segunda-feira, 22 de abril de 2019

O ditador que caçava fake news, FSP

Marechal Deodoro mandou reprimir divulgadores de 'falsas notícias e boatos alarmantes'

Em 29 de março de 1890, o generalíssimo Deodoro da Fonseca, autoproclamado chefe do governo provisório do Brasil, pôs-se a caçar fake news.
Mandou publicar o decreto 295, que sujeitava a julgamento militar por sedição "todos aqueles que derem origem a falsas notícias e boatos alarmantes dentro ou fora do país ou concorrerem pela imprensa, por telegrama ou por qualquer modo para pô-los em circulação".
Quem fosse pego divulgando o que não devia fora do Rio ganhava uma viagem para a capital federal: "O delinquente será para ela conduzido preso e aí submetido ao julgamento".
Ex-presidente Manoel Deodoro da Fonseca
O ex-presidente Manoel Deodoro da Fonseca - Palácio do Planalto / Divulgação
Nas considerações para sustentar a medida, o marechal Deodoro e Campos Salles, seu ministro da Justiça, afirmam que o poder público não quer ferir o direito "à livre discussão sobre os seus atos". Não pode, no entanto, "permanecer indiferente em presença da ação pertinaz e criminosa dos que intentam por todos os meios criar a anarquia e promover a desordem".
Criticar os poderosos até se permite, argumentam, mas "o regime da injúria e dos ataques pessoais tem por fim antes gerar o desprestígio da autoridade e levantar contra ela a desconfiança para favorecer a execução de planos subversivos".
Concluem que o país passa por uma situação anormal, a exigir "medidas de caráter excepcional".
Naquele tempo, como agora, a paranoia movimentava o mercado da política. Atores entrantes chacoalhavam o jogo tradicional. A circulação frenética de ideias, incluindo muitas estapafúrdias e autoritárias, abalara o statu quo.
Um governo recém-nascido, que gostava de afetar liberalismo, expunha contradições aberrantes. Beneficiara-se da boataria e da difusão de falsidades para ascender, mas preocupava-se com elas uma vez estabelecido.
Partia do ditador a repressão a insultadores de autoridades. Agora ela vem da corte inventada naquele quadrante como anteparo ao arbítrio. 
Vinicius Mota
Secretário de Redação da Folha, foi editor de Opinião. É mestre em sociologia pela USP.

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