segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Dois pesos...

Maria Rita Kehl /Estadão

02 de outubro de 2010 | 0h 00

Este jornal teve uma atitude que considero digna: explicitou aos leitores que apoia o candidato Serra na presente eleição. Fica assim mais honesta a discussão que se faz em suas páginas. O debate eleitoral que nos conduzirá às urnas amanhã está acirrado. Eleitores se declaram exaustos e desiludidos com o vale-tudo que marcou a disputa pela Presidência da República. As campanhas, transformadas em espetáculo televisivo, não convencem mais ninguém. Apesar disso, alguma coisa importante está em jogo este ano. Parece até que temos luta de classes no Brasil: esta que muitos acreditam ter sido soterrada pelos últimos tijolos do Muro de Berlim. Na TV a briga é maquiada, mas na internet o jogo é duro.
Se o povão das chamadas classes D e E - os que vivem nos grotões perdidos do interior do Brasil - tivesse acesso à internet, talvez se revoltasse contra as inúmeras correntes de mensagens que desqualificam seus votos. O argumento já é familiar ao leitor: os votos dos pobres a favor da continuidade das políticas sociais implantadas durante oito anos de governo Lula não valem tanto quanto os nossos. Não são expressão consciente de vontade política. Teriam sido comprados ao preço do que parte da oposição chama de bolsa-esmola.
Uma dessas correntes chegou à minha caixa postal vinda de diversos destinatários. Reproduzia a denúncia feita por "uma prima" do autor, residente em Fortaleza. A denunciante, indignada com a indolência dos trabalhadores não qualificados de sua cidade, queixava-se de que ninguém mais queria ocupar a vaga de porteiro do prédio onde mora. Os candidatos naturais ao emprego preferiam viver na moleza, com o dinheiro da Bolsa-Família. Ora, essa. A que ponto chegamos. Não se fazem mais pés de chinelo como antigamente. Onde foram parar os verdadeiros humildes de quem o patronato cordial tanto gostava, capazes de trabalhar bem mais que as oito horas regulamentares por uma miséria? Sim, porque é curioso que ninguém tenha questionado o valor do salário oferecido pelo condomínio da capital cearense. A troca do emprego pela Bolsa-Família só seria vantajosa para os supostos espertalhões, preguiçosos e aproveitadores se o salário oferecido fosse inconstitucional: mais baixo do que metade do mínimo. R$ 200 é o valor máximo a que chega a soma de todos os benefícios do governo para quem tem mais de três filhos, com a condição de mantê-los na escola.
Outra denúncia indignada que corre pela internet é a de que na cidade do interior do Piauí onde vivem os parentes da empregada de algum paulistano, todos os moradores vivem do dinheiro dos programas do governo. Se for verdade, é estarrecedor imaginar do que viviam antes disso. Passava-se fome, na certa, como no assustador Garapa, filme de José Padilha. Passava-se fome todos os dias. Continuam pobres as famílias abaixo da classe C que hoje recebem a bolsa, somada ao dinheirinho de alguma aposentadoria. Só que agora comem. Alguns já conseguem até produzir e vender para outros que também começaram a comprar o que comer. O economista Paul Singer informa que, nas cidades pequenas, essa pouca entrada de dinheiro tem um efeito surpreendente sobre a economia local. A Bolsa-Família, acreditem se quiserem, proporciona as condições de consumo capazes de gerar empregos. O voto da turma da "esmolinha" é político e revela consciência de classe recém-adquirida.
O Brasil mudou nesse ponto. Mas ao contrário do que pensam os indignados da internet, mudou para melhor. Se até pouco tempo alguns empregadores costumavam contratar, por menos de um salário mínimo, pessoas sem alternativa de trabalho e sem consciência de seus direitos, hoje não é tão fácil encontrar quem aceite trabalhar nessas condições. Vale mais tentar a vida a partir da Bolsa-Família, que apesar de modesta, reduziu de 12% para 4,8% a faixa de população em estado de pobreza extrema. Será que o leitor paulistano tem ideia de quanto é preciso ser pobre, para sair dessa faixa por uma diferença de R$ 200? Quando o Estado começa a garantir alguns direitos mínimos à população, esta se politiza e passa a exigir que eles sejam cumpridos. Um amigo chamou esse efeito de "acumulação primitiva de democracia".
Mas parece que o voto dessa gente ainda desperta o argumento de que os brasileiros, como na inesquecível observação de Pelé, não estão preparados para votar. Nem todos, é claro. Depois do segundo turno de 2006, o sociólogo Hélio Jaguaribe escreveu que os 60% de brasileiros que votaram em Lula teriam levado em conta apenas seus próprios interesses, enquanto os outros 40% de supostos eleitores instruídos pensavam nos interesses do País. Jaguaribe só não explicou como foi possível que o Brasil, dirigido pela elite instruída que se preocupava com os interesses de todos, tenha chegado ao terceiro milênio contando com 60% de sua população tão inculta a ponto de seu voto ser desqualificado como pouco republicano.
Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos. 


terça-feira, 28 de setembro de 2010

Metais pesados na Billings e Guarapiranga



Categoria: Meio ambiente/ JT
Felipe Oda
O fundo das represas Billings e Guarapiranga está contaminado com metais pesados. Chumbo, cobre, níquel e zinco são alguns dos elementos químicos encontrados por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP). Segundo eles, a contaminação dos sedimentos pode comprometer a qualidade da água e a exposição prolongada pode provocar câncer. Responsável pelo tratamento da água, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) afirma que não há risco para os consumidores.
A contaminação do solo dos reservatórios, que abastecem 4,5 milhões de pessoas na capital e na Grande São Paulo, é atribuída ao esgoto despejado irregularmente por casas e indústrias. Em alguns trechos, os pesquisadores detectaram cobre 30 vezes acima do nível de segurança recomendado por agências internacionais de saúde.
Valores esses que apontam para a possibilidade de intoxicação, diz a pesquisadora do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública (FSP), da USP, Silvana Cutolo Audrá. “O consumo de água contaminada com metais (pesados) pode acarretar náusea, dor de cabeça e irritações na pele e nas mucosas. Mas a exposição a longo prazo pode ser mais severa, como diminuir a fertilidade, defeitos congênitos e surgimento de câncer.”
Apesar de a Sabesp negar riscos, o biólogo e autor do estudo, Marcelo Luiz Martins Pompêo, do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências, da USP, explica que há possibilidade de a água que chega às torneiras das casas ser contaminada. “Quando há mudança no pH (acidez) da água, nos níveis de oxigênio ou por conta da ação dos ventos, metais pesados podem se misturar à água.”
Oito estações da Sabesp fazem o tratamento da água na capital. No entanto, Pompêo diz que mesmo após o processo, parte dos metais pesados ainda se mantém. “Não quer dizer que a água não é potável, mas as estações não foram construídas para essa finalidade (retirar metais pesados).”
Além do monitoramento dos sedimentos pela Sabesp, especialistas alertam para a necessidade de ações de captação e tratamento de esgoto despejado irregularmente. “A contaminação também é decorrente das ocupações irregulares nas áreas de mananciais que lançam esgoto sem tratamento nos reservatórios”, diz o biólogo e ex-funcionário da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) Aristides Almeida Rocha.
Cerca de um milhão de pessoas vivem em áreas de preservação na Billings e Guarapiranga, diz a Secretaria de Habitação. A falta de coleta de esgoto é o principal problema de saneamento, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em agosto. Mais da metade dos domicílios recorre a fossas sépticas, valas a céu aberto ou lança o esgoto em cursos d’água.
Para tentar acabar com o problema, a Secretaria Estadual de Saneamento e Energia lançou o Programa Vida Nova Mananciais. Até 2015, o governo pretende investir R$ 1,3 bilhão com a retirada de famílias que ocupam áreas no entorno das represas, urbanizar favelas e criar redes de esgoto.
“Temos que concluir esse projeto de coleta e tratamento de esgoto e fazer a urbanização de 45 favelas nas regiões da Billings e Guarapiranga”, afirma a secretária da pasta, Dilma Seli Pena.
 Sem riscos
A presença de metais pesados nos sedimentos das represas Billings e Guarapiranga não significa contaminação da água, afirma a Sabesp, em nota. A companhia diz monitorar a “evolução da concentração dos metais nos mananciais utilizados para abastecimento”, sem detectar nenhum risco à saúde da população.
JT pediu à companhia informações sobre a composição da água após o tratamento. A Sabesp, no entanto, não forneceu os dados, alegando que são muitos os pontos onde é feita a coleta para verificação da qualidade da água. Por isso, a variação de resultados é muito grande. A empresa garantiu, no entanto, que os níveis de metais pesados (quando detectados) ficam dentro dos parâmetros considerados aceitáveis por normas internacionais.
“A remoção de metais pesados é efetuada durante o processo de sedimentação, onde, através da elevação do pH, ocorre a precipitação dos mesmos nas unidades de decantação”, diz nota da Sabesp. Segundo a companhia, caso sejam detectados metais em concentração de risco, “uma anomalia é apontada no relatório da Vigilância Sanitária e são tomadas as ações corretivas”.
“Os padrões e limites de potabilidade para qualidade da água destinada ao abastecimento são estabelecidos a partir de critérios rigorosos e anos de pesquisa, inclusive toxicológica”, informa a nota.
A Sabesp diz que as oito estações de tratamento da capital seguem a legislação nacional, contemplando parâmetros e critérios de potabilidade de portaria do Ministério da Saúde. A tecnologia de tratamento segue modelo recomendado por resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), ligado ao Ministério do Meio Ambiente.
Colaborou Luiz Guilherme Gerbelli

O mal a evitar

 O Estado de S.Paulo/ editorial com chamada de capa em 26/09/2010 ou O dia em que o Estadão declarou seu amor ao tucano Serra.
A acusação do presidente da República de que a Imprensa "se comporta como um partido político" é obviamente extensiva a este jornal. Lula, que tem o mau hábito de perder a compostura quando é contrariado, tem também todo o direito de não estar gostando da cobertura que o Estado, como quase todos os órgãos de imprensa, tem dado à escandalosa deterioração moral do governo que preside. E muito menos lhe serão agradáveis as opiniões sobre esse assunto diariamente manifestadas nesta página editorial. Mas ele está enganado. Há uma enorme diferença entre "se comportar como um partido político" e tomar partido numa disputa eleitoral em que estão em jogo valores essenciais ao aprimoramento se não à própria sobrevivência da democracia neste país.
Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, o Estado apoia a candidatura de José Serra à Presidência da República, e não apenas pelos méritos do candidato, por seu currículo exemplar de homem público e pelo que ele pode representar para a recondução do País ao desenvolvimento econômico e social pautado por valores éticos. O apoio deve-se também à convicção de que o candidato Serra é o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o País.
Efetivamente, não bastasse o embuste do "nunca antes", agora o dono do PT passou a investir pesado na empulhação de que a Imprensa denuncia a corrupção que degrada seu governo por motivos partidários. O presidente Lula tem, como se vê, outro mau hábito: julgar os outros por si. Quem age em função de interesse partidário é quem se transformou de presidente de todos os brasileiros em chefe de uma facção que tanto mais sectária se torna quanto mais se apaixona pelo poder. É quem é o responsável pela invenção de uma candidata para representá-lo no pleito presidencial e, se eleita, segurar o lugar do chefão e garantir o bem-estar da companheirada. É sobre essa perspectiva tão grave e ameaçadora que os eleitores precisam refletir. O que estará em jogo, no dia 3 de outubro, não é apenas a continuidade de um projeto de crescimento econômico com a distribuição de dividendos sociais. Isso todos os candidatos prometem e têm condições de fazer. O que o eleitor decidirá de mais importante é se deixará a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só, submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facção.
Não precisava ser assim. Luiz Inácio Lula da Silva está chegando ao final de seus dois mandatos com níveis de popularidade sem precedentes, alavancados por realizações das quais ele e todos os brasileiros podem se orgulhar, tanto no prosseguimento e aceleração da ingente tarefa - iniciada nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique - de promover o desenvolvimento econômico quanto na ampliação dos programas que têm permitido a incorporação de milhões de brasileiros a condições materiais de vida minimamente compatíveis com as exigências da dignidade humana. Sob esses aspectos o Brasil evoluiu e é hoje, sem sombra de dúvida, um país melhor. Mas essa é uma obra incompleta. Pior, uma construção que se desenvolveu paralelamente a tentativas quase sempre bem-sucedidas de desconstrução de um edifício institucional democrático historicamente frágil no Brasil, mas indispensável para a consolidação, em qualquer parte, de qualquer processo de desenvolvimento de que o homem seja sujeito e não mero objeto.
Se a política é a arte de aliar meios a fins, Lula e seu entorno primam pela escolha dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder. Para isso vale tudo: alianças espúrias, corrupção dos agentes políticos, tráfico de influência, mistificação e, inclusive, o solapamento das instituições sobre as quais repousa a democracia - a começar pelo Congresso. E o que dizer da postura nada edificante de um chefe de Estado que despreza a liturgia que sua investidura exige e se entrega descontroladamente ao desmando e à autoglorificação? Este é o "cara". Esta é a mentalidade que hipnotiza os brasileiros. Este é o grande mau exemplo que permite a qualquer um se perguntar: "Se ele pode ignorar as instituições e atropelar as leis, por que não eu?" Este é o mal a evitar.