sábado, 24 de setembro de 2022

ornalismo, quando se presta a ser secos e molhados, só fracassa, FSP

 Bruno Cavalcanti

SÃO PAULO

Li com interesse a réplica que Maitê Proença escreveu em resposta à reportagem que fiz para este jornal sobre a estreia de sua peça, "O Pior de Mim", em São Paulo, porque, enquanto jornalista, pensei ter errado absurdamente a mão na abordagem do texto.

Maitê Proença em cena em 'O Pior de Mim'
Maitê Proença em cena em 'O Pior de Mim' - Divulgação

E, de fato, há um erro. O subtítulo traz um equívoco pelo qual me desculpo. Não, a peça não foi inspirada pelas acusações de lesbofobia. Dito isso, este texto não é um ataque a Proença. Mas também não é um mea culpa.

Ele nasce do fato de eu ter iniciado minha carreira no jornalismo digital, primeiro redator, depois como pauteiro, editor, colunista, enfim, desempenhando com seriedade, respeito e muita noção mercadológica um ofício que carrega em si uma responsabilidade absurda. Acontece que o caráter crítico do jornalismo parece definhar no meio digital.

Portais, sites e perfis nas redes sociais surgiram na última década com o intuito de fazer o que acreditam ser uma cobertura do cenário cultural, com agendas, críticas excessiva e exclusivamente elogiosas e a publicação de releases que alguns desavisados chamam de reportagens. No teatro, o mal é comum.

Sinto que a réplica de Proença surge infectada por essa visão de um jornalismo bondoso que surge da deturpação do que se acostumou a chamar de "crítica cúmplice" exercida por Décio de Almeida Prado.

O conceito é bonito, embora exaustivamente desconstruído por Bárbara Heliodora e Paulo Francis. Que a atriz não tenha gostado da reportagem, eu entendo, aceito e vejo como parte do jogo justo da comunicação. Mas daí acusar maldade e sensacionalismo é puro exagero.

A reportagem traz um apanhado de tudo o que a artista já disse em outras oportunidades. E nada mais. Nunca cravei seu apoio a Bolsonaro, por exemplo. Ao contrário, ali há espaço para que ela desminta essa informação que não passa de uma falácia das redes sociais. E, já que o assunto é política, esse não foi um tópico tratado de raspão, como diz a artista.

Ele apareceu na entrevista e depois foi ressuscitado quando Proença pediu que me fosse encaminhada uma mensagem que reforçava, dado o apoio de Marina Silva à campanha de Lula, a ideia de que seu voto seria contra a reeleição de Bolsonaro. Perguntei se esse era um apoio ao petista. A resposta foi sim.

Agora, no campo pessoal, nada do que está na reportagem é uma revelação à sua revelia. Ao contrário, tudo já havia sido declarado, publicado, descoberto. O que fiz foi incluir as informações de conhecimento público. Isso é jornalismo, e de jornalismo se pode gostar ou não. É um direito adquirido, assim como a réplica. De novo, jogo limpo.

Mas o problema aqui não é a atriz não aprovar a reportagem, mas o fato de, dada a sua réplica, a impressão de que ela gostaria mesmo era que publicássemos uma nota publicitária. E o problema mora justamente aí, quando artistas acreditam que o jornalismo cultural, diferente do jornalismo como um todo, é a favor da situação, como se isso fosse algo bom.

A decrepitude deste jornalismo no mercado vem daí. Do fato de acharem que só se deve copiar e colar releases, que qualquer comentário positivo no Instagram é uma crítica e qualquer arte feita de qualquer jeito e publicada no Facebook é uma indicação a um prêmio. E assim por diante.

A réplica surge infectada deste movimento digital de pessoas que não só não são, em sua maioria, jornalistas, mas sim figuras que não querem perder a chance de ganhar um par de ingressos para assistir à peça da atriz num sábado à noite e depois tirar uma foto para angariar alguns "likes" e poder dizer por aí que conhece gente famosa.

É provável que Maitê não me conceda outra entrevista. E é seu direito, esse ainda é o jogo dentro das quatro linhas. Mas se é esse amontoado de secos e molhados o jornalismo sério que tanto ela quanto outros colegas buscam, o problema não está na reportagem, mas no mau costume da classe artística que chama de sensacionalismo o jornalismo que não evita temas espinhosos e verdades inconvenientes que, de novo, não fui eu a revelar.

Parece puro mimo de uma classe que quer louros porque fazer teatro é difícil. E, sim, é muito difícil! Saúdo o sucesso de "O Pior de Mim" em São Paulo, e que faça mais. Merda para vocês todos! Mas jornalismo não é serviço social e, quando se presta a ser, perdemos todos porque acreditamos que a vida é cor-de-rosa, mas ela é "Crime e Castigo".

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