quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Marta Suplicy reencontra Chico Pinheiro em campanha 21 anos após atrito na TV, FSP

 

São Paulo

Marta Suplicy (PT) voltou a ser entrevistada pelo jornalista Chico Pinheiro mais de 20 anos após um encontro na TV que terminou mal. A diferença é que, desta vez, os dois gravaram um material produzido pela campanha de Guilherme Boulos (PSOL), que concorre à Prefeitura de São Paulo com ela de vice.

Em março de 2003, quando a então prefeita enfrentava uma crise no transporte público, com retaliação de empresários, greves de ônibus e cerco a perueiros clandestinos, ela se irritou durante entrevista a distância para o SPTV, jornalístico da TV Globo que Pinheiro apresentava na hora do almoço.

Contrariada com um comentário do jornalista sobre "velhos problemas de sempre com ônibus", Marta o interrompeu, elevou o tom de voz e o desafiou: "Vem ser prefeito para ver o que é! Seja o prefeito! É muito fácil ficar aí dizendo 'fez isso, aquilo, aumentou tarifa'".

A então prefeita Marta Suplicy (PT) no início da entrevista e após se irritar com pergunta do apresentador do 'SPTV', Chico Pinheiro, em março de 2003 - Reprodução/TV Globo

O incidente foi rumoroso, municiou rivais, provocou solidariedade no PT e resultou em um pedido de desculpas dela ao entrevistador no dia seguinte ao confronto. Anos depois, Marta atribuiria a exasperação à tensão que vivia nos bastidores da prefeitura, o que incluía até ameaças de morte contra ela.

Nada comparável ao clima ameno visto no vídeo publicado pela campanha na segunda-feira (12), no qual os dois interagem por 18 minutos em torno de uma farta mesa de café.

Convidado pelo marqueteiro da campanha, Lula Guimarães, Pinheiro conduziu uma série de perguntas de tom pessoal, no mesmo modelo de uma conversa sua com Boulos divulgada em abril.

Marta Suplicy (PT) e o jornalista Chico Pinheiro em gravação para a campanha de Guilherme Boulos (PSOL) à Prefeitura de São Paulo em 2024.
Marta Suplicy (PT) e o jornalista Chico Pinheiro em gravação para a campanha de Guilherme Boulos (PSOL) à Prefeitura de São Paulo em 2024 - Reprodução/YouTube @guilhermeboulos

Sem conceder entrevistas desde janeiro, quando deixou o cargo de secretária na gestão Ricardo Nunes (MDB) e selou a adesão à candidatura rival a convite do presidente Lula (PT), Marta usou o espaço para exaltar qualidades que vê em Boulos e legados de sua administração (2001-2004), mas também foi questionada sobre os motivos da guinada política, ao trocar Nunes pelo projeto do PT.

"Eu fiz bem de sair", concluiu a ex-prefeita após repetir a justificativa de que decidiu abandonar Nunes porque "ele se ligou" ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A petista disse se preocupar com o crescimento na capital paulista do bolsonarismo, corrente que ela relacionou a "arma, raiva, polarização".

"As pessoas não querem briga, não querem arminha, nada disso. Querem paz, não-violência, harmonia."

Pinheiro disse à ex-prefeita que indagá-la sobre a migração era uma "questão inevitável". Ela respondeu que topou compor a chapa para o deputado do PSOL se tornar "mais conhecido, com mais credibilidade".

"Eu tenho uma credibilidade boa, então, eu assinando embaixo e dizendo 'pode votar que é seguro', acho que ajuda", disse ela, que foi citada por 16% dos entrevistados e encabeçou o ranking de pesquisa Datafolha feita em março sobre quem foi o melhor prefeito de São Paulo dos últimos 40 anos.

Marta também afirmou, rindo, que o companheiro de chapa é tratado como "bicho-papão" por adversários, em virtude da atuação por 20 anos como líder do MTST (movimento de moradia).

"Não tem nada disso! Ele é uma pessoa que trabalhou muito sempre pelos mais pobres", opinou, somando-se aos esforços para neutralizar a pecha de radical atribuída a ele. A petista elogiou o aliado por ser "enérgico na fala", mas também uma "pessoa do diálogo" e que "cozinha bem".

O entrevistador questionou a ex-prefeita sobre o aspecto "curioso" de que Boulos goza do apoio de segmentos mais ricos e escolarizados do eleitorado, mas "é incrível" que não tenha nas periferias "a penetração que poderia ter", colocando a hipótese de que o candidato ainda seja desconhecido.

Ela reduziu a questão ao fato de que "as pessoas não estão antenadas para a política ainda", mas especulou que isso "vai mudar bastante" com o início da propaganda, nesta sexta (16). "Quando começar a campanha, é que as pessoas vão poder quem é quem, quem apoia quem", acrescentou.

Entre os mais pobres, Boulos é ameaçado tanto por Nunes, que exibe desempenho superior, quanto por José Luiz Datena (PSDB), segundo o Datafolha da semana passada.

No livro "Minha Vida de Prefeita", que lançou em 2008 com histórias de sua gestão, Marta escreveu sobre o dia em que, nas suas palavras, perdeu a paciência com Pinheiro —que não retrucou. "O episódio foi amplamente explorado como demonstração da minha arrogância", relembrou ela.

A petista afirmou que aprendeu com a situação que "nada é pessoal, os jornalistas tentam fazer as perguntas que percebem serem as dúvidas da população e não adianta ficar nervosa, discutir ou, pior, agredir, porque o telespectador não compreende esse tipo de reação".

Em 2004, quando disputou (e perdeu) a reeleição, Marta ressuscitou o assunto em um debate com José Serra (PSDB) mediado por Pinheiro. Disse que "quando eu erro peço desculpas" ao falar da situação com o apresentador, que a interrompeu com o pedido de que não envolvesse seu nome no discurso.

Na gravação recente, o jornalista, que deixou a Globo em 2022 e atuou na campanha de Lula em 2022, recordou os fatos com bom humor, sinalizando à ex-prefeita que não restou mágoa da parte dele e que sempre buscou tratá-la de forma profissional. O ambiente, de acordo com relatos, foi amistoso.

Procurado pela Folha, ele diz que, assim como aceitou o convite para entrevistá-la, atenderia outros. "Faço com qualquer um. Estou a serviço da democracia", afirma, com a condição de ter liberdade para formular as perguntas.

Segundo o apresentador, a equipe da campanha preparou um roteiro, mas ele preferiu não ler. Marta, contatada pela reportagem via assessoria, não quis comentar.

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