terça-feira, 20 de agosto de 2024

Cinema: “500 Dias Com Ela” teoriza sobre a rotina desesperada que envolve duas pessoas em um relacionamento, SCREAM & YELL

 Alain de Botton nasceu em Zurique, na Suíça, mas se naturalizou britânico. Em 1993, aos 24 anos, lançou seu primeiro romance, “Ensaios de Amor”, um livro que narra o círculo vicioso dos relacionamentos, de como as pessoas se apaixonam e depois se desiludem. No livro, um homem conhece uma mulher em um vôo entre Paris e Londres e se apaixona por ela em algum momento entre o controle de passaportes e a alfândega. Tudo o que acontece em seguida, se você não quiser ler “Ensaios de Amor”, pode ver nos cinemas com bastante propriedade: “500 Dias Com Ela” (“500 Days of Summer”).

“500 Dias Com Ela”, longa de estréia do experiente diretor de videoclipes Mark Webb (Santana, Green Day, Snow Patrol, Evanescence e Lenny Kravitz), não é uma adaptação do livro de Botton, mas soa exatamente como se fosse. E méritos e créditos à parte, pouco importa: “500 Dias Com Ela” é o filme indie de 2009 e um dos grandes filmes do gênero na década. No cartaz vemos a seguinte frase: “Está não é uma história de amor. É uma história sobre o amor”. Já o narrador em off, após apresentar os dois personagens principais desta fábula dos novos tempos, faz questão de avisar: “Esta é a história do garoto que conhece a garota. Mas você deve saber que não é uma comédia romântica”.

O garoto se chama Tom. Ele se formou em arquitetura, mas ganha a vida escrevendo textos de cartões de felicitações. Ele cresceu acreditando que nunca seria uma pessoa realmente feliz, e a culpa, segundo o narrador, “vem de uma exposição precoce à triste música pop britânica, e à má compreensão do filme ‘A Primeira Noite de um Homem’”. Você já deve ter lido isso antes mais ou menos dessa forma: “Eu sou triste porque ouço música pop ou ouço música pop porque estou triste?”.

No caso de Tom, ele veste camisetas do Joy Division e ouve desesperadamente Smiths, Clash e Pixies, mas podemos deixar isso em segundo plano, ao menos agora, pois Tom acaba de se apaixonar. O nome dela é Summer, uma garota que começou a trabalhar no mesmo lugar que ele. Porém, em se tratando de histórias sobre o amor, Summer ficou traumatizada com a separação de seus pais, e desde então só consegue amar duas coisas na vida: a primeira era seu longo cabelo escuro. A segunda era a facilidade para cortá-lo, sem sentir nada. Ela não acredita no amor assim como em Papai Noel.

Tom se apaixonou por Summer à primeira vista, e ela, bem, ela conseguiu perceber que o som que saiu dos fones de ouvido dele era uma canção familiar. Ela até canta um pedaço para ele, os dois lado a lado no elevador: “To die by your side is such a heavenly way to die”. Um cara chamado Bill Callahan, de uma banda chamada Smog, certa vez prescreveu uma receita para saber se um relacionamento tem futuro logo no primeiro encontro: “Coloque Smiths para tocar. Se ela ficar, será sua. Se ela for embora, não era pra ser mesmo”.

O que acontece a partir do momento em que Summer beija Tom é algo que, no Simpósio de Platão, Aristófanes defende como a “cara metade” (e Fábio Jr, como “as metades da laranja”). Para Aristófanes, os seres humanos eram hermafroditas tão poderosos e arrogantes que Zeus foi forçado a cortá-los em dois, numa metade masculina e numa metade feminina. E desde esse dia cada um deseja se reunir à metade da qual foi separado. Tom acredita sinceramente que Summer seja a sua metade. Já Summer acredita que os relacionamentos são confusos e que as pessoas sempre acabam ferindo umas as outras.”Ela é homem”, crava um amigo comum dos dois.

“500 Dias Com Ela”, assim como o livro “Ensaios de Amor”, é uma bela teorização sobre a rotina desesperada que envolve duas pessoas em um relacionamento. Se você prestar atenção com cuidado conseguirá perceber o momento exato em que as coisas começaram a dar errado. Na vida de Summer e Tom assim como em alguma de suas histórias de amor. No livro, é quando ela deixa de comprar o cereal para ele, um ato tão imperceptível, mas alguém já escreveu que a verdade reina nas pequenas coisas. No filme, ela vira Sid Vicious e ele Nancy Spungen. Não tem jeito: sabemos quando nos apaixonamos (embora tentemos disfarçar) assim como quando tudo está indo para o buraco (embota tentemos adiar).

Voltando ao segundo plano, para uma comédia não romântica indie, a trilha sonora é um deleite pop: Regina Spektor, Smiths, Pixies, Doves, Belle and Sebastian, Carla Bruni, Feist, Black Lips, Wolfmother, The Clash e Spoon são a trilha, além claro de She & Him, banda fofa da atriz mais fofa ainda Zooey Deschanel, que interpreta Summer de forma contida e perfeita. Joseph Gordon-Levitt dá vida a Tom, e está ótimo no papel, embora exagere nos traquejos em algumas passagens. E Alain de Botton também participa do filme tendo seu livro “A Arquitetura da Felicidade” (2006) emoldurando duas ou três cenas.

Tanto Alain Botton quanto Mark Webb destrincham o movimento romântico buscando mostrar a rotina que marca os relacionamentos no exato momento em que uma pessoa entra neles. Há, claro, uma pequena parcela que faz valer o “felizes para sempre”, porém a grande maioria (ainda mais em um mundo povoado por jovens emos que passam a vida cantando canções de pé na bunda) ainda está procurando algo que não conseguiu encontrar. Botton e Webb acertam no tom de tragicidade realista e fatalista de suas obras, embora façam questão de deixar claro que o mundo não acaba quando um relacionamento acaba: após o verão, vem o outono. A vida segue. Acredite, mas veja o filme.

*******

Leia também
– “Volume One”, She and Him, por Marcelo Costa (aqui)

Nenhum comentário: