"Pai moderno tem tatuagem", escreveu outro dia (10) meu colega José Simão. E é verdade. Conheço pais acima de qualquer suspeita que, no fim de semana, levam o filho ao parquinho, a tomar sorvete, a assistir ao show da Galinha Pintadinha e, de bermuda e camiseta, exibem braços e canelas agressivamente tatuados com demônios e dragões. O mesmo quanto às recepcionistas de consultório dentário e caixas de farmácia —seus peitos e costas abrangem todo o leque de geometrias, figuras e abstrações.
É a prova de que a tatuagem foi promovida dos becos escuros e úmidos do cais do porto, executada por tipos suspeitos com âncoras e corações no antebraço, e está hoje em salões espelhados, nas mãos de delicadas profissionais de jaleco rosa. De algum tempo para cá, todo mundo resolveu se garatujar e se transformar numa obra de arte ambulante. A tatuagem, historicamente símbolo de insolência e de não-estou-nem-aí, domesticou-se. Ficou tão corriqueira quanto usar bigode ou passar batom.
Mas esse parece ser o destino de todas as atitudes que nasceram da contestação e da contracultura de 1968, não? Ao surgir, eram ofensivas e custaram caro aos primeiros que as adotaram. Não demorou muito, foram assimiladas justamente por aqueles que os contestadores queriam contestar. O cabelo comprido, por exemplo, em 1970 já havia saltado da cabeça dos hippies e roqueiros para a dos associados do Rotary Club e dos tecnocratas do Ministério do Planejamento.
Um dia, grávida e de biquíni, só Leila Diniz. Dias depois, as praias superlotaram de biquínis no oitavo mês. As argolas no nariz, nos mamilos e no umbigo das moças foram um choque quando surgiram. Agora adornam os narizes, mamilos e umbigos das seguidoras de Michelle Bolsonaro. O sistema adota, absorve, encareta e passa a vender tudo que o antissistema imaginar.
Simão querido, acho que, hoje, até avô moderno tem tatuagem.
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