Deputados e senadores pretendem retaliar o governo pelo questionamento que o Supremo vem fazendo à falta de transparência de emendas do relator e "emendas Pix". Confronto entre Poderes não é um problema; é parte do desenho da divisão de poder e exige que governo e Congresso entrem em algum acordo que funcione para ambas as partes. Essa é a lógica da política. Cada lado defende pautas que estão de acordo com seus interesses na busca do poder.
Na relação Executivo-Congresso, às vezes um e às vezes o outro defenderá aquilo que seria melhor à sociedade. E às vezes ocorre de um dos lados da disputa política defender algo que afronta diretamente os princípios básicos da nossa Constituição.
É um erro demonizar as emendas parlamentares. Há uma justificativa para sua existência: um deputado provavelmente sabe mais de necessidades locais de seu estado do que um gestor federal. Assim, é razoável que ele possa destinar algum recurso para projetos que ele sabe ser importante.
A questão é o "quanto" e o "como". Em 2024, o Orçamento federal contempla R$ 52 bilhões em emendas parlamentares. Num momento em que o Executivo está severamente limitado em seus gastos, os deputados nunca tiveram tantos recursos à sua disposição.
É bom que um deputado possa direcionar recursos para, por exemplo, tocar um projeto de educação em municípios de seu estado. Mas a sociedade tem o direito de saber que é ele quem patrocina essa iniciativa e qual o projeto que irá receber o dinheiro, para que possa também ser fiscalizado. Que isso seja encampado pelo Executivo nem vem ao caso; é uma demanda elementar de transparência.
É o caso agora: os deputados defendem uma prerrogativa sua que afronta os princípios básicos de transparência no uso de recursos públicos.
Não está claro como o governo se beneficia do combate ao orçamento secreto e suas derivações. Afinal, foram essas modalidades que deram mais liberdade ao Executivo para negociar apoio junto aos deputados, uma vez que as emendas individuais e de bancadas foram tornadas impositivas em 2015 e 2019.
Mais do que saber quem vence no cabo de guerra, é preciso ter um um plano para chegar num estado de coisas melhor. A cientista política Beatriz Rey traz uma proposta que sanaria esses desafios: manter apenas as emendas individuais e acabar com todas as outras. A emenda individual é a que permite a maior transparência e a maior responsabilidade: cada deputado é dono dos recursos que destina a suas localidades para determinados projetos. E se for identificado algum problema nesses projetos, já sabemos para onde olhar.
É o que ocorre nos EUA. Lá o equivalente às nossas emendas parlamentares são as "Congressionally Directed Spending Requests" ou "earmarks". Elas também são alvo de críticas e já chegaram a ser suspensas, mas hoje há um crescente entendimento de que têm seu papel legítimo.
A construção de uma sociedade livre passa por estar a todo momento reequilibrando os poderes, de modo que ninguém se sobreponha sobre os demais. Ao longo dos últimos governos, Congresso e Supremo vêm se tornando cada vez mais importantes. E quem saiu perdendo foi o Executivo, que se vê tolhido a todo momento pelo Judiciário e tendo que negociar o uso dos recursos junto aos parlamentares. Limitar as emendas é parte dessa agenda de reequilíbrio dos Poderes e, na medida em que traga mais transparência, será também um avanço de toda a sociedade.
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