Abrir a torneira e receber água limpa pode ser algo trivial para muitos, mas não para dona Lúcia de Fátima Fragoso de Souza, 61, moradora de Teixeira (307 km da capital), município do semiárido da Paraíba.
Ela e outros 37,5 mil moradores de quatro localidades da região da Serra do Teixeira estão sem água encanada há mais de seis meses.
As torneiras secaram depois que a Cagepa, concessionária que abastece o estado, anunciou um "colapso hídrico" devido à longa estiagem e interrompeu o fornecimento em novembro.
"A situação é muito precária. Quando chove eu encho tudo o que é vasilha. Não tenho condição de comprar [água] dia sim, dia não", conta a agricultora aposentada que cuida da mãe cadeirante.
O cenário não é novidade. Todos os anos, no período de estiagem, os reservatórios secam e as prefeituras de oito municípios região recorrem a carros-pipa para abastecer suas casas.
Uma solução definitiva para o drama da seca na Serra do Teixeira viria com a Adutora do Pajeú, obra do Governo Federal em execução desde 2014 para garantir o abastecimento regular de água em 32 cidades e lugarejos na Paraíba e em Pernambuco.
Oito anos após seu início, a obra orçada em R$ 547 milhões ainda não está concluída e a obra segue a passos lentos.
Segundo o DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), autarquia vinculada ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional responsável pelo andamento do projeto, a conclusão será até dezembro.
No entanto, não houve avanços em quatro meses, conforme último relatório mensal de acompanhamento de obras, o DNOCS informou que o percentual de conclusão do projeto em novembro de 2022 era de 70,12%. Em março deste ano, o estágio era de 70,63%.
A gente fica rezando, esperando que um dia chegue essa água do Rio São Francisco
A obra da adutora do Pajeú inclui estações de bombeamento, reservatórios e tubulações, atingindo 596 quilômetros entre os estados de Pernambuco e Paraíba, e pertencente ao Eixo Leste do PISF (Projeto de Integração do Rio São Francisco).
A previsão otimista da pasta para conclusão da obra contrasta com a situação crítica vida pelas famílias da região.
Com as torneiras secas, moradores afirmam que a água que recebem por meio de caminhões-pipa não é adequada para o consumo.
"Pra beber ela não presta. Nem serve nem cozinhar", afirma a agricultora Maria Sueli, 51, também moradora de Teixeira. "A água é de um açude aqui da cidade e quando chove as galerias vão pra dentro.
Além de salobra, dona Lúcia sente o impacto da falta d´água no bolso. "Se a pessoa for beber ela adoece", diz ela, que gasta gasta R$ 7 em cada galão de 20 litros de água mineral no mercadinho, suficiente apenas para dois ou três dias.
A conta é salgada também para o caixa das prefeituras, que reconhecem a precariedade do fornecimento emergencial.
"Temos 14 carros-pipa, sendo que quatro são do governo do estado. Cada um custa de R$ 6 mil a R$ 9 mil por mês. A gente tem que deixar suprir alguma outra necessidade pra colocar [recursos] para a água", afirma o prefeito de Desterro, Valtercio Almeira (Republicanos).
Em Matureia, município vizinho, a Defesa Civil municipal informou que a população está sem água regular desde julho do ano passado.
"Enquanto não chega a conclusão da Adutora do Pajeú, nosso povo padece. Creches, posto de saúde, cadeia, cemitério… Ou seja, onde for necessário usar água depende exclusivamente desses cinco carros pipa", diz Erik Costa, diretor da Defesa Civil local.
O secretário de finanças de Teixeira, Renato Marques, alerta para a situação dos mais pobres. "A população carente, que é a grande maioria, nem sequer tem onde armazenar essa água. Eles não têm caixas ou tanques."
As prefeituras de Teixeira, Matureia e Desterro afirmaram que disponibilizam mil litros por semana para cada família, mas admitiram que nem todas possuem caixas d'água. Moradores apelam para bacias e vasilhas para armazenando.
Diante da limitação do poder público, ONGs têm tentado amenizar o sofrimento da população com ações emergenciais.
O Cepfs (Centro de Educação Popular e Formação Social), finalista do Prêmio Empreendedor Social 2011, arrecadou doações para a construção de 30 cisternas para famílias das zonas rurais da região.
"Carregava água para beber de uma distância de quase 2 quilômetros. Agora tenho onde armazenar água da chuva", lembra José Valdean, morador de Imaculada, beneficiado com um dos poços.
José Dias, coordenador do Cepfs, afirma que, apesar do sucesso na ação de socorro emergencial, a responsabilidade pelo fornecimento de água é do Estado. Para ele, a obra da Adutora do Pajeú já deveria estar finalizada.
"A gente sabe que não tem capilaridade para atender às grandes demandas da sociedade. A nossa luta é para viabilizar políticas públicas que possam atender com mais eficiência as necessidades."
No Dia Mundial da Água, celebrado em 22 de março, moradores da região fizeram um protesto cobrando a conclusão das obras. "Meu sonho é essa adutora vir. Que esse sonho seja realizado não só pra mim, mas pra todos daqui", diz Terezinha Fragoso, moradora de Teixeira, sobre expectativa de ter abastecimento regular de água o Ano Novo, conforme promessa do governo.
Outro lado
Em nota, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional e o DNOCS informaram que as oito cidades de Serra do Teixeira estão contempladas na segunda fase, da segunda etapa da Adutora do Pajeú,.
Segundo o comunicado, sete municípios, seis em Pernambuco e um na Paraíba, já são atendidos pela adutora após a conclusão da Etapa I, em 2014, e da primeira fase da Etapa II, em 2020.
A Cagepa, concessionária responsável pelo abastecimento de água na região, confirmou que as cidades de Teixeira, Cacimbas, Desterro e Matureia enfrentam estado de "colapso".
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