A negação da política coloca o Planalto em rota de colisão com o Congresso
No domingo passado (23), a principal reportagem do caderno de economia do jornal O Globo foi sobre diversos estados do Nordeste que estavam com recursos para investir, pois tinham feito ajuste fiscal.
Ao contrário do que muitos pensam, não há contradição entre ser fiscalmente conservador e priorizar os gastos sociais e o cuidado com os mais vulneráveis. Ocorre o oposto: o descuido com as contas públicas é a antessala da crise econômica. Quando esta chega, pesa mais sobre os mais necessitados. Os ricos têm mecanismos de proteção em momentos de crise.
A política fiscal conservadora requer o exercício da política. O motivo é simples. O Orçamento público é a grande arena do conflito distributivo nas sociedades modernas. Este saiu do chão de fábrica e encontra-se hoje no Parlamento, seja no Congresso, quando o tema for o Orçamento federal, ou nas Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores, se for o Orçamento estadual ou municipal.
O espaço da técnica na política fiscal é menor do que se imagina. A política fiscal e tributária constitui a parcela mais nobre da política.
O exercício da política requer gosto pela política. Parece óbvio, mas não tem sido a regra. Dois presidentes pouco afeitos ao ofício, Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro, geraram reações do Congresso que enfraqueceram as prerrogativas da Presidência da República.
Transformar a execução das emendas dos deputados ao Orçamento em impositivas, em vez de autorizativas, é contrário ao nosso desenho institucional, como tratei aqui em 10 de novembro de 2013.
O movimento recente do Congresso de cortar diversas linhas do projeto de lei orçamentária (Ploa) para 2020 e recompô-las, muitas vezes para os mesmos programas e com os mesmos valores, na forma de emendas de relator, esvaziando os ministérios, também não orna com nossas instituições. Novamente consequência da falta de apetite do presidente para o exercício da política.
Entre os governadores, o contraste é gritante. Em dezembro de 2014, recém-eleito e sem ter tomado posse, Paulo Hartung convenceu os outros Poderes da necessidade de reavaliar o Orçamento. A receita iria cair em razão da recessão que se agravava. Manteve o estado em ordem, em claro contraste com os desequilíbrios do vizinho Rio.
Evidentemente o sucesso de Hartung deveu-se também a outra característica importante da política: conseguir se comunicar com a população. Toda a campanha, que terminou com sua eleição em 2014, teve como mote a higidez fiscal.
Novidade da política e único governador eleito pelo partido Novo, o governador de Minas, Romeu Zema, decepciona. Como o presidente, rejeita a política. Não constrói uma coalizão de partidos na Assembleia. Governo fraco é obrigado a ceder aos policiais. Com o estado atrasando salários, concede aumento de 41% aos policiais.
Diferentemente, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, está promovendo forte ajuste fiscal em seu estado. Aprovou inúmeras emendas à Constituição estadual —incluindo a que permite a privatização de estatais sem necessidade de plebiscito—, a reforma da Previdência e a reforma administrativa.
O instrumento de Leite foi a política. Montou uma sólida coalizão e lidera um gabinete de secretários que é majoritário na Assembleia gaúcha. Adicionalmente, tem tido sucesso em sua capacidade de comunicação com a sociedade.
A negação da política coloca o Planalto em rota de colisão com o Congresso. No ano passado, foi o vídeo das hienas. Neste ano, vídeo chamando as pessoas para a manifestação de 15 de março. Estratégia ruim para a economia e, em longo prazo, ruim para o Executivo.
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