Para o adolescente a ideia de se sustentar pode parecer tão remota quanto o pico do Everest visto ao nível do mar. Sustentar aponta para dois sentidos: bancar as contas e bancar suas próprias escolhas.
Quanto à escolha profissional, me refiro aos jovens que têm o privilégio de poder escolher, num país em que o índice de desemprego chega a 27% na faixa dos 18 e 24 anos.
Os que podem se perguntam como saberão se aos 40 ainda estarão a fim do que escolheram aos 16. Ou ainda, o que escolher quando glamour e mídia —ideais vendidos nas redes sociais— parecem ser a única possibilidade de carreira de valor? Ou quando se imagina que trabalhar no que se gosta seja sinônimo de sentir-se eternamente em férias.
Do outro lado dessa história, temos adultos em análise vivendo uma profunda crise quanto à escolha profissional que fizeram na adolescência.
Carreiras bem-sucedidas e bem remuneradas não vêm necessariamente acompanhadas de satisfação pessoal.
Anos de faculdade, estágio, empregos ou empreendedorismo podem desembocar na difícil constatação de que “não era bem isso que eu queria” ou “deixei de querer isso”.
Estabilidade econômica e expectativas sociais não são fáceis de descartar. Você pode depender disso para viver e ainda ter outros que dependam de você. Pode temer deixar de ser admirado se
mudar de carreira.
Alguns acabam aproveitando da condição familiar para se furtarem à decisão profissional
seja porque têm outra fonte de renda, seja porque o companheiro/companheira banca a casa. Não sem frustração e culpa, por vezes descarregada naqueles que os sustentam.
Um jeito recorrente de “lidar” com essa situação, qual seja, ganhar dinheiro e ter reconhecimento social fazendo o que não gosta de fazer, é, obviamente, adoecer. Deprimir, por exemplo, quando a profissão vai bem, é uma saída desesperada, que cria a oportunidade, nem sempre aproveitada, de parar e repensar as escolhas.
“Não trabalho porque estou deprimido” ou “estou deprimido porque não trabalho” podem dar lugar ao surpreendente “estou deprimido porque não consigo bancar que não quero fazer isso que
acho que devo fazer”.
Muitas outras expressões de sofrimento aparecem no cardápio da tentativa do sujeito de ouvir seu desejo.
Nessa reavaliação das escolhas é comum o paciente constatar que em algum momento da adolescência refugou diante do próprio desejo. O gosto por literatura deu lugar à carreira administrativa, o amor pela docência se tornou advocacia, e a vocação para medicina submergiu aos negócios familiares.
O que se escolhe, quando não se escolhe o desejo próprio? Escolhe-se satisfazer o suposto desejo dos outros. Escolhe-se a fantasia onipotente de, primeiro, saber o que o outro deseja —triste notícia, nem ele sabe— e, segundo, ser capaz de dar-lhe isso.
Um homem se queixa de que, ao realizar o “sonho do pai” de se tornar engenheiro, percebe, inesperadamente, raiva e frustração no pai. Afinal, foi o filho que se tornou engenheiro, não ele.
Uma senhora diz que ao encerrar uma carreira que ela só suportava à base de antidepressivo, suposta realização do desejo dos pais, viu a mãe largar um casamento torturante de décadas. “Ainda dá tempo”, teria dito a mãe diante da emancipação da filha.
Quem pensa que adolescência é uma festa ou teve amnésia ou não chegou na idade adulta. Ainda que difícil, bancar o próprio desejo o quanto antes, sem muita idealização e sem jogar na conta dos
outros, é mais promissor.
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