27 de agosto de 2010 | 10h 19
Marcos Sá Corrêa - O Estado de S. Paulo
Se há uma coisa que não está acontecendo pela primeira vez na história do País é essa mistura de ar seco, horizonte encardido e céu opaco que marca mais uma estiagem como a hora tradicional de botar fogo no mato.
Disso o entomólogo alemão Hermann von Burmeister se queixou há uns 200 anos, em suas viagens de pesquisa pelo interior do Brasil, onde “tamanha era a quantidade de fumaça que, durante dias ou mesmo meses, o Sol ofusca quase totalmente oculto e, se o vemos, ele é vermelho”.
É a mesma fumaça que nos amplia o entardecer com um festival de panoramas alaranjados, para alegria dos fotógrafos. Burmeister, mais crítico, vaiou o espetáculo, resmungando contra esse efeito especial equivalente a enxergar o mundo “através de um vidro enegrecido”, sem contar que, nessas ocasiões, a atmosfera dos trópicos ardia nos olhos, irritava as narinas e inflamava os pulmões.
O que ele viu foi o Brasil crescendo do jeito que sabe. No caso, estava diante de Burmeister a prosperidade do café no Vale do Paraíba, derrubando as florestas para abrir alas a uma festa que durou uma geração, deixando de herança barões falidos, casarões em ruínas e um mar de morros carcomidos que a posteridade até hoje não sabe como consertar.
Nisso, o Brasil está cansado de ter história. O que 2010 registra pela primeira vez nos anais da imprevidência política no País é o encontro das queimadas com uma campanha presidencial em que pelo menos uma candidata, Marina Silva (PV), tenta, em vão, discutir se é isso mesmo que os brasileiros querem daqui para a frente.
Pelo visto, sim. É pelo menos o que as pesquisas andam dizendo. Pobre Marina. Mais sufocante que o ar poluído e seco, só uma eleição conservada em índices tóxicos de pasmaceira conformista. O Brasil vai às urnas em um dos piores ciclos de seu desastroso currículo ambiental. E não está nem aí para isso.
Aos inconformados, como Sérgio Leitão, do Greenpeace, resta apontar a revoada de sinais agourentos em direção a caminhos sem saída. Este foi o ano em que o Código Florestal caiu em desuso, entregue a um Congresso que só ouvia a voz dos pequenos, médios, grandes e enormes agricultores, todos alegando que não dá para sobreviver no campo sem enterrá-lo.
A reforma sequer acabou. E o triunfo do fogo sobre o código mostra em que deu o movimento nacional para malhá-lo ainda em vida.
Na Amazônia, o Imazon contabilizou 37 propostas simultâneas de madeireiros, mineradores, pecuaristas e grileiros em geral para avançar sobre 48 áreas protegidas na região. São quase 50 mil quilômetros quadrados de florestas nesse butim.
Na Bahia, a Bamin, um consórcio de indianos e cazaques, acaba de derrubar os entraves legais ao Porto Sul, um terminal de exportação de minério a se erguer no último trecho do litoral onde a legítima terra do Descobrimento – ou seja, a paisagem original descrita na carta de Caminha – tinha chance de progredir economicamente sem pisar nas próprias cinzas.
Os parques nacionais estão sob ataque na Justiça. O Jardim Botânico acaba de ser deserdado no Rio de Janeiro pela Secretaria do Patrimônio da União, que prefere deixar invasores aboletados no arboreto a reaver seu primeiro laboratório ao ar livre de pesquisa aplicada à conservação.
Isso, claro, numa terra que precisa como nunca formar especialistas em manejo de florestas nativas.
Futuro desolador
E lá vamos nós. Estamos prontos para cutucar o pré-sal com canos enferrujados. Temos cada vez mais projetos de hidrelétricas em bacias fluviais sujeitas a reviravoltas climáticas. Perdemos um século culpando os ingleses que levaram nossos seringais para a Malásia.
E nem notamos que, hoje, o tambaqui da Amazônia já se mudou para a China, que aprendeu antes de nós a cultivá-lo em cativeiro.
Aliás, o Peru é o maior exportador mundial de castanha-do-pará. Aquela que, lá fora, é chamada de “Brazil's nuts”.
Mas nada disso tem a ver com eleição presidencial, não é mesmo?