O pronunciamento do presidente parecia anunciar uma grande mudança: "a faixa de isenção do Imposto de Renda havia oito anos estava congelada em R$ 1.903. A partir de agora, o valor até R$ 2.640 não pagará nem mais um centavo de Imposto de Renda".
Sim. Mas antes quem recebia R$ 2.379 também não pagava —o que era deduzido na fonte voltava no ano seguinte.
Se não houvesse correção alguma na tabela, quem tem salário de R$ 2.640 pagaria, no final, uns R$ 15 por mês de Imposto de Renda (fazendo a declaração simplificada). Algo como 0,6% do ganho mensal.
A questão sobre tributação da renda do trabalho é bem maior que isso e muito importante.
Em primeiro lugar, a contribuição previdenciária é muito maior que o Imposto de Renda para quem ganha entre 1 e 5 salários mínimos. O funcionário paga entre 7,5% e 14% do seu salário e o empregador paga 20% —com algumas exceções, como sempre. Por exemplo, empregadores domésticos pagam 8%.
A contribuição do empregador pode parecer menos importante, mas não é. Não importa muito se o imposto é recolhido por quem paga ou por quem recebe o salário. Se o imposto sobre o empregador é mais alto, o salário que ele topa pagar para um funcionário é menor. Então boa parte do imposto acaba, de qualquer forma, afetando quanto o trabalhador recebe.
Assim, o total de contribuições previdenciárias custa uns 30% do salário (e pouco mais da metade disso para empregados domésticos). Por outro lado, o Imposto de Renda para quem ganha R$ 4.000 por mês é algo como 3% do salário.
Em segundo lugar, não é óbvio quanto queremos taxar as pessoas em cada faixa de renda.
Se a tabela do Imposto de Renda tivesse sido reajustada pela inflação nos últimos anos, quem ganha R$ 3.000 ou R$ 4.000 não pagaria Imposto de Renda. Pessoas nessa faixa de renda estão entre os 20% maiores salários do Brasil. Faz sentido que elas paguem um pouco de Imposto de Renda?
A questão é interessante, mas o Imposto de Renda é uma pequena parte dos impostos sobre o trabalho. Não faz sentido considerá-lo isoladamente.
Por fim, o que está em jogo não é apenas uma questão distributiva. As regras tributárias, além de definir quanto cada um paga, afetam os empregos criados e o que é produzido na economia.
Isso é particularmente importante em países como o Brasil, onde muitas pessoas trabalham sem carteira assinada –ou no setor informal, ou como pessoas jurídicas, emitindo notas fiscais como se fossem empresas.
O objetivo da informalidade é fugir da tributação. Se as alíquotas fossem reduzidas, os incentivos para trabalhar como pessoa jurídica seriam menores. Mais gente pagaria os impostos. O aumento da base tributária compensaria parte da queda das alíquotas.
Além disso, empresas que não empregam sem carteira assinada estariam em melhores condições de competir no mercado de trabalho e contratariam mais. Os empregos criados seriam diferentes.
Não é claro, porém, o tamanho desse efeito. E as mudanças não aconteceriam rapidamente. Muitos dos ganhos entrariam no orçamento do próximo presidente.
As guerras de narrativas nas redes sociais discutem os números da tabela do IR como se houvesse uma briga entre o bem e o mal. É difícil progredir desse jeito, mas não parece que sairemos dessa logo. Assim caminha a sociedade, com passos de formiga, sem vontade.
Regras de tributação da renda têm grandes impactos na informalidade, nos empregos e na distribuição de recursos. É um tema difícil, mas importante, e há espaço para melhora.
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