O chanceler Ernesto Araújo disse que o nazismo foi um movimento de esquerda. Trata-se, obviamente, de um disparate, já que o nazismo é uma espécie de tipo ideal dos movimentos de extrema direita —e como tal é reconhecido por toda a comunidade acadêmica.
Hoje, contudo, proponho algo diferente. Proponho que apliquemos a Araújo o princípio da caridade. E o que diz o princípio da caridade? Ele diz que, no curso de uma disputa intelectual, devemos conceder às declarações analisadas a mais generosa interpretação possível. Isso significa que devemos tratá-las em princípio como racionais e bem-intencionadas. Só poderemos considerá-las falaciosas quando não houver outra leitura possível. Mais do que isso, se o raciocínio apresenta defeitos, devemos reconstruir o argumento, tornando-o mais claro e livrando-o de erros laterais.
Trocando em miúdos, existe algum plano, ainda que muito etéreo, em que a declaração do chanceler faça sentido? Da forma como ele colocou, receio que não, mas, se esquecermos as noções de esquerda e direita e adotarmos o dogmatismo ideológico como fio condutor, aí é possível aproximar não só o nazismo do stalinismo —o tipo ideal de totalitarismo de esquerda— como também das guerras religiosas.
Com efeito, a literatura especializada sustenta que a violência tem poucas causas principais. Steven Pinker identifica cinco: predação (violência com vistas a atingir um fim), dominância (desejo de obter prestígio), vingança (propensão a reparar injustiças), sadismo (o mal por prazer) e a ideologia (criar a sociedade perfeita ou concretizar os desejos de Deus). Enquanto as quatro primeiras costumam definir casos de violência interpessoal, é a última que aparece nas grandes tragédias históricas.
O problema de Araújo é que ele não parece dar-se conta de que sua interpretação do nazismo é ela mesma uma manifestação de dogmatismo ideológico.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".
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