Esquecendo - como devemos - José Padilha, eis que a quase falida Lava Jato chega aos cinemas pelas mãos improváveis de Sandra Kogut. A ação de Três Verões se passa entre 2015 e 2017, quando a operação fez prisões e conduções coercitivas espetaculosas. Apesar de negado pela diretora, a inspiração parece ter vindo diretamente do caso Sérgio Cabral.
Em dezembro de 2015, Edgar (Otávio Muller), que tanto pode ser um financista como um político, recebe telefonemas inquietantes em sua mansão de Angra dos Reis. Um ano depois, ele está preso e não pode mais fazer uso de sua lancha nem cuidar do pai idoso (Rogério Fróes). No Natal de 2017, ouve-se dizer que ele vai migrar para a prisão domiciliar. Já então a realidade de sua casa de praia é inteiramente diferente.
No decorrer desses dois anos, a gestão do patrimônio foi assumida pela caseira Madalena (Regina Casé), uma empreendedora nata. Ela o faz à sua maneira, dando corda para transformar o que parecia um drama de classes numa comédia política mordaz. Regina retoma um bocado da verve da Val, de Que Horas Ela Volta, mas numa chave distinta. Seja ao estranhar o valor conferido a uma escultura de Tunga, seja ao guiar um tour pelas casas dos milionários presos em Angra, Madá sustenta um fairplay que a torna superior a todo o seu entorno.
A luta de classes fica no segundo plano, dando lugar a um saboroso deboche popular. Os empregados se apoderam dos bens patronais sem nenhuma intenção revolucionária, mas como um divertido interlúdio em que convertem os valores burgueses ao seu sentido mais prosaico. O contraponto de tudo isso é a relação carinhosa entre a caseira e o velho patriarca, amargurado pela desgraça do filho. Essa ligação reúne dois polos extremos, mas que se encontram numa certa área de inocência perante o circo da corrupção e do lava-jatismo.
Três Verões é naturalmente dominado pela expansividade de Regina Casé, senhora absoluta das minúcias da personagem. O papel é francamente cômico até perto do final, quando Sandra Kogut lhe reserva um solo de grande envergadura dramática. Também aí ela se sai magistralmente, embora não evite o tom um pouco piegas do desnudamento lacrimejante. É uma pena também que roteiro e montagem patinem sem ritmo ou maior interesse no terceiro módulo, quando a casa é usada como cenário de filmes publicitários.
A fotografia de Ivo Lopes Araújo (Campo Grande, Greta e muitos bons filmes de várias regiões do país) capta um litoral fluminense chuvoso e cinzento, pouco condizente com o que se espera dos verões. Nesse tom menor, deixando os eventos mais "quentes" apenas insinuados nas grandes elipses temporais, o filme acaba mostrando, com boa dose de ironia, como a alienação do trabalho pode ser revertida na criação de insuspeitadas oportunidades.
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