Manter um ex-presidente na cadeia faz mal à história do país
No próximo domingo (7) Lula completará um ano de prisão, fechado numa cela de 15 metros quadrados na carceragem da Polícia Federal de Curitiba. Sua situação é inédita na história do Brasil e essa circunstância sobrepõe-se aos aspectos jurídicos, porque a decisão dos magistrados um dia será uma nota de pé de página na narrativa de um fato maior. Em 1889 decidiu-se banir a família imperial. Vá lá, mas fazia sentido negar sepultura no Brasil a d. Pedro 2º durante décadas?
Para quem vive com a cabeça quente, Lula deve "apodrecer na cadeia", como disse Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Quando as cabeças esfriam, as coisas voltam para seu lugar.
Três precedentes mostram que seria melhor permitir, em algum momento, a transferência de Lula para o regime de prisão domiciliar. Nele só poderia receber um número fixo de visitantes. (Em 2017, quando Marcelo Odebrecht passou a cumprir a pena em casa, tinha direito a 15 visitantes previamente listados.)
Jefferson Davis, o incendiário presidente dos estados confederados do Sul dos Estados Unidos, foi preso em 1865 e libertado dois anos depois. A Guerra Civil americana custou ao país quatro anos de combates e algo como 700 mil mortos (2% da população).
As condições carcerárias de Lula são dignas, mas assemelham-se àquelas que a República Francesa impôs ao marechal Philippe Pétain em 1945. Ele presidira o regime ditatorial e racista de Vichy, colaborando sinceramente com a ocupação nazista. Nonagenário e doente, teve a pena comutada em 1951 e logo depois morreu, em casa. Lula não foi um Pétain.
Os Estados Unidos e a França têm um tipo de história. A China tem outro. Mao Tse-tung prendeu o presidente Liu Shaoqi em 1967. Ele viveu em condições deploráveis até 1969, quando morreu. Ao contrário do que aconteceu com Pétain e Davis, Liu foi reabilitado. Sua filha formou-se na Universidade Harvard e geriu investimentos da família Rockefeller.
Lula encarcerado não faz bem à história do país, como não faz bem a lembrança de que João Goulart morreu na Argentina depois de 12 anos de desterro.
Desde que Bolsonaro assumiu a Presidência, nenhuma trapalhada foi produzida pelo PT. Tendo perdido o monopólio das encrencas, o comissariado vive em relativa paz. Noves fora alguns arroubos de Gleisi Hoffmann, a presidente do partido, prevalecem vozes mais equilibradas. Prometendo o fim da ideologia de gênero e escolas sem partido, o Ministério da Educação vive uma guerra de facções, sem ensino algum.
Combatendo uma diplomacia militante, o chanceler Araújo meteu-se numa pregação inútil em torno do que seria uma essência esquerdista do nazismo.
Se Lula for transferido para um regime de prisão domiciliar a questão legal continua quase do mesmo tamanho. Afinal, estão nele Marcelo Odebrecht (que colaborou com as investigações) e o comissário Antonio Palocci (que colaborou com a campanha eleitoral).
A transferência de Lula para o regime domiciliar, aventada em junho do ano passado pelo advogado Sepúlveda Pertence, foi rebarbada pelo PT. Supunha-se que "Nosso Guia" pudesse ser favorecido pela eleição de um presidente-companheiro ou pelo clamor da rua. Nenhuma das duas coisas aconteceu.
Para a turma de cabeça quente que defendia a transferência da embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, o gambito de Bolsonaro oferecendo um escritório comercial foi um gesto hábil. Lula em casa seria um gesto de pacificação histórica. Afinal, no ano passado 45% dos eleitores, não podendo votar nele, votaram no seu candidato.
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".
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