Como incentivar as autoridades a implantar o distanciamento social?
A possibilidade da ocorrência de uma pandemia cuja escala e gravidade rivalizem com a gripe espanhola de 1918 nunca foi uma questão de “se poderia ocorrer”, mas de “quando irá acontecer”. Hoje enfrentamos uma tal crise. O vírus Sars-CoV-2, causador da covid-19, começou a se comportar como aquele patógeno que atinge a humanidade de forma episódica e devastadora. Espera-se que não seja tanto, mas é prudente assumir um risco elevado quando a dimensão do perigo real ainda é pouco compreendida.
Nas últimas duas semanas, as infecções explodiram no Irã, na Itália e em vários países. A covid-19, antes restrita a 30 países, hoje atinge 121 nações em seis continentes, soma mais de 120 mil casos e se aproxima das 5.000 mortes —e teve consequências surpreendentes.
Em face do ocorrido nos últimos dias, o governo italiano adotou uma quarentena para o país inteiro até 3 de abril. Não se tem nenhum outro exemplo na história da humanidade de uma intervenção tão drástica para barrar o avanço de uma doença. No entanto, o crescimento do surto em outros países nos leva a esperar que a restrição de mobilidade de 60 milhões de italianos seja apenas o primeiro evento de uma série.
Tudo indica que, ao longo das próximas semanas, outros países como França, Espanha, Alemanha e EUA sejam obrigados a implementar e ampliar medidas de mitigação envolvendo distanciamento social.
O prognóstico da pandemia é tenebroso. Segundo um estudo da Universidade Nacional da Austrália, caso não seja contida, a pandemia tem o potencial para matar até 15 milhões de pessoas no mundo. E este é um cenário conservador. No pior dos casos, seriam 68 milhões de mortos. O vírus influenza H1N1 da gripe espanhola, de 1918, matou em torno de 50 milhões de pessoas. O Sars-CoV-2 tem um potencial ainda não inteiramente compreendido, mas que vai depender da capacidade de resposta do sistema de saúde, uma vez que demanda quase 60 vezes mais hospitalizações do que a gripe sazonal.
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Quantos brasileiros correm o risco de morrer? De acordo com o estudo australiano, no cenário mais conservador, seriam 257 mil. Precisa ser assim? De jeito nenhum. Mas, para evitar tal tragédia, precisamos agir agora. Por mais duro e difícil que pareça, um regime de distanciamento social amplo talvez seja o único caminho a seguir para evitar o mal maior.
Enquanto a grande maioria de países tardou em responder no momento certo, Singapura, Japão e Hong Kong deram o exemplo e iniciaram a testagem molecular intensa (importantíssimo!) e o isolamento de portadores e seus contatos. Crucialmente, lá a curva de crescimento da doença tem demonstrado um comportamento ascendente moderado, porque medidas de contenção foram implementadas no momento correto. Estão conseguindo controlar o surto porque fizeram intervenções antes do crescimento exponencial da doença. Desta forma, conseguiram até agora impedir a saturação do sistema hospitalar. Ao contrário, países que não fizeram isso (Irã, Itália, França, Espanha e Alemanha, por exemplo) estão vendo o total de doentes dobrar a cada quatro dias. Perderam a oportunidade de barrar o avanço do surto antes da fase exponencial.
Nosso problema neste momento é saber qual caminho tomar. Como incentivar nossos gestores de saúde, prefeitos, governadores, ministros, congressistas e o presidente a considerar que as intervenções não farmacêuticas de mitigação por distanciamento social (evitar aglomerações, fechar escolas ou tornar a presença de alunos facultativa, incentivar trabalho em casa, isolamento de idosos com comprometimento etc.) devam ser implementadas imediatamente?
Como fazer entender que se houver crescimento explosivo da doença o sistema hospitalar vai colapsar e a funcionalidade da sociedade será profundamente prejudicada? Como diz o matemático americano Albert Bartlett, “a maior inabilidade da raça humana é nossa incapacidade de compreender a função exponencial”.
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