Na sexta-feira, 16 de agosto, será dada a largada oficial para o início das campanhas eleitorais nos municípios brasileiros. As eleições municipais representam um dos momentos mais importantes para a democracia no país. É nas cidades que a vida acontece, e o papel dos responsáveis por pensar e implementar políticas públicas com participação social é central em um mundo marcado pela crise climática e pela acentuação das desigualdades. As cidades não são pontos isolados, à deriva; ao contrário, estão diretamente conectadas aos problemas nacionais e globais, e precisamos de governantes à altura dos desafios que a sociedade enfrenta.
No Pacto Federativo Brasileiro, os municípios desempenham um papel crucial na implementação de políticas públicas e na garantia de direitos devido à sua proximidade com a população, às competências constitucionais que lhes foram atribuídas e à descentralização administrativa que caracteriza o federalismo do país. Responsáveis pela gestão de serviços essenciais, como saúde, educação e transporte, e pela adaptação das políticas às realidades locais, os municípios são a linha de frente na execução de políticas públicas. Cabe, sobretudo, às prefeituras identificar as necessidades locais e promover a participação social de forma mais ampla e direta, como foi nosso ciclo anterior de Orçamentos Participativos que se tornaram mundialmente reconhecidos.
Dois casos, em particular, deveriam estar vívidos na mente dos eleitores brasileiros no próximo pleito eleitoral: a catástrofe na gestão da pandemia de covid-19 e o despreparo para enfrentar a tragédia climática no Rio Grande do Sul. São exemplos práticos de alguns dos grandes desafios que enfrentamos no presente e continuaremos a enfrentar no futuro, e que destacam a diferença de uma gestão responsável e compromissada com a vida da população em um cenário de crise e uma gestão negacionista e criminosa, que atende a interesses privados e não se compromete com o planejamento sério e com as evidências científicas.
No caso da pandemia, diante de um governo federal incapaz de disseminar informações alinhadas às recomendações científicas e da OMS, as gestões estaduais e municipais, em muitos casos, foram fundamentais para a instalação de centros de testagem e a disseminação de informações corretas. O oposto também é verdadeiro: administrações alinhadas ao discurso anticiência ajudaram na defesa do tratamento precoce, com cloroquina e ozônio, sem comprovação científica, e contribuíram para o aumento de mortes. Infelizmente, as recentes eleições do Conselho Federal de Medicina, em diversos estados, elegeram chapas que batem de frente com a ciência, mostrando que temos um longo caminho a percorrer no que diz respeito a aprender com a pandemia.
No caso da tragédia do Rio Grande do Sul, a maioria dos municípios atingidos não contavam com planos de contenção, e os que tinham, como Porto Alegre, estavam com o sistema sucateado e órgãos de planejamento e execução desmontados. O interesse imobiliário era tão flagrante que previa, para além do sucateamento, desmanchar o próprio sistema de muros, barragens, comportas e bombas da cidade. Todas as cidades serão impactadas por eventos extremos, daí a urgência de pensar em planos de mitigação de desastres, proteção das áreas de risco (onde residem as parcelas mais vulneráveis da população) e de enfrentamento à crise climática. Um estudo recente do Instituto Jones dos Santos Neto revelou que menos da metade das cidades brasileiras têm um Plano Municipal de Mudanças Climáticas, cujo objetivo é reforçar a resiliência e a capacidade de adaptação aos riscos relacionados ao clima e às catástrofes naturais.
Mais do que criar planos para mitigar possíveis desastres, a situação do planeta aponta para a necessidade de pensar em outros modelos de desenvolvimento e de cidades. Apesar das dimensões incomparáveis da tragédia do Rio Grande do Sul, diversas capitais do país, como Recife, São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, sofrem com enchentes, que deixam inúmeros desabrigados e mortos todos os anos nas encostas de morros e nas favelas. Isso não tem causa meramente natural, como muitos pensam, considerando que a culpa é apenas do volume das chuvas. Historicamente, as populações mais pobres sempre foram empurradas para morar em áreas de risco (de alagamento, deslizamento, contaminação etc.) e que não são de interesse das elites e do mercado imobiliário. Soma-se a isso o abandono ao qual estão sujeitas essas regiões, marcadas pela desigualdade social e racial, pela violência policial e pela ausência de serviços básicos e de boas condições de moradia, criando um terreno propício para as tragédias que insistem em se repetir e impactar recorrentemente os mais vulneráveis.
Nessas eleições, portanto, é preciso que nos perguntemos: quais são as cidades do presente e do futuro que queremos? Queremos governantes que escutem a ciência, os especialistas e estabeleçam ampla participação da população, ou vamos nos permitir acostumar com tragédias, cada vez mais frequentes, e gestões municipais inertes e mais interessadas em negociatas, que vão culpar as intempéries da natureza pela irresponsabilidade do ser humano?
O momento de refletir é agora. É preciso buscar o representante que, em um momento de crise, seja capaz de tomar decisões bem fundamentadas e dirigidas ao bem coletivo, sem recorrer à retórica do "cada um por si". É apenas a partir de um pensamento solidário, participativo e baseado em evidências científicas, da escuta ativa e do compromisso com o fim das desigualdades sociais e raciais que podemos pensar não apenas um futuro, mas um presente possível para o Brasil e suas cidades.
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