segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Descomplicar a reciclagem

19 de fevereiro de 2011 | 0h 00
Celso Ming - O Estado de S.Paulo
Quando se fala em reciclar o lixo, logo vem à cabeça aquela fileira de lixeiras coloridas. Tem verde, vermelha, a azul e amarela, e ninguém sabe ao certo em qual colocar o quê. Em qual delas vai papel usado?
Esse sistema está sendo fortemente questionado. A novidade é que em boa parte dos países avançados a separação se faz em apenas dois tipos de lixo: o que é reciclável e o que não é; o lixo seco e o lixo molhado.
Não faz mais sentido separar os resíduos por tipo de material. Isto é, ter uma lixeira para o plástico, outra para o papel, mais uma para o vidro, outra mais para as latinhas de alumínio, sem falar no recipiente para colocar os restos de comida.
"A separação por materiais é uma bobagem. Não sei quem inventou essa história de cor pra lá, cor pra cá", avisa Maurício Waldman, autor do livro Lixo: cenários e desafios. Um grande número de embalagens, como a TetraPak, é um conglomerado de vários materiais: plástico, cartolina, alumínio. Para onde vai isso? E será que vale a pena lavar garrafas e recipientes de suco de frutas quando se sabe que é preciso pelo menos dois copos de água tratada para se limpar um copo sujo? Ou economizar água também não é procedimento ecológico?
Para Waldman, o correto seria juntar tudo que é reciclável num mesmo balaio. A separação deve ser processada nos centros de triagem, onde haverá mais conhecimento e recursos para separar os resíduos. Só em papéis e papelões, a triagem deve prever 14 tipos diferentes. Não há dúvidas de que a simplificação do processo incentivaria mais gente a separar o lixo.
O Brasil produz cerca de 154 mil toneladas de lixo por dia, das quais somente 12% são reaproveitados - três vezes menos do que na Alemanha e na Suécia, referências no tema. Levantamento do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre) mostra que apenas 443 municípios (8% do total) têm algum programa de coleta seletiva de resíduos (veja gráfico).
Apesar dos números inexpressivos, o momento nunca foi tão promissor. Em agosto passado foi sancionada a lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ela cria um marco regulatório e trabalha com o conceito de responsabilidade compartilhada.
Isso significa que todas as unidades da cadeia produtiva são responsáveis pelo lixo que produzem: sociedade, empresas, prefeituras e governos estaduais e federal. A lei define também que até 2014 os municípios estão obrigados a trabalhar com coleta seletiva e acabar com os lixões, onde os resíduos são despejados sem nenhuma triagem anterior.
"A perspectiva agora é de que o setor se profissionalize e comece a ser visto como uma oportunidade de negócio", explica Carlos Silva Filho, diretor executivo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o País perde R$ 8 bilhões por ano quando deixa de aproveitar os resíduos recicláveis que estão disponíveis.
Mas, para que a coisa avance, parece indispensável acabar com a excessiva separação doméstica e adotar o mais rapidamente possível a divisão em apenas dois tipos de lixo. /COLABOROU ISADORA PERON
São os catadores
Não dá para falar em reciclagem de lixo sem mencionar o trabalho dos catadores. Apesar de muitas vezes só serem notados quando "atrapalham" o trânsito com seus carrinhos, eles desempenham papel importante nesse processo.
Trabalho notável
Hoje há mais de 800 mil pessoas exercendo essa atividade no Brasil. Estima-se que cada um deles recolha por dia 500 quilos de materiais. De acordo com Carlos Silva Filho, diretor executivo da Abrelpe, entre 60% e 70% do lixo no País só é reciclado graças ao trabalho realizado pelos catadores.
Parte da história
A Política Nacional de Resíduos Sólidos faz 11 referências à participação dos catadores no País. A intenção é integrá-los ao sistema e oferecer condições mais dignas de trabalho. "A lei nos dedicou um capítulo inteiro. Isso quer dizer que fazemos parte desta história", diz Roberto Laureano, presidente do Movimento Nacional dos Catadores de Resíduos.

Vai fracassando

Celso Ming - O Estado de S.Paulo
À medida que a crise global vai refluindo fica mais difícil encontrar utilidade para esses encontros do Grupo dos 20 (G-20). Não há acordo sobre nada. Será que para sair alguma coisa daí é preciso que tudo volte a piorar?
A ideia de reunir os maiorais do mundo para discutir os grandes problemas surgiu em 1975, quando Valery Giscard D"Estaing era presidente da França. A globalização já tinha avançado e os governos dos Estados nacionais já não conseguiam dar conta deles. Foi então que os dirigentes de Estados Unidos, Canadá, Japão, Inglaterra, Alemanha, França e Itália passaram a se encontrar em caráter informal no que passou a ser chamado de Grupo dos Sete (G-7), para avaliar em conjunto os problemas e coordenar políticas.
A partir de 1997, foi incorporada a Rússia, já transformada pela Perestroika e pela queda do Muro de Berlim, e, assim, o G-7 virou G-8. A partir de 1999, os próprios senhores do mundo sentiram a necessidade de incorporar os emergentes, porque não poderiam definir políticas conjuntas sem o compromisso de China, Índia, Brasil e Argentina.
Em novembro de 2010, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, passou a exercer a presidência rotativa do G-20. E é prerrogativa do presidente apresentar a pauta das discussões. Sarkozy sempre se mostrou impressionado com o que chamou de grandes desequilíbrios globais e com a necessidade de redesenhar o sistema financeiro mundial. Segunda-feira, a ministra de Finanças da França, Christine Lagarde, sintetizou em entrevista as preocupações do seu governo: "A China poupa e exporta, a Europa consome, os Estados Unidos tomam dinheiro emprestado e consomem. Por acaso é este um modelo equilibrado?"
As propostas de Sarkozy pretenderam provocar uma revolução. Sugeriu a reforma do Sistema Monetário Internacional para que outras moedas, e não apenas o dólar, passassem à condição de reserva internacional de valor. Quis o nivelamento dos saldos em conta corrente dos principais países. Falou insistentemente em intervenção nos mercados internacionais de commodities para controlar o mercado de alimentos de modo a impedir disparadas de preços, como as de agora.
Desde logo se viu que não há consenso nem sequer em torno da identificação dos desequilíbrios globais e dos indicadores para medi-los. Despejo excessivo de moeda no mundo é uma fonte de desequilíbrios? Sim, claro que é. Mas os Estados Unidos não admitem que estejam emitindo moeda demais. Argumentam que assim agem para recolocar a locomotiva global em movimento e que os demais vagões terão tudo a ganhar quando isso acontecer.
Montanhas de reservas externas são, sim, um sinal de que há enormes superávits de um lado e gigantescos déficits de outro. Mas Japão, China e Brasil avisam que não tem cabimento limitar o volume de reservas, medida que seria outro jeito de exigir revalorização da própria moeda.
Os preços dos alimentos disparam e produzem distorções? Sim, mas Estados Unidos, Brasil e Argentina argumentam que não faz sentido controlar o mercado internacional de alimentos. E o que acabará sobrando será a proposta de dar mais transparência aos mercados internacionais de commodities, sem que se saiba o que fazer depois com essa transparência.
Enfim, o G-20, como fórum global para identificação de problemas e coordenação de políticas, vai fracassando.
*
A escalada de preços atinge todas as matérias-primas e não apenas os alimentos. É o que mostra um dos mais respeitados indicadores de preços de commodities, o CRB.
Na contramão
O representante do Brasil e candidato ao cargo de diretor geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), José Graziano da Silva, defendeu ontem a proposta da França a favor da regulação do mercado de commodities alimentares. E, nessa defesa, assumiu posição contrária à do governo brasileiro. 


Há mais petróleo, mas não se sabe quanto

ALBERTO TAMER - O Estado de S.Paulo
Notícias promissoras no pré-sal surgem quase todos os dias. Poços revelam maior potencial, novas reservas são descobertas, mais investimentos chegam do exterior, cresce a produção, que bate recordes. É uma série de informações isoladas que revelam um cenário petrolífero que jamais teria sido imaginado há alguns anos.
Atendendo à sugestão de leitores, muitos dos quais empresários, estudantes de economia, finanças e até mesmo de geologia, a coluna resume dados oficiais ou não, que revelam estarmos apenas no início de um processo que levará o Brasil, em dois ou três anos, à autossuficiência no abastecimento do petróleo e derivados, com a entrada em operação de novas refinarias.
São dados que a coluna promete ir atualizando à medida em que forem confirmados e permanece à disposição dos leitores para mais informações.
Pré-sal e pós sal. Com a produção do primeiro sistema definitivo, que começou no fim de 2010 com 15 mi barris por dia, a produção do pré-sal chegou a 65 mil barris diários, considerando a fase de testes de longa duração. Esse primeiro sistema vai atingir 100 mil barris por dia até o fim do ano.
Pelas descobertas feitas até hoje, as reservas recuperáveis em barris equivalentes de petróleo e gás, nessa área, estão estimadas em 16 bilhões de barris, o que significa dobrar as reservas atuais da Petrobrás. É o começo porque, da área total do pré-sal, de 149 mil km², apenas 28% estão sob concessão em fase de exploração. Pode-se projetar o que espera em termos de descobertas quando forem prospectados os 107 mil km² que ainda não estão sendo explorados. Provavelmente, serão muito mais de 50 bilhões de barris.
Autossuficiência parcial. Ela de fato não existe. O Brasil já é autossuficiente na extração de petróleo, produz 2 milhões de barris por dia e consome 1,9 milhão. Mesmo assim, hoje ainda precisa importar alguns derivados, como diesel, GLP e nafta química que as refinarias existentes no país não destilam. Foram construídas para refinar petróleo leve que só agora se descobriu na Bacia de Santos.
A autossuficiência deverá vir nos próximos dois anos, quando duas refinarias, uma no Rio de Janeiro (Comperj) e outra em Pernambuco (Abreu e Lima) começarão a produzir aqueles derivados que o País importa hoje.
Mais consumo e produção. Nas análises de mercado, que constam do Plano de Negócios, a Petrobrás prevê que o consumo interno de derivados deverá aumentar em torno de 5% ao ano. Isso significa uma demanda de 2.354.000 barris por dia em 2014 e 2.794.000 em 2020. Se for mantido o atual comportamento do mercado, que vai depender das taxas de crescimento do PIB, esse consumo será atendido pela produção da Petrobrás de 2.980.000 barris por dia em 2014. É importante assinalar que, desse total, 241 mil barris por dia virão da exploração inicial do pré-sal.
Dependendo de ajustes técnicos, condições do mercado petrolífero internacional e da evolução da produção interna - que pode surpreender positivamente -, o Brasil poderá aumentar as suas exportações de petróleo ao mesmo tempo em que reduz a de derivados.
Será um resultado altamente positivo, principalmente porque está sendo conquistado em apenas 5 anos. Isso tem levado o presidente da empresa, Sergio Gabrielli, a dizer que a Petrobrás está fazendo em 5 anos o que não pode fazer em 56 de existência em produção e reservas. Isso decorre de uma nova estratégia dos investimentos.
O que mudou? Tudo. Absolutamente tudo, com destaque especial aos investimentos. Uma quase revolução. Vejamos.
Em 1997, quando se quebrou o monopólio, a empresa investiu R$ 4 bilhões. Em 2010, foram quase R$ 90 bilhões e, até 2014, serão mais de R$ 400 bilhões. Em 2010, nada menos que R$ 244 bilhões. Mais da metade dos investimentos por parte desses novos investimentos está se concentrando em exploração e produção. Como resultado, houve o aumento da produção e foram descobertas novas reservas que compensam o aumento do consumo sem onerá-las. É uma situação especial no cenário petrolífero mundial, no qual a maioria das grandes empresas privadas ou de capital aberto vem sofrendo queda de produção e reservas.
Tributos, R$ 600 bilhões. O desenvolvimento do setor nos últimos anos, após o período de mercado aberto, elevou em 100% o pagamento de tributos da estatal para a União. Proporcionou um aumento superior a 100% no pagamento de tributos, entre 1998 e 2010. Excluindo os encargos sociais, foram arrecadados pela União, Estados e municípios, nesse período, cerca de R$ 600 bilhões. Soma-se a este valor a distribuição de royalties sobre a produção aos Estados e municípios, que superou os R$ 100 bilhões, desde 1998. Vai ser mais, muito mais, quando o pré-sal aumentar sua produção.
Desafios? Os tecnológicos estão sendo bem enfrentados de forma a reduzir os custos e riscos ambientais. Os financeiros, também. Se existe um desafio é o de persistir nessa linha, que o novo governo já aprovou. Antes de só pensar, como no passado, em vender derivados porque dá lucro e não apresenta risco, é investir em pesquisa, tecnologia e produção. É o que está dando certo. É só fazer mais porque ninguém sabe quanto há de petróleo ainda por descobrir nas costa do Brasil. Um segredo que só se desvenda investindo intensamente. A Petrobrás e as empresas privadas já estão fazendo isso, com sucesso. Mas é só o começo.