A reforma administrativa demanda uma análise ponderada. É evidente que o projeto apresentado pelo governo exige ajustes e deve ser aperfeiçoado. É exatamente para isso que existe o Congresso e o debate em curso na sociedade.
Há itens que me parecem insustentáveis na proposta. Um deles é uma quase unanimidade. O presidente não pode decidir sozinho se extingue uma autarquia ou fundação pública criada por lei, no Congresso. É certo que a máquina pública brasileira precisa de um processo de revisão e enxugamento. Mas precisa fazer isso com os instrumentos da República, discussão e decisão no Parlamento.
Outro ponto é a exclusão da possibilidade de redução de jornada e vencimentos em carreiras de Estado. Por que cargas d’água isso deveria valer para um médico, mas não para um diplomata? Há um problema elementar de equidade aí, e não percebo como plausível uma reforma desatenta a estas coisas.
Há muitos pontos. O projeto explicita a autorização para que setor público e privado cooperem na execução de serviços públicos, determinando que isso seja regulamentado por lei. O ponto é que já existem diversos instrumentos nesta direção, em especial o marco regulatório da sociedade civil (lei 13.019/14), hoje em plena utilização país afora.
A não inclusão dos atuais servidores e demais Poderes na reforma é evidentemente um problema. Mas é preciso evitar o discurso fácil. Se a reforma do jeito que está já vem produzindo um barulho enorme, imagine o volume do som se os atuais servidores estivessem no jogo.
Diferenciar servidores na mesma carreira não é uma boa ideia. O correto seria unificar as regras para quem entra e para quem já está no serviço público. Será ótimo se o Congresso quiser caminhar nesta direção. E melhor ainda se o STF topar a parada.
Quem estiver preocupado com a “superelite” do setor público e com ganhos fiscais de curto prazo, sugiro prestar atenção aos ajustes na PEC do Pacto Federativo. Pelas indicações já oferecidas pelo relator, senador Márcio Bittar, o Congresso terá a chance de ouro de mostrar que realmente leva a sério fazer valer o teto salarial do funcionalismo e os gatilhos fiscais, incluindo-se a possibilidade de redução salarial, para todos os Poderes.
A reforma avança em pontos importantes. Ela estabelece com nitidez a distinção entre funções de Estado e demais carreiras do serviço público. Isso pode ser aperfeiçoado pelo Congresso e demandará uma lei especifica para o enquadramento das carreiras.
Isso nada tem a ver com dividir o setor público entre carreiras de primeira e de segunda classe. Tem a ver com o perfil das funções e o tipo de proteção que elas devem ter, no interesse da sociedade e do pagador de impostos.
A reforma também põe a meritocracia e a avaliação de desempenho no centro da gestão pública. O ponto é como fazer isso. Se o governo nunca soube avaliar servidores em estágio probatório, e nem mesmo regulamentar as avaliações de desempenho, por que daqui pra frente saberia avaliar quem cumpre seu “vínculo de experiência”?
Aqui vale uma nota sobre o tema da estabilidade no emprego. O texto constitucional (art. 41º) já autoriza a demissão de servidores por insuficiência de desempenho. O detalhe é que devido à omissão legislativa (a qual o Supremo nunca prestou atenção) o tema nunca foi regulamentado.
A reforma diz apenas que atividades típicas de Estado supõem um tipo de proteção distinta das atividades concorrenciais. Mas todas as funções públicas prosseguirão submetidas ao princípio da impessoalidade e não há espaço para demissões que não atendam a uma razão pública e resultem de um procedimento publicamente controlado.
É preciso ter uma visão construtiva sobre a reforma. Ela é uma proposta aberta ao debate público e pertence ao país, não ao governo. Maus humores políticos podem divertir a multidão de hooligans que flutua na internet, mas não servem pra nada nesse debate.
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