Vera Fischer tinha 17 anos quando foi Miss Brasil; 20 ao fazer o primeiro filme. Está com 73 anos. Lembrou o começo na pornochanchada, os nus. “Não eram problema para mim, eram para os outros. Fui educada por um pai alemão, rígido, mas não nessas questões morais.”
Vera está em Gramado, onde recebe, na noite desta quarta-feira, 14, a homenagem do 52º Festival de Cinema. O Troféu Cidade de Gramado já foi atribuído a José Wilker, Ingrid Guimarães e outros. Está preparada para pisar no tapete vermelho? “Preparada não sei se estou, mas posso garantir que estarei lindinha.” Disso não há a menor dúvida. Essa mulher continua um espanto. Bela, elegante. “Quando fui miss, talvez houvesse garotas mais belas do que eu. O que me garantiu o prêmio de Miss Criciúma foi o porte. ‘Você anda com firmeza’, ouvi de um integrante do júri. Como quem sabe o que quer.” Passado todo esse tempo, ela não perdeu a capacidade de sonhar. “Quero muito voltar a fazer cinema. Me chamem!”, grita.
Projetos existem. O de uma série documental contando sua história. Escreveu muitos romances, alguns foram publicados, a maioria permanece inédita. Vera Fischer não tem mágoa, nem vergonha da sua fase de pornochanchadas. Por que teria? Conta que sofreu assédio. “Sempre mantive a cabeça erguida. Dizia que estava menstruada, que tinha uma feridinha na vagina. Deixava os homens enojados, e olhem que que são resistentes. Deixavam-me em paz.”
No recente Cine OP, a Globo apresentou seu projeto Fragmentos, que restaura novelas incompletas, de até 20 capítulos. Passou o primeiro de Coração Alado, em que a jovem Vera está deslumbrante. “Era uma novela de Janete Clair, e ela escrevia sobre mocinhas tolas, virgens. A novela tinha uma cena fortíssima para a época, um estupro, coisa bem violenta. Ney Latorraca e eu quebrávamos todo o cenário. Fiquei toda roxa, e não eram marcas de maquiagem. Era real.”
Para você
Um grande papel na TV foi a Helena de Laços de Família, a novela de Manoel Carlos, de 2000/2001. Aquela Helena vivia um tórrido romance com Reynaldo Giannecchini, mas desistia dele por um amor maior, pela filha. A personagem de Carolina Dieckmann também era apaixonada por Giane, e mamãe abria mão dele. Nessa era de pautas identitárias, Vera não hesita em definir a novela como feminista.
“Minha Helena engravidava do primo e era expulsa de casa pelo pai. Criava a filha, construía uma empresa, tudo sozinha, sem depender de nenhum homem. E não odiava o pai pelas atitudes dele. Quando a filha se revelava portadora de câncer e necessitada de um transplante em família, Helena corria atrás do primo, fazia outro filho com ele, e sem explicar a complexidade da situação. Faz o que eu faria na vida.”
Esses anos todos, trabalhando em teatro, cinema e TV, Vera destaca alguma parceria que marcou? Um ator com quem gostaria de voltar a contracenar?
José Wilker me deixou de quatro. Era um homem sedutor, recitava poesia. Recitou para mim, me deixou inebriada.
Vera Fischer
“José Wilker (1944-2014)! Fizemos Bonitinha mas Ordinária. Ele me deixou de quatro. Era um homem sedutor, recitava poesia. Recitou para mim, me deixou inebriada. Perguntei – ‘O que você está fazendo comigo?’ Nunca tivemos nada, porque ele era casado com Renée de Vielmond, uma amiga. Mas o Wilker era maravilhoso.” Ao que consta, ele retribuía. O jornalista que perguntou a Vera sobre seu favorito fez a mesma pergunta a Wilker, e ele – o Vadinho de Dona Flor, com Sônia Braga -, não titubeou. “Vera Fischer!”.
Na novela Coração Alado, contracenava com Tarcísio Meira, que já era o grande galã da época. Lembra – “Meu pai me ensinou a secretar os sentimentos. Chorar na frente dos outros, nunca. Ruir loucamente, só em casa, trancada no quarto. Quando comecei a fazer cinema, televisão, não conseguia chorar. Não tinha as ferramentas técnicas e ainda havia o problema da minha criação.” Vera é capaz de identificar o momento da mudança. Foi com Intimidade, de Michael Sarne, de 1975. “Ganhei prêmios, foi o filme que mostrou, para mim mesma, que não apenas conseguia, mas realmente sabia atuar.” Sarne havia sido premiado no Festival do Rio, o antigo, dos anos 1960. Tornou-se amigo de Vera e de seu marido, na época, Perry Salles. Foram anos de gestação do projeto.
“A Embrafilme não quis botar dinheiro, porque o diretor não era brasileiro. Vendemos nosso apartamento e fomos filmar em Búzios, que ainda não havia evoluído muito depois da fase de Brigitte Bardot. Eu andava descalça, de bermuda, o diretor improvisava, e eu ainda não sabia nada. Fazia uma mulher perseguida pela mídia, como eu era. Na praia, ela vai se transformando. Tira a peruca, as roupas caras. Vira outra. Acho que fiz bem, para ganhar todos aqueles prêmios. Foi meu momento de virada.”
Intimidade virou cult, Vera recuperou o apartamento, mas quando se separou de Perry Salles e ele voltou para a Bahia, levou os negativos. “O filme se perdeu, não existe mais”, lamenta. Filmou depois com Arnaldo Jabor(Eu Te Amo) e Sérgio Rezende/Doida Demais, Com Walter Hugo Khouri fez Amor, Estranho Amor. “Khouri sabia exatamente o que queria, e como conseguir. Raramente repetia, era take um. E tinha um método: filmava os primeiros planos pela manhã e, à tarde e à noite, os planos médios e gerais. Tinha a decupagem na cabeça. Por que os closes pela manhã? ‘Porque a pele de vocês (as atrizes) está mais fresca’, dizia.” Com Amor, Estranho Amor, houve todo aquele problema. O vídeo foi interditado por causa da cena de Xuxa Meneghel nua com um garoto.
“Na época fiquei aborrecida com ela, mas não creio que fosse coisa da Xuxa. Foi coisa dos produtores dela, da assessoria. Mas seus advogados tiveram ganho de causa. O vídeo foi tirado de circulação. Muito tempo depois, voltou. Entrei em contato com ela. ‘Vamos esquecer o passado.’ Ainda somos belas, jovens (e sorri). Vida que segue.”
O Nelson Rodrigues é incrível, quero fazer no palco, mas grande, com produção. Aí, quando conseguir, se segurem, porque irei fundo
Vera Fischer
Embora tenha feito novelas e séries, Vera nunca foi noveleira. Prefere o cinema e o teatro. Adorou quando, uns anos atrás, virou rainha do meme. “Criavam meme de tudo comigo como Helena (de Laços de Família). ‘Uma saladinha, Helena’, ‘Um cafezinho, Helena’. Adorava. Achava divertido, carinhoso”, diz.
Vera estava fazendo o crossover. Depois de ter sido ídolo – objeto de desejo – dos pais, conquistava os filhos. O que ainda falta fazer? A série sobre sua vida, que mais? “Já fiz Plínio Marcos e Nelson Rodrigues no cinema. Fiz essa grande personagem que é a Norma Sueli, que termina crucificada no filme do Neville (D’Almeida). É muito forte.” No palco sonha com... a Geni de Toda Nudez Será Castigada. “Jabor fez um filme belíssimo, em que a Darlene Glória está incrível. O Nelson é incrível, quero fazer no palco, mas grande, com produção. Aí, quando conseguir, se segurem, porque irei fundo”, promete. Face a tudo que já fez, não é pouca promessa.
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