A Covid-19 tirou das manchetes a epidemia de mortes por overdose nos EUA, mas ela continua lá, apenas um pouco menos visível. Os números assustam. São 70 mil óbitos por ano, 70% dos quais relacionados a opioides, legais e ilegais. Não há sinais claros de arrefecimento.
E 70 mil mortes é morte para presidente nenhum botar defeito. É um pouco menos do que a soma dos assassinatos com as vítimas do trânsito no Brasil e quase a metade dos óbitos por Covid-19 dos próprios EUA. A diferença é que não se espera que em 2021 o Sars-Cov-2 volte a causar tantas baixas, mas as overdoses podem em tese repetir sua mortífera performance por anos a fio.
E, se a Covid-19 é uma doença que controlaremos com o auxílio da ciência, a crise dos opioides é uma epidemia que foi em alguma medida provocada pela má ciência. Tudo começou nos anos 90, quando médicos e dentistas americanos, com base em poucos e enviesados estudos, além de uma boa ajuda dos departamentos de marketing dos laboratórios, passaram a prescrever opioides até para dores agudas e de baixa intensidade. Passaram por cima de tudo o que a ciência já sabia sobre dependência com essa classe de medicamentos.
Daí não decorre que a boa ciência não tenha como ajudar a reduzir os danos. No Canadá, o segundo país mais afetado pela epidemia, já surgiu um movimento, que conta com a simpatia de autoridades da Colúmbia Britânica, que pede que o governo federal garanta o acesso de todos os dependentes a heroína com padrão de qualidade constante.
É verdade que essa demanda desafia nossas noções de legal e ilegal e o próprio papel do Estado, mas a explicação faz sentido. Overdoses são quase sempre um acidente, que ocorre porque o usuário desconhece o grau de pureza da droga que vai utilizar. Uma dose “normal” pode revelar-se fatal se a partida é mais pura. Caso a droga em circulação fosse padronizada, menos gente morreria.
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