Na última semana, o vinho se viu no foco do noticiário —e não pelos motivos mais nobres. É difícil que você não saiba do que estou falando: uma operação da Receita Federal envolvendo um dos mais premiados restaurantes do país atualmente, o Tuju, e uma importadora focada em alguns dos melhores produtores do mundo, a Clarets, apreendeu 442 garrafas de vinhos de alta gama (ou seja, caríssimos) para investigar a possibilidade de descaminho.
A apreensão aconteceu na última quarta-feira (7) e se você sabe pouco sobre o ocorrido, sugiro ler o que duas colegas publicaram nesta Folha: Mônica Bergamo, que trouxe detalhes no calor da hora, e Tânia Nogueira, que esmiuçou o que significa a sonegação fiscal e trouxe números.
Para além das graves acusações de descaminho e crime fiscal, que têm sido discutidas na última semana, me impressionou uma cifra específica ainda pouco comentada. O evento que possivelmente foi o estopim da apreensão era um jantar em que seriam servidos "os 18 mais icônicos vinhos americanos, todos com a pontuação 100 Robert Parker". Esses rótulos acompanhariam um menu de dez tempos, criado para harmonizar com as características das bebidas. O banquete serviria apenas 17 pessoas, com ingressos a R$ 14.990, mais 15% de serviço. Catorze mil, novecentos e noventa reais. Foi aqui que engasguei.
O valor do menu de dez etapas no Tuju custa a partir de R$ 990, sem serviço. Restam impressionantes R$ 14 mil para os vinhos que seriam consumidos ao longo do jantar. Vale dizer que esse não é o valor que o restaurante cobra em suas harmonizações para o cliente habitual; era um evento especial.
Mas o engasgo continua: faz sentido pagar tanto por vinhos? A pergunta gira em minha cabeça a cada nova degustação de rótulos que estariam "entre os melhores do mundo". A resposta seria negativa em qualquer lugar, mas, no Brasil, um dos países mais desiguais do planeta, a situação é mais pornográfica.
Já discuti em outra coluna o que faz um vinho custar mais: a reputação do produtor, a valorização do lugar de onde vem a bebida, a produção reduzida, o reconhecimento da crítica. Essas questões, às vezes, explicam melhor o valor de um vinho do que o líquido que vai na taça. Por mais que se ame vinho, quando consumimos algo no patamar de preço do tal jantar a coisa definitivamente não diz mais respeito à bebida. Nem é uma questão de marca. O que se bebe é o dinheiro; o vinho vira dinheiro, é só dinheiro.
E para que bebemos vinhos? Arrisco dizer que eles podem nos fazer viajar para dentro de nós mesmos, assim como podem nos levar a conhecer mais e melhor quem já conhecemos bem. Eles podem criar ambientes festivos e ajudam a marcar datas importantes. Também nos ensinam sobre partes do mundo mais distantes e sua história, suas tradições e costumes. Podem nos relaxar, nos divertir, aguçar nosso olfato e nossas papilas. E essas experiências não são para milionários, por mais que alguns tentem nos convencer do contrário.
Como prova, aqui vão sete rótulos —que me deixaram apaixonada— para quem quer sentir as notas do vinho, não de outra coisa.
Para quem é de borbulhas, o português Filipa Pato 3b Brut Rosé (R$ 206 na Casa Flora) é chique e feito por uma grande enóloga; e o brasileiro L.A. Jovem Brut (R$ 105 na loja online da vinícola Luiz Argenta) é fresco e vem numa garrafa linda. Entre os brancos, o sul-africano Mother Rock Force Celeste Chenin Blanc, 2022 (R$ 190 na Wines4U) é moderno, elétrico e intenso; e o espanhol O Luar do Sil Godello Valdeorras D.O. 2022 (R$ 242 na Grand Cru) é clássico, mineral e untuoso.
Para quem ama tintos, o Château Marjosse Rouge 2020 (R$ 284,15 na Mistral) vem do projeto pessoal de uma lenda viva, Pierre Lurton, que dirige os châteaux Cheval Blanc e d’Yquem. Para quem ama Rhône, o Domaine Gramenon La Belle Sortie, 2020 (R$ 225 na De la Croix) é um deslumbre.
Por fim, um bom Jerez é o Sánchez Romate Manzanilla Viva La Pepa (R$ 189 na Belle Cave), que vale cada gota.
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