A imagem do pódio com Rebeca Andrade e as duas americanas em posição de reverência é cheia de significados. Não à toa ganhou as páginas dos maiores jornais.
Simone Biles, Jordan Chiles e Rebeca são jovens negras nascidas e criadas em países racistas. Em comum, uma infância que tornaria improváveis carreiras de tamanha repercussão internacional. Apesar das adversidades, ainda meninas, reuniram coragem, determinação e disciplina rígida para atingir níveis técnicos e artísticos que lhes permitiram voar sobre o tablado e encantar o mundo.
Diante da foto, imagino que supremacistas brancos devam experimentar a mesma frustração de Adolf Hitler ao ver o negro Jesse Owens vencer a corrida que lhe deu o título de "o homem mais veloz do mundo", nas Olimpíadas de Berlim de 1936, além de quatro medalhas de ouro, feito inédito na época.
A foto das três ginastas no pódio ganhou manchetes na imprensa internacional por encerrar a essência do que chamamos de espírito esportivo: a competição travada contra os limites de si mesmo, não contra as pessoas dos demais competidores. Duas ginastas de altíssima performance, uma das quais considerada a melhor do mundo, ajoelham-se para homenagear a companheira que as venceu. Existiria atitude mais generosa e civilizada?
Que exemplo dignificante essas moças deram às plateias do mundo inteiro. Na era dominada pelas imagens em que vivemos, quantas meninas e meninos serão influenciados pelo exemplo das três mulheres negras no pódio olímpico?
Na infância, fui fanático por futebol. Aos domingos à tarde, escutava o jogo no rádio, sem perder nem uma palavra sequer. Que alegria quando o São Paulo ganhava. Assim que a partida terminava, atravessava a rua para jogar bola na porta da fábrica, com a molecada da vizinhança. Lá, abria mão da minha identidade, virava Leônidas da Silva, o Pelé da época, autor de um gol antológico de bicicleta contra não sei que time.
Na primeira vez em que meu tio me levou para ver o São Paulo, no estádio do Pacaembu, fiquei desapontado. Os jogadores erravam passes, cometiam faltas, caíam no gramado, perdiam gols cara a cara com o goleiro. Na voz do locutor do rádio, meus heróis eram super-homens infalíveis: "Mata no peito, baixa na terra, passa por um zagueiro, pelo outro, invade a área, atira e é ‘goool’!". O interminável "goool" que fazia disparar meu coração.
Naquela ingenuidade infantil, eu não percebia que a prática do futebol privilegia princípios morais indefensáveis. Os jogadores dão péssimos exemplos para a garotada: jogam-se no chão para simular faltas que não receberam, rolam pelo gramado como se sentissem dores excruciantes, fingem contusões para interromper o jogo, apressam-se em cobrar o lateral que pertence ao adversário, chutam a canela dos outros por maldade, reclamam, cercam e vão para cima do juiz por ter apitado o pênalti que todo mundo viu. Quando conseguem enganar a arbitragem, não são considerados mentirosos, mas espertos.
Quem já criou filhos deve ter aprendido que não se educam crianças com palavras, mas com exemplos. De que adianta o pai fumante dizer para o filho que cigarro faz mal? Ou aconselhar a filha a não beber se ele chega bêbado em casa?
Os dirigentes do futebol são coniventes com o mau-caratismo reinante nos campeonatos organizados por eles. Por omissão, muitos cronistas esportivos também. Boa parte dos jogadores profissionais é formada por jovens que não conviveram com exemplos edificantes nas comunidades da periferia em que cresceram. A imensa popularidade do futebol seria ótima oportunidade para criar regras de civilidade esportiva e de cidadania para servirem de paradigmas, capazes de atingir grandes massas populacionais.
No antigo Carandiru, ouvi um preso com muitos anos de cadeia dizer para um carcereiro: "Seu Valdemar, o senhor é justo com a gente, faz sempre o certo. Se quando eu era pequeno tivesse conhecido um homem como o senhor, quem sabe não tivesse entrado para o crime".
Só daqui a quatro anos ouviremos falar outra vez de Rebeca, Simone e Jordan. Elas não fazem ideia de quantas meninas e meninos ajudaram com uma simples fotografia.
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