Em meio ao entulho de um palácio destruído há mais de 400 anos, arqueólogos da Dinamarca encontraram fragmentos de vidro e cerâmica que ainda trazem resquícios dos experimentos de alquimia feitos por um dos mais importantes astrônomos da história. Tudo indica que o nobre escandinavo Tycho Brahe (1546-1601), cujas observações do céu serviriam de base para diversos trabalhos científicos revolucionários, usava minérios para produzir medicamentos cuja receita, na época, era secreta.
É o que concluem Kaare Lund Rasmussen, da Universidade do Sul da Dinamarca, e Poul Grinder-Hansen, do Museu Nacional dinamarquês, em artigo publicado no último dia 25 na revista especializada Heritage Science. A análise da dupla identificou, em cacos provavelmente oriundos dos laboratórios de Tycho Brahe, restos de metais que fariam parte dos chamados "Medicamenta Tria" (trio de medicamentos) receitados pelos alquimistas para diversos tipos de doenças.
Brahe, membro de uma das mais importantes famílias da nobreza da Dinamarca, provavelmente seria descrito como uma figuraça se estivesse vivo hoje. Perdeu parte do nariz num duelo com um primo na juventude (eles se desentenderam porque um não queria aceitar que o outro era melhor em matemática).
Os dois fizeram as pazes, e Brahe passou a usar uma prótese nasal feita de ouro e prata (provavelmente só em ocasiões especiais). Ele insistiu em se casar com uma jovem plebeia e, por isso, seus filhos perderam o direito aos seus títulos de nobreza.
Apesar das excentricidades, ele realizou algumas das observações astronômicas mais precisas numa época em que ainda não havia telescópios, identificando, por exemplo, as explosões estelares que hoje chamamos de supernovas.
Em meio ao debate sobre as novas ideias do polonês Nicolau Copérnico, que propunha que a Terra e os planetas giravam em torno do Sol, Brahe propôs um modelo intermediário, no qual a Terra continuava no centro do Cosmos, mas os demais planetas girariam em torno do Sol.
Já o trabalho de Brahe com a alquimia é menos conhecido porque, mantendo a aura de segredo que costumava existir em torno dessa prática, ele não publicava seus resultados, ao contrário da divulgação ampla que dava para seu trabalho astronômico.
"Com muita labuta e por meio de grandes gastos, fiz muitas descobertas no que diz respeito aos metais e minerais, bem como sobre as pedras preciosas e plantas", declarou ele sobre o tema. "Estarei disposto a discutir essas questões francamente com príncipes e nobres, e outras pessoas de distinção e conhecimento. Mas não há nenhum propósito útil em tornar essas coisas amplamente conhecidas."
Em parte, o segredo pode estar ligado à fama sobrenatural da alquimia, que supostamente conferiria a seus praticantes o poder de transformar metais comuns em ouro (o que Brahe negava) ou mesmo o de criar um elixir da juventude ou da imortalidade. A prática era uma mistura de química rudimentar com crenças místicas, segundo as quais era possível recriar a harmonia do Cosmos em laboratório –daí a ligação entre alquimia e astronomia, como se a primeira fosse a versão terrena da segunda.
Todas as descrições contemporâneas do trabalho do astrônomo em seu palácio de Uraniborg ("o castelo de Urânia", musa da astronomia) falam da presença de uma série de instrumentos experimentais complicados feitos de vidro, como alambiques, nos quais ele supostamente destilava seus elixires alquímicos. No entanto, ao perder o patrocínio da monarquia dinamarquesa, Brahe foi forçado a deixar a ilha de Ven (hoje pertencente à Suécia), onde ficava Uraniborg. O palácio e as instalações vizinhas foram desmanchados, e os materiais de construção, reciclados em outros edifícios.
Os autores do novo estudo analisaram fragmentos que devem ter feito parte da instrumentação alquímica de Brahe com espectrometria de massa (basicamente uma "balança" química de precisão) para identificar resquícios dos experimentos. Entre suas descobertas está a presença elevada de um quarteto de elementos químicos –cobre, ouro, mercúrio e antimônio– que parece se encaixar no que sabemos sobre outros trabalhos de alquimistas.
Segundo textos escritos décadas depois da morte de Brahe, quando a alquimia já estava em declínio, esses elementos fariam parte dos "Medicamenta Tria". Esses três supostos remédios serviriam para tratar doenças infecciosas, epilepsia e enfermidades da pele, do sangue e venéreas, entre outras coisas. E os quatro elementos químicos faziam parte das receitas em diferentes composições, faltando apenas a prata, além de componentes derivados de matéria orgânica.
Como indica a menção a plantas em sua frase sobre os segredos da profissão, porém, sabe-se que Brahe também trabalhava com remédios de origem vegetal. Não há registros de que ele tenha testado sistematicamente a eficácia de suas poções para curar doenças.
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