Tem-se dado pouca atenção à saga vexaminosa do porta-aviões São Paulo, proibido de ancorar em portos estrangeiros.
Mas isso traz à mente uma canção de mais de meio século atrás, inicialmente também proibida, de Juca Chaves: "Brasil já vai a guerra/ Comprou um porta-aviões/Um viva pra Inglaterra/ De oitenta e dois bilhões/ Mas que ladrões". Foi em 1960, quando entrou em operação o Minas Gerais, primeiro no país. A gravação só foi liberada pela censura um ano depois.
Misto de músico, crítico e humorista, o compositor divertia seu público com sátiras, geralmente sobre circunstâncias nacionais. O porta-aviões, considerado obsoleto pelos britânicos após a Segunda Guerra, tinha sido vendido assim mesmo ao Brasil, passou alguns anos de retrofit em um estaleiro e finalmente aqui aportou para gáudio geral: "Comenta o Zé Povinho/ Governo varonil/ Coitado, coitadinho/ Do Banco do Brasil/ Quase faliu". Juca marcava em cima.
A questão por trás da sátira partia naquela época, como hoje, de leigos em assuntos militares, porém militantes do senso comum: o porquê daquele colosso de segunda mão num país às voltas com fome endêmica e precariedade de capital para investimento em infraestrutura vital.
Uma resposta técnica indicaria a necessidade de exercícios navais e treinamento para uma eventualidade bélica. Uma ponderação pragmática poderia contrapor a carência maior de naves menores, capazes de proteger o litoral ou assegurar a soberania da Amazônia. A realidade mostrou que, em suas mais de cinco décadas de funcionamento, o único conflito a que assistiu o Minas Gerais foi interno: "É meu, diz a Marinha / É meu, diz a Aviação/ Revolução!". Juca, sempre preciso.
Finalmente vendido para desmanche como ferro-velho, o porta-aviões foi substituído pelo São Paulo, comprado dos franceses e aqui glorificado como a maior belonave do hemisfério Sul. Após três anos do sonhado funcionamento, um pesadelo continuado: incêndio no sistema de vapor com vítimas fatais, retorno ao estaleiro por cinco anos, novo incêndio na eletricidade com vítimas e o diagnóstico final de "maior fiasco da Marinha brasileira".
Reprisando o anterior, o São Paulo foi vendido a um cemitério turco, mas até isso deu errado: com dez toneladas de amianto a bordo, não consegue atracar e, rebocado, vaga pelos mares como cadáver incômodo em busca de um jazigo improvável. Uma alegoria realizada do país famélico, política e moralmente envenenado, pária internacional.
Hype agora, aliás, pauta midiática, é fabricar submarino, ninguém fala mais em porta-aviões. Mas Juca continua atual: "E o povo sem comida/ escuta as tais lorotas/ dos patriotas".
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