Fabio Leite e Bianca Gomes, O Estado de S.Paulo
05 de abril de 2019 | 05h00
O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Gianpaolo Smanio, enviou para a Assembleia Legislativa paulista um projeto de lei propondo a criação de 400 cargos de promotores de Justiça no Estado, o que representa um aumento de 20% em relação ao número de cargos disponíveis hoje na Promotoria: 1.989. Segundo ele, a proposta visa suprir uma carência atual e futura de quadros diante da instalação de novas varas pela Justiça e da implantação do processo judicial eletrônico.
Especialistas ouvidos pelo Estado disseram que o projeto apresentado carece de levantamento detalhado (mais informações abaixo). A última vez que foram criados cargos para novos promotores foi em 2015, quando foram abertas 30 vagas.
Pela proposta, metade dos cargos a serem criados (200) seria para promotores mais experientes, classificados como “entrância final”, que atuam em grandes comarcas, cujos salários partem de R$ 33,7 mil. Segundo Smanio, são nessas comarcas que se concentram as novas varas judiciais instaladas, por causa do crescimento do número de cidades com mais de 100 mil eleitores.
Outros 100 cargos de promotores seriam criados em comarcas intermediárias, onde, segundo o chefe do Ministério Público paulista, existem 256% mais juízes auxiliares do que promotores. “Trata-se da entrância em que o Ministério Público possui a menor parte de seus cargos”, afirmou Smanio na justificativa do projeto, que foi enviado no fim do mês passado ao presidente da Assembleia, Cauê Macris (PSDB). Os outros 100 cargos seriam divididos entre promotores iniciais e substitutos. Todos serão preenchidos mediante concurso público.
Para ser aprovado, o projeto precisa do apoio de pelo menos 48 dos 94 deputados estaduais. Na próxima terça-feira, Smanio fará uma visita de cortesia ao Colégio de Líderes da Assembleia e deve aproveitar a oportunidade para reforçar a necessidade de criação dos cargos.
Os promotores são os responsáveis por investigar crimes e irregularidades envolvendo parlamentares, como no caso da máfia da merenda, quando o próprio Smanio denunciou o ex-presidente da Assembleia Fernando Capez (PSDB) por participação no esquema, em 2018. A ação, porém, foi trancada pelo Supremo Tribunal Federal por falta de provas.
Resistência. Na Assembleia, a proposta já encontra resistência entre políticos. O líder do PT na Casa, Teonilio Barba, apresentou nove emendas ao projeto, uma delas condicionando a abertura de novos cargos à indicação das varas onde os promotores atuarão e os custos da medida. “O projeto não indica as comarcas e varas para as quais os promotores serão destinados”, disse o petista.
Segundo cálculo feito pela Liderança do PT apenas com base nos vencimentos atuais dos promotores, os 400 cargos custariam R$ 168,1 milhões, o que correspondente a 8% do gasto anual do Ministério Público com pessoal ou 6,7% de todo o orçamento de instituição. Barba questionou ainda o fato de o MP paulista contar atualmente com 306 cargos de promotores vagos. “A criação de cargos sem necessidade não pode ser admitida pelos membros deste Parlamento”, afirmou o deputado.
O líder do governo João Doria (PSDB) na Assembleia, o tucano Carlão Pignatari, disse que a bancada está analisando o “impacto financeiro” e a “real necessidade” da proposta. Ele lembrou que nos últimos 30 anos a Casa aprovou cinco projetos que criaram 1.029 cargos na Promotoria paulista. “Não sou contra criar cargo de promotor público, mas isso tem de ser feito com responsabilidade financeira.”
Em nota, Smanio afirmou que o projeto “tem como objetivo fazer frente à instalação de varas por parte do Tribunal de Justiça”, mas não apresentou qual seria o custo da medida. “Por óbvio, isso não significa ocupação imediata destes postos. O eventual e paulatino preenchimento destas vagas ocorrerá dentro dos limites orçamentários da instituição.”
Projeto carece de detalhamento, afirmam analistas
Para especialistas ouvidos pelo Estado, o projeto apresentado pelo procurador-geral de Justiça carece de um levantamento detalhado que justifique a criação de mais cargos. "É preciso fazer um estudo para verificar se há uma demanda real de ampliar o quadro", disse Vera Chemim, mestre em finanças públicas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Entre os dados citados pelos especialistas, e que não constam no projeto, estão a produtividade, o número de processos por promotor, a quantidade de promotores por cidade e os nomes dos lugares em que há maior acúmulo de processos. Para Vera, a ampliação do quadro de servidores só pode ser cogitada quando esgotadas outras possibilidades, como o remanejamento de profissionais.
O constitucionalista Adib Abdouni afirmou que, além de um estudo aprofundado, é necessário explicar como foram definidas as quantidades de cada cargo. Para ele, a criação de 200 cargos em entrância final - última etapa da carreira de um promotor e última etapa remuneratória - parece excessiva. " É o promotor próximo a 20 anos de carreira que vai sendo alçado a esse cargo. Impacta mais até no orçamento. Já os cargos para novos promotores, que passam em concurso, são poucos. Na própria lei, não tem a justificativa da quantidade para cada cargo. Vejo a necessidade de se explicar. É o princípio constitucional da moralidade."
Sobre as justificativas usadas no projeto, Abdouni concordou que há maior demanda dos promotores nas varas, mas questionou a alegação de que a implantação do processo judicial eletrônico sobrecarregue os profissionais. "O processo eletrônico facilita, não deve ser uma justificativa. O que demanda mais é a criação de outras varas."
Para Luciana Zaffalon, pesquisadora da FGV, é um contrassenso a digitalização de processos gerar a necessidade de contratação de mais cargos. "O que se espera de um processo de racionalização tecnológica é que ele permita ganhar não só eficiência, mas economia de recursos públicos."
A pesquisadora contestou outra justificativa do projeto, a que diz que o Ministério Público estaria atuando pela racionalização no emprego dos recursos orçamentários. "Na minha pesquisa, eu verifiquei que apenas 3% do Ministério Público do Estado de São Paulo não recebe acima do teto constitucional. Eles têm um rendimento médio mensal de quase R$ 50 mil. No momento em que enfrentamos um contingenciamento de recursos públicos, com a PEC do teto dos gastos, a gente ter uma entidade tão cara buscando o seu incremento para aplicação da justiça é quase, de novo, um grande contrassenso."
Para Mônica Sapucaia, doutora em direito político e econômico e professora da Escola de Direito do Brasil (EDB), a necessidade de mais promotores é um caminho natural do modelo de Justiça brasileiro. "Somos um dos países de maior produção judiciária. Temos um problema estrutural na Justiça, que, por um lado, aumentou o acesso das pessoas, mas, por outro, transformou em uma máquina praticamente incontrolável e inadministrável."
Segundo ela, a justificativa dada para a criação de mais cargos é plausível. "Se tem um número maior de varas e é necessário implementar o sistema eletrônico, precisa de mais promotor. Caso contrário, a procuradoria fica sempre devendo, pois não dá conta." Mônica ressaltou que poderia se pensar em uma redução de cargos para tarefas administrativas e burocráticas, com o uso de tecnologia. "No caso do promotor, não poderia mecanizar, pois tem um processo de leitura, de cuidado e compromisso om a legislação."
Sobre o número pedido pelo procurador, de 400 cargos, Mônica disse que o Ministério Público precisa provar esse dado. "O MP tem condição de provar, através, por exemplo, do número de processos que cada promotor está encarregado, o número de promotores no interior do Estado, as cidades onde acumulam mais processos."
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