Em fevereiro, ao comentar neste espaço o escândalo das apostas e manipulações no futebol, lembrei o tempo em que o goleiro Manga, após uma acusação sem provas do bicheiro Castor de Andrade, pulou o muro do Botafogo com João Saldanha atrás dele dando tiros para o alto. Uma cena de chanchada da Atlântida. Hoje vivemos um filme de gângsteres.
Apesar de aquela ser uma época ingênua —na qual nem se imaginava que seria possível planejar, em mensagens de zap, a cobrança de um pênalti para fora—, nas arquibancadas sempre existiu um clima de desconfiança. A cada lance duvidoso, as torcidas denunciavam a possibilidade da combinação aos gritos de "É marmelada!".
Os árbitros —que até o momento não foram flagrados em conluio com as quadrilhas de apostadores— eram o principal alvo das conjecturas. Protagonistas atuais, os jogadores eram mais ou menos poupados da suspeição, talvez por sua identificação com as cores do clube que defendiam ao longo de quase toda a carreira. Em campo, a malandragem era feita de lances inacreditáveis —o atacante Dé Aranha usando uma pedra de gelo para desviar a trajetória da bola e enganar o zagueiro.
É flagrante que, na medula do esquema, sobrevive o jeitinho, a lei de levar vantagem e dinheiro em tudo, a mania de não considerar grave o que seriam pequenas infrações. Nas mensagens não há ofertas categóricas de jogar para perder; "apenas" de forçar um cartão amarelo, ceder um escanteio, cometer um pênalti, como se isso não tivesse importância. A maneira fútil de aliciar mostra por que a fraude deu tão certo por aqui.
Além do jeitinho, houve o jeitão brasileiro. O cenário que põe em risco a credibilidade do futebol era previsível com a legalização dos sites de apostas no governo Temer e a multiplicação deles no de Bolsonaro. Um mercado que estranhamente se estabeleceu operando fora do país, sem regulamentação e sem pagamento de impostos.
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