quarta-feira, 14 de setembro de 2022

A vanguarda do que nos aguarda, Leandro Karnal , OESP

 Mudei o nome. Poderia parecer ofensivo. O homem nos esperava no aeroporto. Era o motorista designado para um grande evento no Sul do País. Idade? Não erraria muito quem lhe atribuísse algo na casa dos 75 anos. Formal ao extremo, indicativo de uma data de nascimento mais próxima do Estado Novo.

A idade, com frequência, costuma vir acompanhada de um uso generoso de “senhor” e “com licença”. Eventualmente, como no caso do nosso motorista, um declínio acentuado da capacidade auditiva. Desafio maior: o uso de recursos modernos de localização de um endereço.

O escritor Umberto Eco, com sentido um pouco diferente, trouxe a metáfora de duas tribos: os “apocalípticos” e os “integrados”. A tecnologia deixa pessoas de mais idade confusas. Seriam os “apocalípticos” aqueles que não se adaptam aos aplicativos e que sentem com inquietação um universo no qual ir à padaria implica um programa para localizar endereços (e um cartão de aproximação para o pagamento)?

Nosso motorista era um não integrado. Lembro-me de outro senhor, há alguns anos, que fazia rascunhos do e-mail, à caneta, e depois passava para o computador.

Até hoje há quem não domine a nova etiqueta que obriga a mandar uma mensagem prévia para perguntar se pode ligar. Os mais velhos ligam à queima-roupa, causando sustos nas pessoas mais jovens. Um celular tocar sem algo anterior no WhatsApp é crime de lesa-pátria para os que possuem mais colágeno. Aliás, nas mãos de um adolescente, o aparelho celular faz tudo, menos ligar.

Justin Sullivan/Getty Images/AFP
Justin Sullivan/Getty Images/AFP 

Volto ao seu Antenor (que a cara leitora e o dileto leitor já sabem ser nome fictício). Ele colocou o endereço no aplicativo e aceitou o primeiro trajeto. Acontece que a rua celebra um nome famoso da história e repete-se em diversas cidades. São sutilezas da modernidade.

Continua após a publicidade

Com sorte, chegaremos à idade do seu Antenor. Os aparelhos já são um desafio para quase todos nós. Então, com certo ar de “vendetta” histórica, seremos, a cada ano, mais próximos do seu Antenor. A tecnologia é uma máquina de exclusão etária, exige um afeto e dedicação que parecem diminuir à proporção do fim do colágeno. Nós, mais velhos, vamos perdendo o desejo de mudar de aparelhos e de procedimentos.

Seu Antenor é o futuro de todos. Tenho de pensar nisso para ter mais esperança com as pessoas que lutam com o Waze... São apenas a vanguarda do que nos aguarda, com alguma sorte.

Nenhum comentário: