Sem a liderança da Presidência, a reforma será magra; lenta recuperação sem rupturas à frente
Parece que Bolsonaro foi bem-sucedido em seu objetivo. Conseguiu responsabilizar o Congresso Nacional pela necessidade de aprovação da reforma da Previdência.
Apesar de o Congresso responder aos interesses dos grupos e corporações lá representados e de ter dificuldade de ecoar o interesse difuso, a percepção de que não encaminhar nosso problema fiscal nos condena à recessão econômica é suficiente para movimentá-lo.
Ou seja, aparentemente a reforma será aprovada sem que Bolsonaro tenha que liderar o processo ou sem que ele tenha que operar nosso sistema político na chave tradicional.
Sempre achei muito ruim essa escolha do presidente. Penso haver evidências de ser possível operar nosso presidencialismo de coalizão de forma saudável.
Assim, dada a recusa do presidente em empregar os instrumentos tradicionais da política, a reforma será aprovada "por gravidade". Por esse motivo iniciei a coluna afirmando que há sinais de que Bolsonaro foi bem-sucedido. Há custos, no entanto. Ao operar a política dessa forma, o que será aprovado será muito pouco e muito tarde. Essa é minha expectativa.
Temos que avaliar, portanto, qual será a reação da economia a esse desfecho medíocre da reforma.
Na minha avaliação, não haverá rupturas. Há quatro amortecedores aos impactos do desequilíbrio de nosso contrato social --que estabelece uma estrutura de gasto do setor público incompatível com a receita-- sobre a economia.
Primeiro, a sólida posição de reservas: a desvalorização do câmbio reduz a dívida pública líquida.
Segundo, a emenda constitucional 95, que estabeleceu um limite ao crescimento do gasto primário da União e prevê uma série de medidas corretivas que serão automaticamente adotadas quando o limite for ultrapassado. O limite certamente será ultrapassado. O item mais importante dessas medidas de contenção é a manutenção do valor real do salário mínimo, medida, aliás, corretamente já adotada para 2020.
Terceiro, a própria reforma da Previdência muito diluída produz algum alívio no crescimento dos gastos públicos.
Quarto, a inflação baixa com seus fundamentos em ordem --núcleos da inflação e inflação de serviços bem comportados (serviços devem fechar o ano rodando a 3,6%)-- indica que não haverá tão cedo um ciclo de alta de juros. Em razão da surpresa negativa na atividade, pode até haver um ciclo de baixa.
Essas medidas são suficientes para gerar algum grau de previsibilidade e alguma moderação na trajetória do endividamento.
A incapacidade de tratar o conflito distributivo de forma mais permanente, no entanto, dificulta mirar o longo prazo. O investimento não deve voltar.
A economia ficará apática, rodando em torno de 2% ao ano --ou um pouco menos-- à espera de tempos melhores. O desemprego não cairá.
O câmbio deve se desvalorizar lentamente, em algum momento a inflação começará a apertar, o risco-país deve subir lentamente, e o prêmio de risco cobrado pelo alongamento da dívida pública aumentará.
O maior custo do alongamento do prazo da dívida pública produzirá processo natural de encurtamento do seu prazo de vencimento. A elevação da dívida e o encurtamento de seu prazo reduzirão a potência da política monetária.
Lentamente observaremos a deterioração dos fundamentos.
Se nada mais drástico no campo fiscal for feito, lentamente caminharemos em direção à Argentina. A inflação por lá já bate 55% ao ano, pois Macri não conseguiu renegociar o pacto social. Caminhamos para lá. Mas levará tempo.
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