A Internet chegou ao Brasil em 1991, mas antes já havia aqui conexões a redes acadêmicas como a Bitnet, que contavam com eficiente correio eletrônico. Acresceu-se ao espanto que tive ao poder de comunicar-me via eletrônica, a impressão de que isso seria algo restrito a poucos. Afinal boa parte do conteúdo era em inglês, “língua franca”, e os participantes eram egressos da academia. Também me pareceu que a rede causaria uma uniformização em comportamentos e cultura, pela ampla disseminação de informações.
Em pouco tempo, porém, fui mudando minha ideia. Uma lista de discussão, então muito ativa, a BrasNet, que incluia pesquisadores brasileiros no exterior era em português! Mais emblemático ainda era o que corria na BrasNet: além dos papos acadêmicos havia dicas de onde encontrar farinha de mandioca, feijão preto ou cachaça, nos EUA e Europa… A nostalgia pela cultura natal. Montei outra imagem: a comunicação seria global e sem entraves, mas ela não vinha para sobrepor-se aos usos e costumes locais. Pelo contrário, poderia ser uma forma de fortalecê-los! Microculturas locais ameaçadas de desaparecimento, poderiam ganhar força e apoio via Internet. O artesanato indígena em nosso país, por exemplo, teria agora potenciais compradores vindos de todo o mundo, gerando sustentabilidade. Em suma, o “global” da rede poderia ajudar a reforçar o “local” em muitas regiões… A participação local ficou ainda mais evidente com a chegada da web ao país em 1993, com seus atrativos para gerar entrada em maciça de novos usuários.
Sempre há um custo a pagar: incômodos antes raros, como spam e fraudes, multiplicaram-se visando especialmente os ingressantes. Com a popularização dos buscadores e das plataformas de interação social, tornaram-se cada vez mais comuns abusos de privacidade, difamações e calúnias. A reação a eles trouxe iniciativas, tanto de novas leis, como de atividade judicial, que, além de não surtirem bons resultados práticos, tinham efeitos indesejados ao afetar usuários inocentes e deformar a rede como um todo. Foi neste cenário que o Comitê Gestor emitiu em 2007 seu decálogo, visando à preservação dos conceitos e liberdade na Internet.
Para que ações sobre a rede sejam efetivas, é crítico obter equilíbrio entre o local e o global. O respeito às características culturais locais não deve ameaçar uma fragmentação Internet. Soberania nacional implica, também, em se reconhecer a soberania das demais nações. Exemplo simplório: há na rede jogos de azar e há países em que esses jogos são ilegais; caberá aos países reprimir cidadãos que burlam sua lei acessando tais jogos, mas esta ação não pode ir além das fronteiras. Em vários países o consumo de álcool é proibido: caberá a eles fiscalizarem seus cidadãos, mas isso não lhes dá poder a pedirem a erradicação de menções a bebidas alcoólicas na rede global. Em suma, não se pode expurgar da rede global algo que localmente desagrada. A soberania nacional se exercerá sobre os cidadãos e as empresas locais que praticaram os delitos na jurisdição local, e não mutilando a Internet. Por ocasião do atentado às torres gêmeas em 2001, Vint Cerf declarou que, mais do que nunca, a Internet deveria ser usada para lançar luz sobre aqueles que ameaçam a liberdade. “A informação é o fulcro da verdade, e seu livre fluxo é a corrente sanguínea da democracia”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário