No comunicado e na ata da sua última reunião, em 5 de fevereiro, o Copom descreveu o cenário externo como favorável aos mercados emergentes, mas desde que o pânico com o temor de uma pandemia do coronavírus tomou conta de investidores e analistas, não somente os indicadores da atividade econômica global se deterioraram bastante, como as condições financeiras tiveram um forte aperto.
O dólar se valorizou ante as principais moedas internacionais e aqui ultrapassou o patamar de R$ 4,50. As bolsas mundiais registraram um forte tombo desde a última reunião do Copom. Do dia 5 de fevereiro até o seu pior momento, na sexta-feira passada, o S&P 500, um dos principais índices do mercado acionário dos EUA, acumulou uma queda de 11,4%. O Ibovespa teve desempenho semelhante, com perda ao redor de 11%.
Na China, o índice de gerente de compras (PMI, na sigla em inglês) industrial caiu de 50,0 em janeiro para 35,7 em fevereiro, sinalizando uma contração da atividade manufatureira bem mais forte do que os analistas haviam estimado, já contabilizando o impacto da paralisação ou redução do nível de operação das fábricas chinesas.
As medidas para contenção da disseminação do coronavírus na China e em vários outros países importantes na cadeia mundial de produção de bens e serviços, como a Coreia do Sul e a Itália, como a restrição de circulação de pessoas e produtos, reacenderam o temor de uma recessão global iminente.
Ou seja, o cenário externo descrito pelo Copom como parte do seu balanço de risco para os próximos passos da política monetária está completamente defasado com o que aconteceu na economia e nos mercados globais desde a sua decisão de cortar a taxa Selic em 0,25 ponto porcentual, para 4,25%, e sinalizar que iria interromper o ciclo de redução de juros.
É preciso o Copom atualizar sua comunicação e sinalização, juntando-se à ação coordenada de bancos centrais mundiais de injetar estímulo monetário adicional visando aliviar o impacto negativo do surto do coronavírus na economia global.
A pressão sobre o Copom aumentou depois que o Federal Reserve (Fed) anunciou ontem um corte de juros agressivo, de 0,50 ponto porcentual, em medida extraordinária, uma vez que a reunião de política monetária do BC americano só acontecerá no dia 18 de março.
Em comunicado, o Fed disse que os fundamentos para a economia dos EUA “continuam fortes”, mas que o coronavírus representa “riscos à atividade econômica”. A última vez que o Fed fez um corte extraordinário de juros foi durante a crise financeira mundial de 2008. Será que o Fed está vendo o pior agora para repetir a ação?
Na segunda-feira, o BC da Austrália reduziu os juros em 0,25 ponto para a mínima histórica de 0,50%, citando os riscos econômicos do surto do coronavírus. O BC da Malásia também reduziu os juros em 0,25 ponto, para 2,50%.
Assim, desde a última reunião do Copom, fatos importantes mudaram substancialmente o balanço de riscos: o aumento significativo de uma recessão global e a resposta coordenada dos bancos centrais mundiais.
Sem falar que com o corte de 0,50 ponto dos juros pelo Fed, o dólar deve perder o ímpeto de valorização global, contribuindo para interromper sua trajetória recente de alta contra o real, aliviando a pressão sobre a inflação.
É importante notar que, diante de uma recuperação mais lenta da atividade econômica no Brasil, o repasse da escalada recente do dólar para os preços tem sido bem mais limitado do que no passado.
E mesmo que uma recessão global seja evitada, uma desaceleração da economia mundial é esperada no primeiro trimestre deste ano. Como ainda não se sabe qual a magnitude dessa freada, faz-se necessário um socorro global em termos de política monetária e fiscal. Na China, o governo vem injetando tanto estímulo monetário, quanto fiscal.
No Brasil, não há espaço para gasto fiscal diante da situação precária das contas públicas. Já o BC pode desempenhar um papel ao cortar mais os juros básicos. Até porque, com a recuperação mais lenta da economia em razão do coronavírus e a queda nos preços das commodities, a perspectiva para a inflação é bastante benigna. Diante de tudo que já aconteceu desde a última reunião, o Copom está atrás da curva.
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