André Roncaglia
A reforma da tributação sobre o consumo foi uma conquista de 2023. A simplificação trará ganhos de eficiência, mas mexerá pouco na regressividade da estrutura tributária brasileira: a carga tributária sobre o consumo dos 10% mais pobres deve ficar em 48%, enquanto a dos mais ricos, em 16%.
Maior progressividade requer colocar os ricos no imposto de renda. Contudo, as eleições municipais neste ano e a fadiga das reformas de 2023 adiarão o confronto para 2025. Afinal, este tema anima os mais primitivos instintos nas nossas oligarquias.
As razões aparecem no Relatório da Distribuição Pessoal da Renda e da Riqueza da População Brasileira com base nos dados do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) de 2022, organizado pela SPE-MF (Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda).
Metade da renda total declarada em 2022 ficou com os 10% mais ricos, enquanto a metade mais pobre dos declarantes respondeu por meros 15% da renda total. O 1% mais rico amealhou 24% da renda total. O estrato mais rico (0,1%) ficou com metade da renda do topo (e 12% da renda total declarada).
A concentração de riqueza é ainda pior. Em um país igualitário, o 1% mais rico da sociedade deteria 1% da riqueza total; no Brasil de 2022, este grupo acumulou 32,2%. A maior parte dos declarantes (90%) não tem riqueza para amortecer variações na renda. Poupar é um luxo para poucos no Brasil!
No recorte de gênero, as mulheres respondem por 40% da renda total declarada até 15 salários mínimos mensais, mas cai para 13,1% na faixa de 320 salários mínimos. A fragilidade patrimonial fica escancarada: as mulheres detêm apenas 29% da riqueza total declarada, com valor patrimonial médio 46% menor do que o dos homens.
Ao contrário dos países desenvolvidos, nosso sistema tributário aumenta as desigualdades. A maioria dos declarantes paga imposto sobre R$ 7 em cada R$ 10 de renda. Lá no topo, a situação se inverte: R$ 7 em cada R$ 10 da renda dos super-ricos (0,1% da população) são, pela lei, isentos de tributação. Isenções e deduções da base de cálculo do imposto devido reduzem a alíquota efetiva paga pelos mais ricos.
A categoria "rendimentos isentos" revela a anatomia da injustiça tributária: 36% são lucros e dividendos —que somaram R$ 556 bilhões em 2021, segundo reportagem da Folha— enquanto doações e heranças representam 8,1% do total isento.
Quanto às deduções do base tributável, quase R$ 4 em cada R$ 10 se devem a despesas médicas no setor privado: o 1% mais rico concentrou 23% de todo o montante deduzido para esta finalidade.
Vale também destacar o crescimento da dedução por livro caixa. Trabalhadores autônomos, leiloeiros e titulares de cartórios podem descontar da base tributável os gastos com funcionários e com aluguel de sala comercial ou contas de água e luz. Aqui também os 10% mais ricos concentram 84,7% destas deduções, sugerindo o aumento do trabalho autônomo no topo e acúmulo de benefícios tributários.
Após isenções e descontos, a alíquota efetiva do IRPF em 2022 paga pelo 1% mais rico foi de 4,2%. Os ultra-ricos (0,01%) pagaram reles 1,76% sobre sua renda mensal milionária, a mesma alíquota paga pelos pobres na mediana da população declarante.
Limitar estas deduções e isenções, numa futura reforma, dará maior progressividade ao IRPF, mitigará as desigualdades de gênero e trará equilíbrio fiscal. A título de ilustração, uma alíquota uniforme de 6% sobre o R$ 1,7 trilhão de rendimentos isentos (em 2022) praticamente zeraria o déficit esperado em 2024 (R$ 100 bilhões).
Os ricos podem pagar pelo ajuste fiscal que tanto cobram do governo federal.
Como se vê, a irresponsabilidade fiscal é filha da injustiça tributária.
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