaria formando o primeiro continente artificial da História devido ao movimento das correntes marítimas. Conhecido como Grande Vértice de Lixo do Pacífico, esse território flutuante conta 100 milhões de toneladas de refugos.
Fonte: Lixo: Cenários e Desafios, Maurício Waldman, Editora Cortez
Problemas sanitários relacionados à destinação inadequada do lixo:
- Poluição dos mananciais (chorume)
- Contaminação do ar (dioxinas e visibilidade aérea)
- Assoreamentos (depósito em rios e córregos)
- Presença de vetores (moscas, baratas, ratos, pulgas, mosquitos)
- Presença de aves (colisão com aviões a jato)
- Problemas estéticos e de odor
- Problemas sociais (catadores em lixões)

O que as empresas andam fazendo com os seus resíduos
A gestão de resíduos é, sem dúvida, um dos desafios que mais têm estimulado o esforço em inovação por parte das empresas. Estados e municípios mais atentos e criteriosos em relação ao tema e a nova Política de Resíduos Sólidos não deixam margem de espera para se repensar estratégias mais eficientes no tratamento de materiais restantes do processo produtivo – e as corporações que prezam por uma gestão sustentável e possuem uma visão de longo prazo estão cientes disso.
Na Goodyear, fabricante de pneus, resíduos como borracha, óleos, lubrificantes e plásticos das unidades de Americana (SP), Santa Bárbara D’Oeste (SP) e da capital não são mais enviados a aterros desde 2007.
“Para alcançar esse resultado é preciso uma gestão que conte com um processo de coleta seletiva, participação de todos os associados e destinações para todos os tipos de resíduos, visando sempre os 3 Rs: reduzir, reaproveitar e reciclar. Não diria que houve dificuldade, mas foi necessário criatividade para encontrar destinação apropriada para esses materiais”, destaca Juliana Sardinha, da Divisão de Engenharia e Tecnologia da Fábrica da Goodyear em Americana.
De acordo com dados da empresa, após triturados, os pneus podem ser utilizados como combustível para cimenteiras (80%), empregados na fabricação de pó de borracha usado em asfalto ecológico (15%) e, ainda, como matéria-prima para fabricar solado de sapatos, tapetes de carros, dutos fluviais, isolamentos térmicos e acústicos, entre outros (5%).
Outra forma de evitar que os pneus causem danos ao meio ambiente é fazê-los retornar à cadeia produtiva por meio do reaproveitamento. Nesse sentido, a Goodyear investe em sua unidade de materiais de recauchutagem, que trabalha, por exemplo, com pneus de aviação, para aumentar a vida útil dos produtos. A pesquisa para substituição de substâncias nocivas na composição de pneus é outra preocupação constante. Um exemplo foi a troca do composto químico Isoprene, derivado de petróleo, pelo Bioisoprene, produzido a partir da biomassa.
Para desenvolver todas essas ações, a Goodyear possuiu um Grupo de Gestão de Resíduos, que envolve colaboradores do departamento de Meio Ambiente, supervisores e coordenadores de todas as áreas da fábrica.
“O principal desafio é a melhoria contínua dessa gestão. Anualmente são revisadas e estabelecidas metas cada vez mais desafiadoras para a redução de resíduos de todas as classes.  Com isso, ao longo do ano, temos de olhar a questão de diferentes ângulos e pensar criativamente a cada dia, visando melhorar a eficiência produtiva”, destaca Marcio Martins, da fábrica de São Paulo.  A experiência adquirida em todos esses processos é compartilhada em reuniões, boletins periódicos e conferências realizadas com colaboradores de outras plantas da América Latina, como Peru, Chile, Colômbia e Venezuela.
Em parceria com outras grandes empresas do setor, integrantes da Associação Nacional das Indústrias de Pneumáticos (ANIP), a empresa participou da criação da Reciclanip, entidade sem fins lucrativos voltada à destinação ambientalmente correta de pneus inservíveis. Fundada em 2007, a Recoclanip fortalece as iniciativas que já eram realizadas, desde 1999, pelo Programa Nacional de Coleta e Destinação de Pneus Inservíveis.
Na Klabin, empresa composta por diversas unidades e diferentes negócios, o tema resíduos também é um dos focos da gestão.  O setor de papéis possui as maiores unidades e, consequentemente, gera maior quantidade de resíduos, basicamente de madeira, utilizados como combustíveis por meio de caldeiras de biomassa para geração de energia.
“Com relação a resíduos de biomassa não existe sobra, mas falta. Resolvemos um problema na unidade Monte Alegre (Telêmaco Borba/ PR), a maior do grupo, que produz um milhão de toneladas de papel por ano, com uma matriz energética composta 96% por biomassa. A região é basicamente dependente da indústria madeireira e a Klabin acaba solucionando um problema de passivos ambientais”, destaca Júlio Nogueira, gerente corporativo de Meio Ambiente da empresa.
A queima de biomassa nas caldeiras passa por um controle de emissão atmosférica para evitar a dispersão de material particulado – um processador eletroestático retém as partículas, resultando em cinzas de biomassa, resíduo rico em micronutrientes que é aplicado nas próprias florestas plantadas pela empresa.
A fabricação de papel também acaba gerando resíduos, como aqueles que não chegam ao cliente final devido a falhas de qualidade. Esse material é 100% reaproveitado em unidades da companhia que operam exclusivamente com papel de reciclagem – essas fábricas recebem papel reciclado de todo o Brasil, aparas compradas do mercado e também das unidades da empresa que não processam seu próprio refugo.
A gestão de resíduos passa, ainda, pela eficiência de processos e busca de soluções para redução de consumo de produtos de forma geral. Recentemente, a empresa implantou um projeto, também na Unidade Monte Alegre, chamado MA 1100, elevando sua produção de 700 mil toneladas para 1,1 milhão de toneladas por ano, eliminando o consumo de 20 mil toneladas de óleo combustível dentro do processo produtivo e reduzindo as emissões de gases de efeito estufa em torno de 60 mil toneladas por ano.“Também temos investido na melhoria da produção florestal para reduzirmos o uso da terra e ampliar a produtividade”, destaca Nogueira.
Na Tetra Pak, a matéria-prima utilizada para confecção de embalagens que acaba sendo perdida no processo – resíduos como plástico, papelão e alumínio – não vai para o lixo: converte-se em novos insumos para outras indústrias ou segue para recicladores – os mesmos que reaproveitam as embalagens pós-consumo.
Na gestão interna, a empresa trabalha com o programa World Class Management (WCM) para reduzir a quantidade de resíduos destinados a aterros sanitários e aumentar aqueles encaminhados para cooperativas de reciclagem.
“Um dos maiores desafios foi conscientizar todo o público interno sobre a implantação de programas para gestão de resíduos. Além disso, encontrar fornecedores qualificados, que atendessem aos requisitos ambientais definidos, também demandou bastante dedicação de nossa equipe técnica”, destaca Fernando von Zuben, diretor-executivo de Meio Ambiente da Tetra Pak.
A empresa também fornece suporte para clientes destinarem adequadamente os resíduos de embalagens Tetra Pak gerados em suas plantas de produção e atua na gestão do pós-consumo junto a iniciativas de reciclagem como cooperativas, comércios e recicladores.
Dando seguimento a essa iniciativa de responsabilidade compartilhada e inovação, em 2005 foi estabelecida uma parceria entre Klabin, Tetra Pak, Alcoa e TSL Ambiental para inauguração, em Piracicaba (SP), da primeira planta do mundo a utilizar a tecnologia do plasma para a reciclagem de embalagens longa vida.
Desenvolvida localmente no Brasil, essa técnica
trabalha com o processamento do composto plástico/alumínio em um forno de plasma. O sistema aquece a mistura a altíssimas
temperaturas em uma atmosfera sem oxigênio (que preserva a qualidade do
alumínio).
Nesse processo, o plástico se quebra em moléculas,
transformando-se em parafina, e o alumínio se funde, tornando-se
matéria-prima pura novamente – em folha, o alumínio pode ser usado mais uma vez nas embalagens longa vida.
Já na Votorantim Cimentos, gestão de resíduos é sinônimo de coprocessamento – a destinação que a indústria dá para resíduos de outras empresas e que podem ser utilizados na fabricação de cimento como matérias- primas ou como combustíveis alternativos.
“A composição de um pneu gera 85% de energia e seu aro metálico serve como matéria-prima para o cimento. Então, quando coprocessamos um pneu, deixamos de usar um combustível tradicional fóssil não renovável e substituímos parte do minério de ferro que, de outra forma, seria extraído da natureza”, destaca Patrícia Montenegro, gerente de Meio Ambiente e Coprocessamento da Votorantim. Esse processo já eliminou mais de dois milhões de pneus inservíveis e foi vencedor do prêmio da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), na categoria Ecologia.
Outro exemplo eficiente de coprocessamento está relacionado à indústria de alumínio. As cubas refratárias utilizadas no processo produtivo devem ser trocadas de tempos em tempos, e esse material é utilizado na indústria de cimento tanto como combustível, porque possui carvão em sua composição, como matéria-prima, já que o refratário possui alumina, que também integra a produção do cimento.
No caso da gestão dos próprios resíduos, além da geração de energia, uma das unidades da empresa passou a reutilizar o óleo de máquinas pesadas para produção de um agente emulsificante necessário no processo de detonação da mineração, economizando recursos e destinando adequadamento o resíduo. Por meio desse processo, a empresa conseguiu substituir 50% do produto original.
CAMINHO DAS PEDRAS
Cinco ações para uma boa gestão de resíduos, segundo o Governo Britânico (em ordem de relevância para a sustentabilidade dos negócios)
1 – Prevenção de resíduos
É o termo utilizado para tratar de medidas com vistas à redução da quantidade de resíduos gerados. Essas medidas vão desde ações simples, como reduzir o desperdício de alimentos, até o prolongamento da vida útil de produtos. Também inclui decisões tomadas antes de um material se tornar resíduo para reduzir a sua periculosidade ou outros impactos negativos. Como a primeira camada da hierarquia, deve ser promovida como uma prioridade sobre as demais.
2 – Preparando-se para a reutilização
Preparar a reutilização significa checar, limpar ou realizar operações de recuperação pelas quais os produtos ou seus componentes possam ser reutilizados, sem qualquer outro pré-processamento. Exemplos de preparação para a reutilização são velhos equipamentos de TI ou móveis descartados.
3 – Reciclagem
Reciclar significa converter materiais usados em novos produtos. Para a maioria dos materiais e produtos, a reciclagem é melhor para o ambiente do que a transformação em energia e ou seu descarte.
4 – Recuperação de energia
Essa recuperação trata da extração, por meio de várias tecnologias, da energia do lixo quando não é possível sua reutilização ou reciclagem. A energia derivada de resíduos orgânicos pode contribuir para o cumprimento das metas de energias renováveis. A recuperação da energia dos resíduos abrange uma gama de tecnologias já estabelecidas, incluindo a combustão e digestão anaeróbicas, bem como as tecnologias emergentes, como a gaseificação e a pirólise avançada.
5 – Eliminação
É considerado o último recurso para os diversos tipos de resíduos. Os biodegradáveis, que se decompõem em aterros, liberam metano, um dos gases mais perigosos. Eliminar recursos valiosos, em vez de utilizá-los novamente, também se mostra uma saída economicamente insustentável.
Fonte: Revisão da Política de Resíduos do Governo Britânico – Defra (Department for Environment, Food and Rural Affairs), Julho 2010
* Esta reportagem especial e algumas das imagens que a ilustram fazem referência ao documentário Waste Land (Lixo Extraordinário). Vencedor do Sundance 2010 – maior festival de produções independentes dos Estados Unidos – como documentário ambientalista, e de melhor documentário do Festival de Paulínia (SP), o filme é uma coprodução de Brasil e Reino Unido e relata o trabalho do artista plástico Vik Muniz com catadores do maior aterro sanitário da América Latina, localizado no Jardim Gramacho, em de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense (RJ). Waste Land deve estrear em circuito comercial em 2011.
Assista ao trailler: Waste Land
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Mottainai, tradição e consumo ético


Por Maria Clara Takaki
Mottainai! A expressão da língua japonesa pode ser interpretada como “que desperdício!”. A palavra resulta da união de dois termos: mottai, originário do Budismo, refere-se à característica digna ou sagrada das entidades materiais. Pode ser também aplicado a tudo no universo físico, sugerindo que objetos não existem isoladamente – tudo está intrinsicamente conectado.
Já nai representa a forma negativa da língua japonesa. Logo, mottainai é uma expressão de negação desses laços.
Literalmente, pode ser compreendida como “faltando com a dignidade do objeto”, ou seja, parte do princípio de que se uma pessoa não é capaz de aproveitar ao máximo o uso de algo, não deveria nem mesmo possuí-lo, pois simplesmente não merece o direito ético ao material. Trata-se de uma expressão penosa, de tristeza, que denota a negação do vínculo entre todas as coisas.
Tradicionalmente, os budistas utilizavam-na em sinal de arrependimento ao desperdício ou mau uso de algo sagrado, como objetos religiosos ou ensinamentos. Atualmente, é comum seu uso diário para indicar o desperdício de qualquer material, tempo ou outros recursos.
A aplicação do termo mottainai simboliza o respeito pela essência das coisas, não apenas em relação à causa ambiental, mas também elevando a consideração pelos direitos humanos e a paz mundial. É um conceito atemporal, que induz à reflexão sobre questões de desperdício e pode resultar em uma reconsideração do modo como se dá o trato entre pessoas, animais e objetos.
Essa conexão foi estabelecida pela ambientalista vencedora do Prêmio Nobel da Paz de 2004, Profª. Wangari Maathai, que interpreta o conceito de mottainai como o mesmo dos 3Rs (reduzir, reutilizar e reciclar) e defende a ideia de que estamos apenas emprestando os recursos das gerações futuras. Portanto, é responsabilidade das gerações presentes assegurar às que virão o direito de aproveitá-los igualmente.
Atualmente, além da Mottainai Campaign, idealizada pela Profª. Maathai com o objetivo de promover o conceito internacionalmente, existe outra campanha iniciada pela ex-ministra do Meio Ambiente do Japão, Yuriko Koike, denominada Mottainai Furoshiki (furoshiki é um lenço de tecido quadrado, tradicional da cultura japonesa, que pode ser utilizado inúmeras vezes como sacola ou embalagem de objetos, dependendo do modo como é dobrado).
Na medida em que estimula o uso do furoshiki, a campanha resgata uma tradição cultural para a redução e reutilização, já que o uso desse lenço contribui para minimizar os resíduos domésticos de sacolas plásticas e embalagens. Além disso, o tecido, agora, é produzido de fibra 100% originária de garrafas PET recicladas – mais resistente que sacolas plásticas de supermercados ou papéis de embalagens, reutilizável e multiuso, prático para o cotidiano, demandando apenas um pouco de criatividade para manuseá-lo da melhor maneira.
O modo como a expressão mottainai foi vinculada à causa ambiental tornou-se, portanto, bastante pertinente, uma vez que surgiu em um país com limitações geográficas e que, mesmo permanecendo isolado da lógica do comércio internacional por séculos, acabou se desenvolvendo de modo consciente e em harmonia com a natureza. Assim, promover a ideia contra o desperdício por meio desse conceito agrega a questão do significado ético do consumo, da finitude e do respeito.
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Maria Clara Takaki é pesquisadora de Ideia Sustentável, formada em Relações Internacionais, com especialização em sustentabilidade pela Universidade de Hokkaido, no Japão.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Mudança na matriz energética requer transformações nos padrões atuais de produção e consumo

7/03/2011 - 02h03


Por Redação IHU

O sistema energético com base em hidrelétricas é insustentável e prejudicial às populações ribeirinhas, afirma o professor Heitor Scalambrini Costa, da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), em entrevista por e-mail, à IHU On-Line. De acordo com o professor, as hidrelétricas previstas no rio Madeira e Xingu são desnecessárias para atender às necessidades elétricas do país. Em sua percepção, elas foram projetadas com o objetivo de “beneficiar as indústrias do setor eletrointensivo, como as empresas produtoras de ferro, celulose e alumínio primário, que são grandes consumidoras (e desperdiçadoras) de energia”.

Costa enfatiza que, para construir um modelo energético sustentável, é necessário mudar os modos de produção e consumo da sociedade. Para ele, mudanças na matriz energética, que conduzam ao bem- estar das pessoas, “devem levar em conta uma profunda transformação nos padrões atuais de produção/consumo, no estilo de vida” da população. Nesse sentido, ele propõe mudanças no conceito de crescimento econômico, e ressalta que as fontes de energia renováveis, além de ajudarem a combater os impactos ambientais, ajudariam a diminuir a pobreza e os problemas socioeconômicos do País.

Costa é graduado em Física pelo Instituto de Física Gleb Wattaghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mestre em Energia Solar, pelo Instituto de Energia Nuclear da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutor em Energia, pela Commissariat à I’Energie Atomique-CEA, Centre d’Estudes de Cadarache et Laboratorie de Photoelectricité Faculte Saint- Jerôme/Aix-Marseille III, França. Atualmente, coordena os projetos da ONG Centro de Estudos e Projetos Naper Solar e o Núcleo de Apoio a Projetos de Energias Renováveis - NAPER da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

IHU On-Line - Como o senhor avalia a matriz energética nacional?

Heitor Scalambrini Costa - 
O Brasil tem 45% da sua matriz energética baseada em fontes renováveis, particularmente para a geração de energia elétrica e potencialmente nos combustíveis líquidos para transporte, a partir de agrocombustíveis. Por outro lado, há uma absurda e brutal emissão de carbono no uso da terra. Basicamente, em função das transformações no uso da terra na região amazônica, onde o desmatamento e queimadas são usados para abrir campos agriculturáveis e pastagens.

Sem dúvida, nos encaminhamos para o fim da era do petróleo, e nos defrontamos com o grande desafio, que é combater as causas das mudanças climáticas, principalmente substituindo os derivados do petróleo por combustíveis renováveis. Estamos em um período de transição e de incorporação de novas fontes energéticas na vida das pessoas e das nações. Discutir, portanto, uma mudança na matriz energética que realmente busque preservar a vida e o bem-estar dos indivíduos no planeta precisa levar em conta uma profunda transformação nos padrões atuais de produção/consumo, no estilo de vida, no conceito de desenvolvimento vigente e na própria organização de nossa sociedade. Entendo que, para concretizar uma estratégia em bases sustentáveis, seria necessário investir na diversidade e na complementaridade das fontes energéticas, portanto nas alternativas renováveis como a energia eólica, solar térmica, fotovoltaica, marés, ondas, biomassa, pequenas quedas de água (PCH´s ). Portanto, discutir a matriz energética implica, em primeiro lugar, refletir a serviço de quem estará esta nova matriz e levar em conta quem se beneficiará ou qual propósito servirá, ou seja: energia para quê  e para quem?

IHU On-Line - Investindo na construção de novas hidrelétricas, o Brasil estará produzindo energia para quem?

Heitor Scalambrini Costa - 
O Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica (PDEE) 2006-2015, divulgado pelo Governo Federal, tem pouco apreço pela busca da eficiência energética e do uso racional de energia. Foi elaborado para beneficiar as indústrias do setor eletro-intensivo, como as empresas produtoras de ferro, pasta de celulose e alumínio primário, que são grandes consumidoras (e desperdiçadoras) de energia, concentrando em três megaprojetos (as usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio - no Rio Madeira, em Rondônia, a de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará e a usina nuclear de Angra III), que causarão grandes impactos sociais e ambientais e têm uma chance razoável de dar errado. Empreendimentos estes rechaçados pelos movimentos sociais e pela sociedade brasileira há anos, devido aos impactos ambientais que provocarão.

O governo não deu muita importância à adoção de novas matrizes de energia renovável no País. As energias renováveis são relegadas no PDEE, enquanto deveriam ser encaradas como a grande solução para a questão energética. O Brasil já é capaz de produzir em quantidade energia solar térmica, solar fotovoltaica, eólica ou biomassa, entre outras, e só não o faz por falta de vontade política do governo. O governo segue desconsiderando essa tendência internacional apesar do País possuir potencial para suprir totalmente a demanda nacional atual e também para fornecer eletricidade a locais remotos que não a possuem ou que utilizam outras fontes, como a geração a diesel ou a gás.

Ao desprezar as fontes renováveis, o País acaba deixando de economizar energia. Essas fontes poderiam também resolver problemas atuais do setor, como o pico de consumo causado por chuveiros elétricos e que pode ser reduzido utilizando a energia solar térmica, beneficiando a todos, inclusive às concessionárias. Assim a demanda poderia ser mais balanceada e o fator de carga elevado.

IHU On-Line - Num momento em que tanto se discute a questão ambiental e o aquecimento global, por que viabilizar grandiosos projetos de usinas hidrelétricas no Rio Madeira e no Xingu, por exemplo, se já está comprovado que grandes hidrelétricas geram impactos ambientais?

Heitor Scalambrini Costa -
 Os planos e estratégias de expansão da oferta de energia elétrica feito pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE pressupõe a continuidade de construção de grandes barragens e a prevalência da opção hidrelétrica para assegurar 4/5 da oferta, deixando a termeletricidade (gás natural, carvão mineral, derivados de petróleo e nuclear) os 20% restantes.
Para a elaboração deste cenário, é considerada a construção de grandes hidrelétricas na região Norte do País, a conclusão de Angra III e a construção de outras novas nucleoelétricas, enquanto que a inserção da energia solar e eólica na matriz energética nacional se mantém de forma incipiente. A energia elétrica obtida a partir do potencial hidráulico de um rio, através da construção de uma barragem, com a conseqüente formação de um reservatório, tem se revelado no cenário nacional e internacional insustentável. São identificados problemas físico-químico-biológicos decorrentes da implantação e operação de uma usina hidrelétrica e de sua interação com as características ambientais do local de construção (por exemplo, alteração do regime hidrológico, assoreamento, emissões de gases estufa a partir da decomposição orgânica no reservatório, entre outros), além dos aspectos sociais, particularmente com relação às populações ribeirinhas atingidas pelas obras (formação do reservatório), invariavelmente desconsideradas, diante dos deslocamentos destas populações.

Hidrelétricas desnecessárias

As hidrelétricas previstas no rio Madeira e Xingu são desnecessárias para atender as necessidades elétricas do País. Foram projetadas para beneficiar as indústrias do setor eletro-intensivo, como as empresas produtoras de ferro, celulose e alumínio primário, que são grandes consumidoras (e desperdiçadoras) de energia, além de obviamente as grandes empreiteiras (fonte de “eterna” corrupção).

Existem outras alternativas de oferta de energia elétrica sem a necessidade destas obras tão renegadas pela sociedade civil brasileira. Alternativas como a repotenciação (modernização) das hidrelétricas já existentes, melhorar a eficiência e conservação de energia, utilizar o aquecimento de água com energia solar para substituição dos chuveiros elétricos, dentre outras medidas, seriam suficientes para ofertar a energia elétrica necessária ao País, sem a necessidade de realizar estas grandes obras. Portanto, o Brasil não tem necessidade de construir as usinas hidrelétricas no Rio Madeira e no Xingu para atingir as metas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Estas decisões, referentes à construção de usinas de geração de eletricidade, têm sido expostas diante de um suposto aumento dos riscos de déficit de energia, alimentadas pela síndrome do apagão. Parece-me mais inteligente buscar formas de aumentar a eficiência e a conservação de energia e de encontrar, na diversidade das fontes renováveis, as múltiplas saídas para os problemas energéticos do país.

IHU On-Line - O senhor afirma que o tratamento dado à questão energética no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) foi decepcionante. Por quê? De que maneira o PAC poderia contribuir para o efetivo desenvolvimento do País, no que se refere à energia elétrica?

Heitor Scalambrini Costa - 
Pode se afirmar que o tratamento dado à questão energética no PAC foi decepcionante e frustrante para aqueles que almejam um desenvolvimento em nosso país mais igualitário, menos excludente e sustentável ambientalmente. Estamos na contramão da história, pois os mais recentes estudos do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática  da Organização das Nações Unidas têm apontado como o pior vilão das mudanças climáticas o uso dos combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão mineral) causadores do efeito estufa. E, lamentavelmente, são estes combustíveis que receberam os maiores recursos destinados pelo PAC.

Com uma previsão de aporte de recursos da ordem de R$ 274,8 bilhões até 2010, a área de infra-estrutura energética teve a maior fatia do bolo de investimentos. O plano mostra o viés conservador do governo por investir em combustíveis fósseis (maiores causadores do aquecimento global). A rubrica petróleo e gás levou R$ 179 bilhões, enquanto para o desenvolvimento de fontes renováveis de energia serão destinadas “migalhas” da ordem de R$ 17,4 bilhões. O setor elétrico, por sua vez, receberá R$ 65,9 bilhões para investimento em geração de energia e R$ 12,5 bilhões para investimentos em transmissão e distribuição.

Apesar do setor elétrico receber menos recursos que o setor petróleo e gás, o PAC atendeu às reivindicações dos empresários do setor elétrico (leia-se as grandes empresas transnacionais), beneficiando-as com mudanças nas regras de empréstimos concedidos pelo BNDES, que aumentaram as facilidades para os empresários do setor. Os prazos de pagamento foram estendidos de 14 para 20 anos e os prazos de carência aumentados de seis meses para um ano. Além disso, o financiamento pode chegar a até 80% do valor total do empreendimento. Também há outras facilidades, como a redução do valor das garantias dos projetos de construção de usinas hidrelétricas e a diminuição das exigências de previsão de fluxo de caixa para financiamentos no setor de energia. O governo, com essas “facilidades”, espera viabilizar projetos de usinas hidrelétricas de Jirau (3.300 MW) e Santo Antonio (3.150 MW), no Rio Madeira (barragem de 217 km), em Rondônia e de Belo Monte (5.500 MW), e no Rio Xingu, no Pará (barragem de 440 km).

Antes que o Brasil se renda ao apelo da energia nuclear (ambientalmente incorreta por causa dos riscos de acidentes e da produção de resíduos radioativos), ou continue lutando contra a sociedade civil para aprovar a construção de novas hidrelétricas e termelétricas, parece mais inteligente buscar formas de aumentar a eficiência e a conservação de energia, e de encontrar, na diversidade das fontes renováveis, as múltiplas saídas para os problemas energéticos do país.

IHU On-Line - Discutir as mudanças na matriz energética brasileira implica em discutir também mudanças no sistema de produção e consumo? Como o senhor relaciona esses aspectos?

Heitor Scalambrini Costa 
- Um modelo sustentável só será possível a partir da mudança dos modos de produção e de consumo da sociedade. É a razão capitalista com base no consumismo, no militarismo, e na da lógica de acumulação do capital que está levando o nosso planeta - e os seres vivos que o habitam - a uma situação catastrófica do ponto de vista do meio ambiente, das condições de sobrevivência da vida humana e da vida em geral.

O paradigma do crescimento econômico deve e precisa ser profundamente alterado. Precisamos nos adequar à velocidade dos acontecimentos, pois o caos climático e suas conseqüências se transformarão, em poucos anos, num fator de contestação global do capitalismo como jamais houve na história. Para estar à altura dos acontecimentos, uma boa idéia é começar a deixar de lado um conceito de crescimento econômico que nos foi imposto pelo próprio capitalismo.

A questão central é como vamos mudar o sistema de produção. Na medida em que se muda a produção, se mudará o consumo. A produção comanda e obriga o consumo. Se há preocupação em mudar a questão ambiental, é preciso se pensar em mudar o sistema de produção, o modelo atual da civilização ocidental industrializada. Temos que combater aqueles que parecem obedecer a uma mentalidade desenvolvimentista ainda calcada na visão do “mais e maior” e que ignora as dimensões socioambientais do “crescimento infinito”.

O fato é que jamais haverá, sob o signo do capitalismo, a “salvação ambiental”. Por isso, a luta socioambiental é hoje o instrumento mais importante para a superação do capitalismo antes que o capitalismo acabe com as condições para que a humanidade exista nesse Planeta.

IHU On-Line - Como o senhor percebe a criação das Pequenas Centrais Hidrelétricas enquanto alternativa para o funcionamento efetivo da energia elétrica no País?

Heitor Scalambrini Costa -
 O Brasil tem características geográficas e hidrológicas que favorecem o emprego da energia hidroelétrica. No País, existe um importante potencial, identificado através das PCH´s, estimado em 9.800 MW, considerando usinas com até 30 MW de potência instalada e com o reservatório de até 3 km2.

Uma PCH não é uma central em tamanho reduzido, e sim uma concepção diferente e mais simples de uma central hidrelétrica. A agressão à natureza deste tipo de empreendimento é muito menor que o causado pelas grandes hidroelétricas. Sem dúvida, as PCH´s se constituem em uma fonte de energia elétrica que devemos apoiar, para a construção de uma matriz energética mais renovável e diversificada.

IHU On-Line - Como o senhor relaciona a questão energética e o desenvolvimento sustentável?

Heitor Scalambrini Costa 
- Muitos acreditam e manifestam a crença de que o mercado pode ser o responsável pela implantação da filosofia do desenvolvimento sustentável. Acreditam que com o decorrer do tempo, e com o surgimento de novas tecnologias, os problemas ambientais podem ser sanados e superados, resultando uma melhoria no bem-estar social ou mesmo a diminuição das desigualdades sociais.

O fato é que o desenvolvimento sustentável não pode ser tratado apenas como uma questão restrita a políticas ambientais e tecnológicas. Os problemas da desigualdade social e do modo de produção atual são os obstáculos para se alcançar uma forma de desenvolvimento capaz de preservar o meio ambiente e, ainda assim, proporcionar melhores condições de vida as pessoas excluídas do sistema de trabalho. Um modelo sustentável só será possível a partir da mudança dos modos de produção e de consumo da sociedade.

Como podemos observar em nosso país, a temática da oferta da energia traz questões de ordem política decorrente da forma como as diferentes opções energéticas são impostas à sociedade. O tratamento da questão energética continua a revelar a prevalência da visão liberal-mercantilista, que concebe o setor energético como um campo de relações de troca de mercadorias, com vistas à ampliação da acumulação de capital.

IHU On-Line – Qual é o papel das fontes renováveis de energia na matriz energética brasileira?

Heitor Scalambrini Costa -
 As fontes renováveis de energia, como biomassa, PCHs, eólica e energia solar, incluindo a fotovoltaica, têm e terão um papel fundamental a cumprir, pois aumentam a diversidade da oferta de energia; asseguram a sustentabilidade da geração de energia a longo prazo; reduzem as emissões atmosféricas de poluentes; criam novas oportunidades de empregos nas regiões rurais, oferecendo oportunidades para fabricação local de tecnologia de energia; e fortalecem a garantia de fornecimento porque, diferentemente do setor dependente de combustíveis fósseis, não requerem importação.

Além de solucionar grandes problemas ambientais, como o efeito estufa, as novas renováveis ajudam a combater a pobreza, e também podem aumentar o acesso à água potável proveniente de poços. Água limpa e alimentação cozida reduzem a fome (95% dos alimentos precisam ser cozidos antes de serem ingeridos). Pode haver a redução de tempo que mulheres e crianças gastam nas atividades básicas de sobrevivência (buscando toras, coletando água, cozinhando). Além disso, energia em casa facilita o acesso à educação, aumenta a segurança e permite o uso de mídia e comunicação na escola; diminuir o desmatamento.

Os estudos realizados pela WWF mostram que, num cenário elétrico sustentável, as fontes como solar, eólica, biomassa e PCHs podem fornecer até 20% da geração total de eletricidade, empregando oito milhões de pessoas e reduzindo as emissões dos gases de efeito estufa. Basta para isso que se retome a fase 2 do PROINFA (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica), que foi abandonado pelo governo.

IHU On-Line - Como o senhor se posiciona em relação ao debate sobre energia no País? E a questão dos agrocombustíveis?

Heitor Scalambrini Costa -
 Em toda a discussão atual sobre energia no Brasil, se fala sempre na ameaça dos apagões frente ao crescimento econômico anunciado. Nem o governo, nem as autoridades do setor energético, nem os responsáveis pela administração do setor elétrico brasileiro, nem os distribuidores falam uma só palavra sobre economia de energia, racionalização do gasto de energia, eficiência, manutenção, modernização.

Só a obra nova parece interessar e ser capaz de gerar energia no Brasil. Cada vez é mais constante ouvir declarações governamentais e de “técnicos” de empresas estatais e privadas, demonstrando desprezo pelas energias renováveis e grande dose de ignorância sobre o debate energético contemporâneo. Diferentemente destas declarações preconceituosas sobre as energias alternativas como solução para o problema energético do Brasil, elas podem, sim, atender às necessidades e demandas futuras, diversificando e complementando a matriz elétrica. Ao estabilizar em torno de 70% de energia hídrica, os outros 30% podem ser perfeitamente adicionados por fontes renováveis, especialmente biomassa, PCH´s, eólica e solar – que nem foi incluída no PROINFA.

O PROINFA foi criado para estimular as fontes alternativas de energia, e que em cinco anos não realizou nem 40% das suas metas originais, relativamente banais, diga-se de passagem, de conseguir gerar 3.300 MW de eletricidade a partir de  biomassa, eólica e hídrica com base em PCH´s.

Biocombustíveis


Vejamos o que está ocorrendo com relação à produção do etanol e do biodiesel. Com base no modelo do agronegócio, que destina grandes extensões de terra para a monocultura, procura-se transformar o Brasil em grande exportador de combustíveis líquidos com o apoio e ganância de grandes grupos econômicos e fundos de investimentos. Este modelo causa impactos negativos em comunidades camponesas, ribeirinhas, indígenas e quilombolas, que têm seus territórios ameaçados pela expansão do capital.

O que se verifica hoje é a compra de terras por estrangeiros (japoneses, chineses, americanos, franceses, holandeses e ingleses), que estão aportando no país, comprando usinas e formando um estoque de terras que rende uma valorização acelerada, na linha da especulação típica das zonas urbanas. O Brasil entra com a terra, a água e o sol, e mão-de-obra barata. Já eles colhem, exportam e vendem o produto, aplicando os lucros lá fora. Ficam com o verde da cana e dos dólares e, nós, com o amarelo da fome. Sem abandonar estas fontes de riqueza para o País, o modelo agrícola a ser adotado deveria estar baseado na agroecologia, no zoneamento agrícola e na diversificação da produção. Ele deve ser orientado por um sentido de desenvolvimento, que fortaleça a agricultura familiar e o desenvolvimento regional, e não pela lógica de querer, acima de tudo, transformar o Brasil em um grande exportador de combustíveis. Tem se afirmado com insistência, ao longo dos anos, que não existe solução para os problemas urbanos do Brasil, sem melhorar a qualidade de vida no campo. Assim, a questão crucial não deve ser plantar isto ou aquilo, mas sim “plantar para quê e para quem”? Essas questões, por sua vez, devem estar subordinadas a uma pergunta mais geral: qual padrão de desenvolvimento e de consumo a sociedade brasileira deseja? A produção de agro-combustíveis como etanol e biodiesel só faz sentido se melhorar a qualidade de vida do povo.

IHU On-Line – Qual é o interesse do Brasil em utilizar energia nuclear como fonte energética? Essa opção pode ser considerada um regresso?

Heitor Scalambrini Costa -
 O Brasil não tem necessidade de construir mais usinas nucleares para atingir a meta do PAC de aumentar a oferta de energia elétrica. Fonte de energia elétrica ambientalmente incorreta por causa dos riscos de acidentes e pela produção de resíduos radioativos, o uso da nucleoeletricidade pelo Brasil é estrategicamente incorreto, e
deveria ser definitivamente descartada.

Os defensores da tecnologia nuclear insistem que a energia nuclear não emite dióxido de carbono (CO2) e, por isso, é uma boa opção para enfrentar o aquecimento global. Os lobistas desta tecnologia não incorporam em seus cálculos o processo completo da energia nuclear, porque  consideramos a mineração do urânio (combustível nuclear), o transporte, o enriquecimento do urânio, a posterior desmontagem da central e o processamento e confinamento dos resíduos radioativos. Esta opção produz entre 30 e 60 gramas de CO2 por quilowatt-hora gerado. Estes dados são da Agência Internacional de Energia Atômica, e é importante não omiti-los no debate sobre as soluções ao desafio energético do País. Ainda mais, porque o cálculo que faz hoje o Oxford Research Group chega até 113 gramas de CO2 por quilowatt-hora. Isso é aproximadamente a emissão de uma termoelétrica a gás. Portanto, aqui também há um mito, um afã de descartar, cortar e mostrar uma parcialidade da realidade desta fonte de energia. Também, o uso de água na tecnologia nuclear é alto e implica dejetos sólidos.

(Envolverde/IHU On-Line)