Passo sempre em frente ao falecido Canecão, em Botafogo, e só agora percebi: sua demolição já começou. Passava sem olhar, para não ver os fantasmas dos artistas que fizeram de seu palco talvez o maior da música brasileira. A lista dos que subiram a ele por mais de 40 anos é um catálogo telefônico. Quem não cantasse no Canecão era como se só cantasse em casa, no chuveiro. Fechado em 2010, seu terreno viveu desde então uma amarga pendenga com o proprietário, a UFRJ.
Fui quase testemunha do seu parto, em 1967. Ao lado do Canecão já inaugurado, mas ainda em obras, ficava o Solar da Fossa, um antigo convento do século 18 dividido em quartos individuais. Ali moravam dezenas de rapazes e moças criativos, futuros artistas, bonitos, românticos e duros. Os aluguéis eram tão baratos que até eu, foca numa revista, conseguia encarar. Os quartos só tinham uma cama e um armário, quem quisesse outros luxos que se virasse. Eu queria uma pequena estante. Bastou dar um pulo à obra do Canecão, subtrair duas ripas de madeira e alguns tijolos para apoiá-las, e estavam prontas as duas prateleiras.
O Canecão, no começo, era uma cervejaria em que se dançava com música ao vivo. Foi lá que, na festa de abertura do primeiro Festival Internacional da Canção, Kim Novak, estrela convidada, passou pela minha mesa e reconheceu o garoto que, na véspera, a entrevistara no Galeão. O Canecão logo trocou a pista de dança por mesas para a plateia e se concentrou nos espetáculos. O resto é história.
O novo Canecão, agora de bem com a UFRJ, será um complexo cultural com casa de shows para 6.000 pessoas, espaço para minishows, galeria de arte, museu, teatro, salas de aula, refeitório universitário e um bosque ao redor. E acho que, desta vez, vai.
Pena que o Solar tenha caído em 1974, para dar lugar ao shopping Rio-Sul. O qual evito frequentar —seu teto era o céu do Solar.
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