Ana Estela de Sousa Pinto
SÃO PAULO
Elas ocupam nas calçadas um espaço que já é reduzido por bancas de jornal, mesas, cadeiras, placas e outras tralhas. Apesar disso, patinetes elétricas são bem toleradas por moradores e frequentadores do Itaim-Bibi (zona oeste paulistana), um dois bairros em que mais circulam esses veículos desde o último semestre.
Um dos motivos é o próprio congestionamento das calçadas e sua má conservação. “Nem tem como andar muito rápido”, diz o segurança Nilton Oliveira Santos, 41.
De seu posto à frente de um prédio na rua Pedroso Alvarenga, ele observa o que a Folha constatou por conta própria: com rodas pequenas e pouca margem de manobra, o veículo exige marcha lenta sobre pisos irregulares.
À espera de regulamentação municipal, o uso da patinete segue resolução do Contran: pode ocupar ciclovias e ciclofaixas (a no máximo 20 km/h) e calçadas, a até 6 km/h. Essa velocidade —semelhante a de uma pessoa andando rapidamente— é impraticável nos horários de pico no Itaim.
“Venho bem devagar, quase parando”, diz a consultora Gabriela Brephol, 24, na calçada da rua João Cachoeira. A lentidão não atrapalha. “A sensação de deslizar é tão boa. Volto mais feliz para o trabalho depois do almoço.”
Grande parte dos usuários, porém, prefere andar pela rua. O economista Luiz Eduardo Messa, 40, só sai da pista de rolamento se o trânsito está muito denso. “A calçada é muito desconfortável”, concorda o engenheiro Vinicius Kemmer, 32.
Para quem caminha pelo bairro, há outros candidatos a vilão. A pedagoga Maria Hermínia Lombardi, 88, cruza tranquilamente com patinetes todos os dias. “O problema são as motos. Não respeitam sinal fechado nem faixa de pedestre, e andam até pela contramão.”
Dona de uma banca de jornais Lucia Rosária dos Santos, 64, quase foi atropelada duas vezes. Por bicicletas. “Vivem pela calçada, e as de entrega correm muito. Qualquer dia vai ter desgraça feia.”
Aos 93, o funcionário público aposentado Mario Corbisier caminha com a ajuda de uma bengala e não se sente importunado nem por bicicletas nem por patinetes. “Quer saber o que me incomoda? É o carro. Outro dia quis passear com o meu e fiquei uma hora preso no trânsito.”
Recém-chegada de San Francisco, cidade que chegou a banir as patinetes, a economista Tainakã Tacca se sente mais segura no Itaim.
Na cidade americana, conta ela, o carrinho em que levava sua filha de 9 meses quase foi atropelado. Tainakã é a favor das patinetes, “uma ótima opção de mobilidade”, mas sente falta de regulação.
“Precisa organizar melhor, deixar claro que o pedestre é prioridade e aumentar a segurança para o usuário.”
No processo iniciado neste sábado pela prefeitura, um dos pontos em discussão é o tráfego pela calçada. O secretário de Mobilidade e Transportes, Edson Caram, defende a proibição: “Nossas calçadas hoje não são tão largas ou adequadas às vezes nem para o pedestre. Não dá para dividir com ciclista ou patinete.”
João Sabino, diretor de Relações Governamentais da Yellow, uma das empresas que operam patinetes na cidade, discorda: “No mundo todo, as ruas e calçadas vão mudando com os novos conceitos de transporte. Se falta espaço nas calçadas, o melhor é ampliá-las para comportar os novos meios de transporte”.
Opinião semelhante tem o vereador Police Neto (PSD), autor de um projeto de lei que organiza os serviços de compartilhamento de patinetes e bicicletas (o texto entrou em consulta pública em janeiro).
“Se tem mais gente querendo andar a pé ou de patinete, precisa mudar o sistema viário: ampliar a calçada, iluminar, investir mais nessas novas formas de mobilidade.”
Paula Nader, cofundadora e executiva da Grin —que na última semana se uniu à Yellow em uma nova holding— diz o melhor caminho é informar e orientar para criar uma nova cultura de convivência.
“Há oportunidades para melhorar e readaptar as calçadas para incorporar também as patinetes”, diz ela.
A julgar pelas cerca de 40 entrevistas feitas em cinco horas de visita à região, as patinetes parecem incomodar mais os pedestres quando estão paradas —ou “largadas”— em locais impróprios. “É uma falta de respeito com os cadeirantes”, reclama a consultora tributária Amanda Brandão, 36.
A Folha viu e fotografou veículos atravessados na calçada, sobre faixas de pedestre ou no meio do piso tátil usado por deficientes visuais.
Disciplinar esse estacionamento é outro item que vai ser discutido entre prefeitura e empresas. O secretário Caram defende também a redução da velocidade permitida nas ciclovias —na semana passada, dois acidentes com ferimentos foram registrados nessas vias exclusivas, nas avenidas Faria Lima e Berrini.
Já no bairro, não há relatos de problemas, segundo o 1º Batalhão de Polícia de Trânsito, responsável por policiamento e fiscalização de trânsito no Itaim-Bibi. O órgão afirma que não registrou ocorrência de acidente de trânsito envolvendo patinetes elétricas, nem recebeu reclamações relacionadas ao seu uso.
O arquiteto Bruno Valente, 40, trabalha na rua Augusta (centro) e pensa em usar o novo modelo de transporte para completar trajetos fora do metrô. Vai ser útil, como acontece com as bicicletas. Às vezes preciso fazer trajetos pequenos entre estações e prefiro ir a pé do que usar metrô, diz ele, que achou a patinete elétrico seguro Rivaldo Gomes/Folhapress
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ERNESTO PICHLER
Há 5 horas