quarta-feira, 3 de maio de 2023

Ex-prefeito nos EUA morre como sem-teto em sua própria cidade, FSP NYT

 Mike Baker

BEND (OREGON) | THE NEW YORK TIMES

Craig Coyner, membro de uma das famílias mais proeminentes de Bend, no estado de Oregon, costa oeste dos Estados Unidos, teve uma carreira elogiada como promotor, advogado de defesa e depois prefeito. Como chefe do Executivo, ajudou a colocar a cidade na lista das que mais cresciam no país.

Mas, aos 75 anos, estava em uma cama num abrigo na Second Street. Havia perdido sua casa para uma dívida hipotecária e tinha os dedos dos pés corroídos por congelamento e pertences limitados a uma banheira de roupas esfarrapadas e livros.

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Centro de Bend, em Oregon; cidade se transformou à medida que sua população aumentou nas últimas décadas - Joe Kline - 21.mar.23/NYT

Coyner foi puxado pelo redemoinho de problemas que atingiu muitas cidades prósperas do oeste: doença mental não tratada, vício generalizado, custos crescentes de moradia e um senso de comunidade cada vez menor. Depois de uma vida como pilar do civismo em Bend, Coyner chegou a um ponto de miséria quase total, cercado pela prosperidade que ajudou a criar.

Outrora uma pequena cidade madeireira, Bend passou por uma transformação impressionante nas últimas décadas, quando pessoas endinheiradas descobriram o local. Os custos, porém, sobrecarregaram os orçamentos das enfermeiras, professores e policiais de Bend, e a falta de moradia disparou na cidade de 100 mil habitantes, assim como nas cidades maiores da costa oeste. O abrigo onde Coyner finalmente encontrou refúgio estava lotado há meses.

O ex-prefeito nasceu em uma família comprometida com o dever cívico.

No início do século 20, seu bisavô era prefeito de Bend, no centro do Oregon, onde madeireiras estavam explorando florestas. Em pouco tempo, uma comunidade conhecida como um lugar para vadear o rio se tornou uma escala importante numa rede ferroviária crescente. Algumas das maiores usinas de pinho do mundo processavam toras tão grandes que algumas precisavam primeiro ser divididas com a ajuda de uma dinamite.

Em meados da década de 1970, depois de ser convocado para o serviço nos fuzileiros navais, casar-se com sua namorada da faculdade e se formar em direito em Portland, Coyner voltou para Bend, seguindo seu pai numa carreira como advogado e se estabelecendo numa modesta casa térrea, comprada por US$ 25.500.

O casal teve duas filhas, mas se separou alguns anos depois. Em 1981, Coyner ingressou na Câmara Municipal. Ele se casou com Patty Davis, que trabalhava vendendo anúncios de rádio na cidade e, como sua ex-mulher também se casou novamente, ele parou de se relacionar com as filhas.

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Catherine Emick exibe algumas das poucas fotografias que ela tem com o pai, Craig Coyner, na casa dela em Bend, Oregon - Joe Kline - 14.mar.23/NYT

Em 1984, tornou-se prefeito.

Foi uma época de agitação na cidade: a recessão global destruiu a indústria madeireira, enquanto moradores temiam que a comunidade estivesse se tornando uma cidade fantasma e pessoas sem-teto se reuniam ao longo da ferrovia que ajudou a estabelecer Bend como a capital madeireira. Coyner trabalhou para arrecadar fundos para eles, às vezes indo pessoalmente até os trilhos para distribuir roupas doadas e lanches de US$ 0,19. Suas conexões ajudaram as pessoas a encontrar lugares baratos para morar, numa época em que quartos podiam ser alugados por apenas US$ 75 ao mês.

Coyner viu nisso um momento de transição da economia de Bend, que passaria a aproveitar de novas maneiras a beleza natural ao redor, recebendo visitantes que desejavam esquiar, fazer trilhas, acampar e andar de bicicleta. Ele e outros vereadores começaram a traçar planos para expandir o sistema de esgoto e melhorar a capacidade das estradas.

Algumas pessoas desconfiavam de mudanças tão rápidas e, em 1992, Coyner foi destituído da Câmara Municipal por rivais que buscavam conter o crescimento. Não funcionou: na década seguinte, a população do condado cresceu mais rápido do que em qualquer outro lugar do estado.

Coyner voltou a trabalhar como advogado de defesa e regularmente lembrava aos colegas mais jovens a importância de continuar lutando pelos menos afortunados. Ele sempre foi um advogado gentil e inteligente, que se dava bem com juízes e clientes, disse Tom Crabtree, chefe de gabinete do então defensor público. Nos últimos anos, porém, Crabtree observou como a natureza amável de Coyner começou a se tornar cáustica.

Certo dia, quando um juiz o retirou de um caso, a explosão surpreendente do advogado no tribunal levou Crabtree a decidir que era hora de demitir Coyner, que reagiu com uma ameaça de morte, segundo ele.

O problema na verdade era um transtorno bipolar inicial, disse Coyner, agravado pela bebida alcoólica.

No dia seguinte ao Dia de Ação de Graças de 2003, alguns anos depois de perder o emprego, Coyner foi preso, acusado de danificar o carro de uma mulher e resistir à ordem de um policial. A associação de advogados estadual suspendeu sua licença em resposta a reclamações de que ele negligenciava os deveres com seus clientes.

Então, em 2008, veio o pior golpe de todos: sua mulher, Patty, morreu após uma doença. Outras pessoas já haviam se afastado –não apenas suas filhas, mas também sua irmã, que começou a se distanciar quando telefonemas bêbados durante a madrugada se tornaram abusivos.

Dois encontros com a polícia o levaram a ser brevemente internado em tratamento psiquiátrico, e ele lutou para pôr sua vida de volta nos trilhos —conseguiu, algum tempo depois, encontrar uma conexão com uma nova amiga, Cheraphina Edwards, que foi morar com Coyner para servir como cuidadora. Mas ele estava atrasado com a hipoteca e sem emprego, e então o banco iniciou um processo de execução hipotecária em 2012.

O advogado havia trabalhado em anos anteriores para ajudar outras pessoas que enfrentavam a execução de hipotecas e resistiu veementemente a seu próprio destino. Ainda assim, em 2017, a polícia estava avaliando despejá-lo.

Coyner e Edwards encontraram poucas opções de vida quando finalmente foram despejados. Os aluguéis haviam subido 40% em cinco anos. Muitas pessoas que viveram na cidade a vida inteira não podiam mais morar lá.

Por um tempo, eles dormiram no sofá de um amigo. Passaram outras noites dormindo num caminhão, estacionado na mata ao lado de um campo de golfe. Mais tarde, ouviram falar de uma cabana abandonada na comunidade vizinha de La Pine, e foram até lá para descobrir que mais parecia um depósito. As coisas não estavam indo muito bem entre os dois quando, na primavera de 2022, ele saiu da cabana e voltou a andar sozinho.

A essa altura, a pandemia de coronavírus havia aumentado a conscientização sobre a atraente vida de cidade pequena que Bend oferecia, e trabalhadores remotos com salários lucrativos estavam comprando terrenos. O preço médio das casas saltou para quase US$ 800 mil, com imóveis muitas vezes comprados à vista.

Coyner então passou a acampar numa barraca ao longo da Parkway, estrada que ajudou a construir para preparar Bend para o crescimento que os líderes da cidade previam. Às vezes, ele se estabelecia na propriedade de um grupo que atendia idosos sem-teto –organização da qual já havia sido membro do conselho. Em outros momentos, se aventurava perto de Coyner Trail, uma trilha para caminhada que leva o nome de sua família por causa de tudo o que fizeram pela cidade.

No outono passado, enquanto as temperaturas noturnas caíam abaixo de zero, Frankie Smalley, um amigo sem-teto, caminhou pela cidade para localizar Coyner e se deparou com uma barraca amarela perto de um Walmart. "Ei, Craig, você está aí?", ele gritou.

Ouviu uma voz lá dentro e puxou a aba da barraca. Lá dentro, os sapatos de Coyner estavam encharcados, e seus pés tão queimados pelo gelo que ele mancou de dor quando tentou se levantar. Quando se recusou a ir para um abrigo, Smalley contatou Edwards e ela chamou a polícia para pedir ajuda.

No hospital, foi tratado por congelamento, mas logo recebeu alta para o novo abrigo de baixo custo da cidade. O acidente danificou tanto os dedos dos pés de Coyner que ele teve que voltar ao hospital no final de janeiro para uma amputação, que teve complicações. Após a cirurgia, ele sofreu um derrame que o deixou incapaz de falar.

Dias depois, em 14 de fevereiro, Coyner morreu.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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