Ministério Público é contra termos definidos em tratativas sigilosas e tentará convencer atingidos a não fechar o acordo. Defensoria e mineradora defendem negociações
Leonardo Augusto, Especial para O Estado
25 de abril de 2019 | 03h00
BELO HORIZONTE - Um acordo fechado entre a Vale e a Defensoria Pública do Estado de Minas para vítimas da barragem da mineradora em Brumadinho rachou a força-tarefa que investiga a tragédia. As trataivas são avaliadas pela promotoria e pela Defensoria Pública da União como prejudiciais aos atingidos. Já a Defensoria Pública do Estado afirma que "não existe" uma força-tarefa atuando em relação ao rompimento da barragem.
O acordo, segundo o Ministério Público, foi assinado à revelia de outros integrantes da força-tarefa que atuam nas negociações para pagamento de indenização e ressarcimento por danos provocados pela lama que desceu da barragem após seu rompimento, que completa três meses nesta quinta-feira, 25. "Temos todo respeito ao Ministério Público, mas não temos de ter sua autorização para trabalhar", rebateu o defensor público estadual Felipe Soledade. "Nosso compromisso é com os atingidos", disse.
O termo, segundo o promotor André Sperling, foi estabelecido com critérios da própria Vale, que já haviam sido recusados nas negociações com toda a força-tarefa. A prova disso, ainda segundo o promotor, é que valores previstos no acordo fechado entre a mineradora e a Defensoria Pública do Estado já haviam sido apresentados, e recusados, na mesa de negociação envolvendo todo o grupo investigador.
Veja imagens do rompimento de barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho
Havia, por exemplo, proposta para pagamento de R$ 500 mil em caso de filho falecido no rompimento da barragem e de R$ 150 mil por irmão morto na tragédia. "O que a Vale fez no acordo foi construir uma tabela, uma matriz de danos, para encaixar cada vítima. E fez tudo isso sem ouvir os atingidos. É uma tabela construída pelo próprio causador do dano", explicou o promotor.
Sperling, que chamou de "traição" o comportamento da Defensoria Pública do Estado, afirma ainda que o acordo, fechado no início do mês, foi mantido sob segredo. "Só conseguimos acesso na semana passada, depois de pedirmos à justiça em Brumadinho que o termo fosse anexado a um processo relativo à tragédia que corre na comarca local".
O defensor público estadual Soledade afirma que valores que constavam no acordo não foram tornados públicos por segurança. "Ou colocaríamos os atingidos sob risco da atuação de ladrões." Conforme Soledade, os valores foram fechados de comum acordo entre a Defensoria e a Vale.
Nesta quinta-feira, 25, Sperling pretende convencer os atingidos pela barragem, em reunião pública na cidade, que não é uma boa saída assinar o acordo. "Estamos lidando com muita gente humilde, que muitas vezes não tem todo o conhecimento sobre os direitos que têm. Caso assinem esse termo, por exemplo, não haverá a possibilidade de reclamações futuras sobre questões individuais", afirmou o promotor.
A defensora pública federal Lígia Prado da Rocha, que acompanha a situação em Brumadinho desde o dia da tragédia, ressaltou que, ao longo de toda a negociação, o objetivo da força-tarefa foi o de operar coletivamente. "Sempre buscamos ações coordenadas com participação coletiva, porque a experiência com Mariana é que as pessoas saíram prejudicadas por acordos aprazíveis no curto prazo, mas no longo prazo, não".
Soledade, no entanto, afirma não compreender a "insatisfação" da colega no plano federal. "A força-tarefa não existe. As pessoas precisam receber, tocar a vida. Se criticam o que fazemos, querem o quê? Que aconteça como em Mariana, que ninguém recebe nada? Trabalhamos em conjunto quando é pertinente, quando a missão é só nossa, temos que tomar iniciativas."
'Solução justa e célere', diz Vale
A Vale informou por nota que "visando a uma solução célere e justa para danos individuais, a Vale celebrou com a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) um Termo de Compromisso para indenização de danos materiais e morais, referente ao rompimento da Barragem I, da mina Córrego do Feijão. A Vale ressalta que, embora tenha criado esta via direta de negociação consensual, caberá ao atingido optar qual é o meio mais adequado para buscar seus direitos. O Termo de Compromisso é um documento sigiloso por conter valores sobre danos morais. De forma a resguardar a privacidade e a segurança dos atingidos, os valores são sigilosos.”
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