No dia 24 de março publicamos, neste mesmo espaço, o artigo “Salvação do SUS requer 30 dias de lockdown rígido”. Lamentavelmente, não tivemos lockdowns regionais ou nacionais em abril. Apesar dos esforços da sociedade civil, como o movimento #AbrilPelaVida, o que vivemos foi a maior tragédia da história brasileira. Foram em média 2.781 mortes diárias e 83.435 mortos apenas em abril —40% mais óbitos por Covid-19 em abril do que em março. É como se tivéssemos 7,4 aviões caindo todos os dias durante um mês inteiro.
Abril era uma tragédia anunciada, mas maio não. Em 24 de março, estimávamos que a vacinação seria capaz de reduzir os óbitos para menos de 1.000 por dia em maio. Por que esse cenário não se concretizou? São duas as explicações, que levantam preocupações para os próximos meses.
Primeiro, temos um número altíssimo de contaminados pela Covid-19, maior do que era razoável estimar em 24 de março. Tanto em abril quanto em maio, não adotamos medidas restritivas na escala necessária e reabrimos serviços não essenciais de forma precipitada em muitas localidades, sequer acompanhados de medidas de contenção, como testagem em massa e isolamento de contatos. O resultado é que nossa curva de casos demora mais a cair —e, portanto, a de óbitos também.
Segundo motivo: estamos vendo o vírus se espalhando mais rapidamente que a vacina. Além da velocidade da imunização em si, há outros fatores. Cerca de 5 milhões de brasileiros não apareceram para a segunda dose, por exemplo. Este grupo, caso esteja se sentindo protegido, incorre em erro gravíssimo, uma vez que são necessárias duas doses para alcançar a imunidade.
E a tendência é piorar antes de melhorar. Painel recém-lançado por Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e Vital Strategies, com dados de sintomas e comportamentos de usuários do Facebook, indica que um tsunami se aproxima.
Esses dados apresentaram excelente poder preditivo no passado, tendo indicado o pico de sintomas em 15 de março e, logo depois, vimos o pico de casos em 29 de março. Estes dados agora apontam que, em algumas semanas, deveremos observar um aumento ainda maior de casos e internações por Covid-19. Se imaginarmos um crescimento da mesma magnitude já observada no indicador do Facebook, chegaríamos a um valor de mais de 115 mil novos casos na média móvel de sete dias, algo sem precedentes.
Sabemos que há uma fadiga generalizada da pandemia —entre indivíduos e governos—, mas não é hora de relaxar. Iniciativas interfederativas devem estar no horizonte imediato: testagem em massa, fechamento de atividades não essenciais, distribuição de máscaras PFF2 a grupos mais expostos, imposição de barreiras sanitárias, campanhas de comunicação. E, claro, acelerar ao máximo a vacinação.
Uma terceira onda se aproxima rapidamente. Agora estamos falando de uma pandemia que em outros países já se mostra contida, com uma ferramenta de imunização que se provou útil. Temos um sistema de saúde pública capilarizado, um Programa Nacional de Imunização que é referência mundial, a Estratégia de Saúde da Família e um grande contingente de agentes comunitários. A nossa pergunta é somente uma: quando o Brasil usará este potencial? Até agora, estamos apenas esperando o tsunami chegar.
João Abreu
Diretor-executivo da ImpulsoGov
Marco Brancher
Coordenador de dados da ImpulsoGov
Marcia Castro
Professora da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard (EUA)
Carlos Lula
Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass)
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