domingo, 8 de março de 2020

Reação exagerada ao coronavírus, OESP

Celso Ming, O Estado de S.Paulo
08 de março de 2020 | 08h42

Há motivo de sobra para suspeitar de que a reação do mercado financeiro ao choque do coronavírus está desproporcional.
As principais bolsas despencaram mais de 10% em apenas um mês; as cotações das commodities seguiram mais ou menos o mesmo caminho; o petróleo, por exemplo, cedeu quase 30% neste início de 2020; no Brasil, apesar das intervenções do Banco Central, o dólar saltou 15% também neste início de 2020 (veja os gráficos).
E tem o que o diário de Madri El País afirmou em matéria do dia 6: pior do que tudo não é enfrentar as consequências do coronavírus, mas manter uma distância de pelo menos um metro de outra pessoa e “viver sem beijos”. Ou seja, mais do que quarentenas de todo tipo, essa doença está promovendo pânico e isolamento entre as pessoas.
Certas razões sugerem que o perigo pode não ser tão grande quanto propalado. A primeira delas são os precedentes. A gripe aviária, a sars e a grande crise de 2008 também produziram enormes turbulências e derretimento do valor dos ativos, mas tiveram duração relativamente curta. A sars, por exemplo, derrubou entre 0,5 e 1 ponto porcentual o PIB da China em 2003, mas durou pouco mais de um trimestre. Em princípio, não há nenhum motivo especial para que, desta vez, tenha de ser muito diferente. Os primeiros sinais são de que, na China, onde tudo começou e se espalhou à velocidade do vento, o número de casos novos está se estabilizando, tendendo a reverter-se.
Parece adequado pensar que a propagação do vírus fica facilitada nos países de inverno mais rigoroso. E, no entanto, a primavera já está despontando no Hemisfério Norte, logo virá o verão e, com ele, a menor propensão para alastramento da doença.
É verdade que uma epidemia nova, de alto poder de contágio, tem natureza e comportamento desconhecidos. Daí por que grande parte dos seus desdobramentos não é previsível. Mas convém ter em conta que os recursos para enfrentá-los são hoje mais eficazes. A medicina, mais evoluída, consegue diagnósticos quase instantâneos. O desenvolvimento da vacina vai demorar, mas deverá estar disponível em prazos recordes. A China construiu do zero um hospital totalmente equipado para mil leitos em apenas dez dias. Por toda parte, as autoridades estão mobilizadas para enfrentar os problemas, tanto com políticas fiscais quanto com políticas monetárias, estas últimas mais para combater os efeitos colaterais do que propriamente a doença. E esse fator também tem de compor a equação.
Quando vier, é provável que uma recuperação da economia mundial, dos mercados de consumo e das cotações das commodities seja relativamente rápida, em forma de V, como se diz (e não em U ou em L), por três principais razões. Primeira, porque, por toda parte, os estoques estarão no seu nível mais baixo e será preciso repô-los rapidamente; segunda, porque, depois de pelo menos três meses de sacrifícios e de resguardo, aumentará a propensão do consumidor a sacar seu cartão de débito; e, terceira, graças às políticas monetárias mais generosas, haverá mais crédito a custos mais baixos à disposição do consumidor e do produtor.
Nenhuma dessas razões deve ignorar os riscos e os custos. Impacto de boas proporções sobre o crescimento econômico, sobre o emprego e sobre a renda será inevitável, mesmo com uma recuperação em V. Se de fato vier, muito provavelmente não compensará as perdas dos trimestres anteriores. Mas a vida seguirá, vulnerável a outros choques, desse e de outros tipos, mas seguirá.
Mesmo que, desta vez, as autoridades reajam mais rapidamente, graças ao aumento das pressões políticas, sempre haverá certa demora entre ação e reação. Os bancos centrais dispõem de instrumentos limitados para enfrentar a crise. Grande parte deles já opera com juros historicamente baixos e até mesmo negativos. Já não se pode garantir a mesma eficácia de antes para colocar a economia nos trilhos. Por outro lado, exigir maior expansão das despesas públicas esbarra na penúria dos Tesouros.
Enfim, não dá para negar que os problemas sejam graves. Mas uma coisa é enfrentá-los como eles são, mesmo com os instrumentos precários, mas com serenidade, e outra é contaminar o que já está fortemente contaminado, com pânico e desespero, fatores que pioram tudo.

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