quinta-feira, 12 de março de 2020

Desmistificando o debate sobre o DPVAT, FSP

Chega a ser criminoso abrir mão de um mercado já estabelecido

Aos trancos e barrancos, havíamos conseguido distribuir amplamente na sociedade um seguro da mais alta relevância. Fomos vitoriosos na criação de um formidável sistema de solidarização entre os proprietários de veículos automotores e as vítimas dos acidentes de trânsito, como se sabe uma das principais causas de mortalidade no país.
Essa proeza foi obtida ao longo de quatro décadas graças ao conhecido seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres, o DPVAT. Não faltavam críticas aos abusos imensos que inúmeras entidades e pessoas cometiam, desviando os recursos financeiros formados por esse seguro.
O advogado Ernesto Tzirulnik, presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS) - Raquel Cunha - 21.ago.14/Folhapress
Entidades representativas do setor segurador, dos corretores de seguro e a própria autarquia federal responsável por vigiar as operações de seguro (Susep) aproveitaram da viúva. Vendo a torneira aberta, o próprio Estado transformou-se em Robin Hood e cuidou de pegar um pouco para financiar o sistema de saúde pública. Era realmente urgente colocar ordem na casa.
Estranhamente, a nova administração da Susep, de quem se esperava buscar a mais ampla proteção da sociedade ou, no mínimo, o aproveitamento da distribuição promovida pelo DPVAT, com a redução dos custos de transação —um dos dogmas mais importantes para o liberalismo econômico— tentou enterrar esse seguro. Quase conseguiu, falta a pá de cal. Não se sabe se o argumento ingênuo utilizado pela Susep —a corrupção interna do DPVAT, que distribuía altas remunerações a advogados e fatias para entidades estranhas ao negócio— foi realmente o motivo da tentativa de extinção do seguro, ou se o governo apenas buscou apropriar-se dos fundos bilionários de reservas e provisões. Afinal, de quem apenas quer matar a erva daninha não se espera que derrube a árvore toda.
Os consumidores do DPVAT estavam acostumados a adquirir a cobertura. A compra do seguro capaz de proteger as vítimas do trânsito já se tornara um negócio socialmente aceito para os milhões de proprietários de veículos do país. Ninguém ficou mais feliz ou aliviado porque passou a economizar míseros R$ 10 por ano.
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Seria muito mais justo para a sociedade e lucrativo para os empresários do seguro que o governo matasse a erva daninha e aproveitasse a deixa para tornar frondosa a árvore combalida, passando a oferecer indenizações muitas vezes superiores aos míseros R$ 15 mil pagos por uma morte e adotado medidas para recuperar parte dos saques escandalosos que haviam sido feitos.
O fato mais importante, porém, é que as autoridades estão perdendo a chance de aproveitar o mercado já desenvolvido, estão jogando fora a valiosíssima aceitação social da contribuição para o fundo de prêmios que pode garantir as vítimas dos acidentes viários.
Isso chega a ser criminoso num país em que nem há costume de comprar seguros facultativos de responsabilidade civil, cujas coberturas oferecidas são caras e pífias, além de sujeitar os segurados e as vítimas a discussões casuísticas que só terminam depois de muitos anos no abarrotado Judiciário.
Ernesto Tzirulnik
Advogado, presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS) e coordenador da comissão de juristas e técnicos que elaborou o anteprojeto da Lei de Contrato de Seguro (PLC 29/2017)
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