Os posts alusivos ao Dia das Mães se dividiram entre buquês de flores e palavras açucaradas, denúncias sobre as condições desumanas a que estão submetidas mulheres e seus filhos e memes impagáveis sobre o tema. Flores e palavras doces são tão verdadeiros e bem-vindos quanto as denúncias e as piadas. De fato, a coisa só funciona se conseguirmos encarar que se trata da combinação desses fatores.
A maternidade é dessas experiências que te exigem não menos que tudo: empenho físico, mental e emocional sem direito a férias —muito menos remuneração. Trata-se de projeto que visa o tempo além de nossa existência. Carrega nosso nome para sempre e deixa marcas que serão repisadas justa e injustamente em infindáveis conversas com amigos, irmãos, filhos e analistas. O lado maravilhoso existe e não deveria ser negado, só não é o único.
Rousseau foi arauto principal do modelo de sofrência da maternidade compulsória. Ele serviu de inspiração para todas as gerações que o sucederam e para a psicanálise, em especial desde o início do século 20. A psicanálise não se furtou a elevar a maternidade aos píncaros da idealização. Menos por considerar as mães infalíveis —seus defeitos foram contados em verso e prosa psicanalítica— mas por outras razões. Pela centralidade que deu à maternidade no cuidado com os filhos e pelo nível de expectativa que fez pairar sobre seu papel. Algo que poderia ser resumido ao paradoxo: as mães são tudo para o psiquismo, mas nunca estão à altura dessa função.
Não faltou aviso sobre os equívocos de reduzir a mulher à mãe ou idealizar a última. Em 1911 a médica e psicanalista Margarete Hilferding já denunciava a balela do instinto materno.
Mulheres que não desejam ter filhos, que os tiveram e se arrependeram e todas as outras que descobrem no dia a dia como o amor por eles é uma árdua construção estão aí para provar que ela estava certa.
Para começar, mães não são tudo na constituição subjetiva e na formação das crianças. Em segundo, somos o que somos bem antes de nos tornamos mães. Ninguém vira "pokémon evoluído" por parir ou adotar. No máximo lutamos para parecer maduras o suficiente para que os filhos acreditem em nós, enquanto aprendemos como cuidar deles. Quando a tentativa é exitosa, chegamos a acreditar que fomos talhadas para o papel de adultas. Mas nem sempre, nem o tempo todo.
Sobre a mãe não ser tudo, há uma questão que não pode ser ignorada. Metade das mães no Brasil é solo, ou seja, se tornaram "tudo" pela força da situação de falta de opção de ter com quem dividir a imensa responsabilidade. Uma vez que a reprodução humana ainda precisa de dois, a ausência de algum outro responsável pela existência das crianças é, para dizer o mínimo, sintomática.
O tempo das mães pensadas como grupo homogêneo de uma experiência homogênea tem seus dias contados. E não se trata de acreditar que nosso modelo de maternidade tenha se tornado insustentável recentemente. De fato, ele nunca foi grande coisa, passando a execrável com a industrialização. De lá para cá foi só ladeira abaixo.
Há algumas razões para que possamos falar hoje do elefante que está na sala há séculos. Entre elas diria que os fios que puxam nossa culpa rousseauniana se esgarçam cada vez mais, outra diz respeito ao posicionamento das mulheres, em especial das mulheres negras. Os expoentes dessa geração têm denunciado o lugar da maternidade negra, a mais explorada e vulnerabilizada de nossa sociedade. Dando voz a si mesmas, acabam escancarando todo o imaginário maternal que está com seus dias contados.
Feliz Dia das Mães com mimos, algum deboche, mas não sem luta.
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