Algumas mulheres descobrem que são bonitas na infância. Outras, na adolescência. Outras, na idade adulta. Outras descobrem só aos 70 anos. Algumas morrem sem descobrir. E, por incrível que pareça, tudo isso independe da aparência física.
É só olhar a sua volta. Há mulheres que estão fora do padrão de beleza fazendo selfies, mostrando o corpo, se achando o máximo. Outras, com biotipo de modelos, estão neuróticas com a balança, se escondendo atrás de filtros e roupas soltas, sempre infelizes com a aparência.
Não é nossa culpa: fomos criadas para odiar o nosso corpo. Para viver em conflito constante com o que temos de mais valioso. Mesmo quando somos elogiadas, somos criticadas. Metade das brasileiras já ouviu que é "bonita de rosto", uma forma sutil de desqualificar o corpo. A outra metade já ouviu que é "bonita de corpo", um jeito maldoso de chamar alguém de baranga —adjetivo que, obviamente, só existe no feminino.
Sempre fui "bonita de corpo" e já escutei, de alguns garotos, que eu era como um camarão. "Para comer é preciso tirar a cabeça." Como se eu pudesse ser fracionada. Infelizmente não sou um crustáceo e processei as mensagens tantas vezes recebidas. Durante muitos anos (quem sabe até hoje) tive e tenho dificuldade para gostar do que vejo no espelho. E isso se refletiu em tudo na minha vida.
Desqualificar uma mulher é dar um ponto com nó: quanto pior ela se sente, mais fácil será dominá-la. Há relações que se sustentam não no amor, nem no companheirismo, nem nas afinidades, mas na insegurança da mulher. Em uma vala cavada dia a dia com comentários depreciativos e piadinhas aparentemente inocentes.
Sentindo-se mal, a mulher fica com medo de largar o parceiro e não arrumar nada melhor. Como se precisássemos de alguém ao nosso lado, outra falácia criada pela sociedade patriarcal e monogâmica para nos aferrarmos amedrontadas a relações ruins, quando podemos ser muito mais felizes sozinhas do que mal acompanhadas. E isso só se quisermos, já que sempre haverá uma fila de pretendentes para quem consegue fazer o mais silencioso e monumental dos movimentos: amar a si.
E isso passa pelo corpo, parte indissociável do que somos, meio e trampolim para todas as nossas experiências. Quem ama o próprio corpo sapateia sobre o sistema de dominação porque liberta o objeto dominado. Não há parte vulnerável a ser atingida. Não há mais flanco a ser atacado.
À medida que se percebe a dimensão do corpo, esse veículo extraordinário capaz de tocar, respirar, cheirar, ver, degustar, ouvir, gozar, se transformar, transcender, a faceta estética se torna secundária. Mais vale a saúde do que o Ozempic.
Pense em um mundo em que todas as mulheres amam seus corpos. Quantas coisas não seriam aceitas por elas. Quantas potências não seriam elevadas. Quantas relações não morreriam e outras muito melhores nasceriam em seu lugar. E tudo o que precisamos para isso está aqui, dentro da nossa cabeça.
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