Brett Stephens
Fiz uma coluna sobre a Universidade Harvard e sua agora ex-reitora, Claudine Gay, assim que estourou a notícia de sua renúncia na terça-feira (2), depois de novas acusações de plágio recaírem sobre o seu trabalho.
Gostaria de registrar o que escrevi naquele momento: "A cultura do cancelamento é sempre vulgar e, geralmente, equivocada. Se Gay deve sair, que seja após mais deliberação, com mais decoro, e quando comentaristas como eu não estiverem escrevendo sobre ela".
O ponto pode ser irrelevante agora, mas a pergunta importante a ser feita a Harvard nunca foi se Gay deveria renunciar, mas por que ela foi contratada, após uma das nomeações mais velozes da história recente da universidade. Como alguém com uma bagagem acadêmica tão fraca quanto a dela —ela não escreveu nem sequer um livro, publicou só 11 artigos em revistas científicas nos últimos 26 anos e não fez contribuições seminais para a sua área— chegou ao apogeu da academia dos Estados Unidos?
A resposta, acredito, é a seguinte: o que costumava ser o ponto mais alto de uma carreira hoje é um buraco. Criou-se um modelo de justiça social na educação superior que, centrado em esforços de ampliar diversidade, equidade e inclusão nessas instituições —sobretudo no que se refere à parte administrativa delas— destruiu o modelo de excelência que vigorava antes, voltado para o ideal de mérito intelectual e preocupado sobretudo com questões como acúmulo de conhecimento, avanços em pesquisas e debates intelectuais livres e vigorosos.
Por que essa mudança aconteceu? Tenho visto argumentos de que ela remonta a uma decisão da Suprema Corte de 1978 que, conhecida como Bakke, deu luz verde às ações afirmativas visando a diversidade nas universidades.
Mas o problema não é que Bakke permitiu que a diversidade fosse um elemento a ser considerado nos processos de admissão dos estudantes. É que as universidades a transformaram em um pré-requisito, de modo que uma espécie de "compensação racial" agora permeia quase todos os aspectos da vida acadêmica, desde quem entra nelas até as nomeações de professores e a composição racial dos autores de coletâneas de ensaios.
Se as ações afirmativas tivessem sido integradas à vida acadêmica de maneira mais branda —mais como um incentivo do que como uma exigência—, elas talvez tivessem sobrevivido à análise da Suprema Corte no ano passado. Em vez disso, tornou-se um regime predominante que frequentemente atrapalhou os objetivos mais elevados das universidades, especialmente o livre intercâmbio de ideias.
Ao anunciar a nomeação de Gay, Harvard elogiou sua capacidade de liderança e sua pesquisa. O trabalho de um reitor envolve também ser um administrador, um arrecadador de fundos e um entusiasmado apoiador da instituição que representa, e talvez o lado corporativo da universidade tenha achado que ela seria boa nisso.
Mas a cor de sua pele foi a primeira coisa que o Harvard Crimson, o jornal estudantil, notou em sua reportagem sobre sua posse, e seus erros e as acusações acerca de seu trabalho acadêmico deram munição a detratores que alegavam que ela devia sua posição exclusivamente à sua raça.
Esta é a armadilha em que Harvard caiu. Sempre que se eleva alguém como Gay, há uma suposição, tanto por parte de seus admiradores quanto de seus críticos, de que aquela pessoa é um símbolo político cujo desempenho representa mais do que quem ela é individualmente.
O peso das expectativas sobre Gay deve ter sido esmagador. Mas a desumanização é o preço que qualquer instituição paga quando fatores de cunho social substituem aqueles de mérito individual.
Pode levar uma geração para que alguém como Gay tenha a oportunidade de ser julgada por seus próprios méritos, independentemente de sua cor. Mas o dano que o modelo de justiça social causou à educação superior levará mais tempo para ser reparado.
Em 2015, 57% dos americanos expressaram alta confiança nas universidades, de acordo com uma pesquisa da Gallup. No ano passado, esse número caiu para 36%, e isso foi antes da onda de casos de antissemitismo nos campi. Em Harvard, as inscrições para admissões antecipadas caíram 17 nos últimos meses.
A escola localizada perto de Boston, em Massachusetts, provavelmente se recuperará. Mas Harvard também dita o tom para o restante do ensino superior americano —e para as atitudes da sociedade em relação a ele.
Um dos segredos do sucesso dos EUA no pós-guerra não foi só a qualidade de suas universidades. Foi o respeito que elas conquistaram entre as pessoas comuns que aspiravam a enviar seus filhos para elas.
Esse respeito agora está sendo erodido ao ponto de terminar. Por boas razões. As pessoas admiram e se esforçam pela excelência, tanto em si mesma quanto pelo status que ela confere. Mas status sem excelência é um ativo rapidamente depreciado, especialmente quando vem com um preço exorbitante. Este é o lugar de grande parte da academia americana hoje —US$ 200 mil (R$ 985 mil na conversão atual) ou mais é demais para pagar por lições sobre como ser antirracista.
Ninguém deve duvidar de que ainda há muita excelência na academia atual e muitas boas razões para alguém enviar os filhos para a faculdade. Mas ninguém deve duvidar também que a decadência intelectual é generalizada e não vai parar de se espalhar até que as universidades voltem à ideia de que seu propósito central é identificar, nutrir e libertar as melhores mentes, não engenhar utopias sociais.
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