Resultados são imediatos, como maior tempo com amigos e familiares e mudança no humor
Benedict Carey
NOVA YORK
O hábito digital mais comum do mundo não é fácil de abandonar, mesmo depois de um surto de indignação moral sobre os riscos para a privacidade e as divisões políticas que o Facebook criou, em meio a preocupações sobre os efeitos do hábito sobre a saúde emocional dos usuários.
Ainda que 40% dos usuários do Facebook digam ter abandonado o uso do serviço por períodos prolongados em algum momento, a plataforma digital continua a crescer.
Mas o que acontece se você de fato sair? Um novo estudo, o mais abrangente até agora, oferece uma previsão.
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As consequências serão bastante imediatas: mais tempo passado em pessoa com amigos e parentes. Menos informação política, mas também menos paixão partidária. Uma pequena melhora nas mudanças de humor cotidianas e na satisfação com a vida. E, para o usuário médio do Facebook, uma hora a mais de lazer por dia.
O estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade Stanford e da Universidade de Nova York, ajuda a esclarecer o debate incessante sobre a influência do Facebook no comportamento, pensamento e atitudes políticas de seus usuários mensais ativos, que chegam a 2,3 bilhões em todo o planeta. O estudo foi postado recentemente no Social Science Research Network, um site de acesso aberto.
"Para mim, o Facebook é uma daquelas coisas compulsivas", disse Aaron Kelly, 23, universitário em Madison, Wisconsin. "É realmente útil, mas sempre senti que desperdiçava meu tempo nele, me deixava distrair dos estudos, ou o usava sempre que me sentia entediado".
Kelly, que estimou que passa uma hora por dia na plataforma, participou do estudo "porque era bacana ter uma desculpa para desativá-lo e ver o que acontecia", disse.
Bem antes que irrompessem as notícias de que o Facebook compartilhava dados de seus usuários sem o consentimento deles, cientistas e usuários habituais já debatiam de que forma a plataforma havia mudado as experiências cotidianas.
Diversos psicólogos argumentam há anos que o uso do Facebook e outros veículos de mídia social está vinculado a perturbações mentais, especialmente em adolescentes. Outros compararam o uso habitual do Facebook a uma desordem mental, equiparando-o ao vício em drogas e até mesmo publicando imagens de ressonância magnética que supostamente mostram o que o vício em Facebook "causa no cérebro".
Quando o Facebook publicou análises para testar essas afirmações, a empresa foi severamente criticada.
O novo estudo, um teste com seleção aleatória bancado primariamente pela Fundação Alfred P. Sloan, uma organização apartidária que financia pesquisas científicas, tecnológicas e econômicas, delineia um retrato nuançado e balanceado quanto ao uso diário do serviço, que não deve se provar satisfatório nem para os críticos nem para os defensores da plataforma.
O estudo, assim como análises semelhantes por organizações de pesquisa, ainda não passou por revisão científica. O jornal New York Times pediu a cinco especialistas independentes que avaliassem sua metodologia e resultados.
"É um trabalho impressionante, e eles se saem bem no estabelecimento de causalidade", disse Erik Brynjolfsson, diretor da Iniciativa de Economia Digital do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), que não participou da pesquisa.
"Essa é a maneira de responder a questões desse tipo; é o padrão ouro de como fazer ciência. Muito do que ouvimos antes sobre os efeitos da mídia social se baseava em levantamentos realizados por meio de entrevistas", ele afirmou.
Um relações públicas do Facebook declarou, por escrito, que "este é um dos muitos estudos sobre esse tópico, e deve ser encarado dessa maneira". A declaração citava trechos do estudo, segundo o qual "o Facebook produz grandes benefícios para seus usuários" e que "qualquer discussão do lado negativo da mídia social não deve obscurecer o fato de que ela atende a necessidades profundas e generalizadas".
Os pesquisadores— liderados por Hunt Allcott, professor associado de economia na Universidade de Nova York, e Matthew Gentzkow, economista de Stanford —usaram anúncios no Facebook para recrutar participantes de mais de 18 anos de idade que usassem a plataforma por pelo menos 15 minutos diários. A média de uso diário era de uma hora, e os usuários pesados usavam o Facebook por duas ou três horas ao dia, ou até mais.
Quase 3.000 usuários aceitaram o convite e responderam a questionários extensos sobre sua rotina diária, opiniões políticas e estado de espírito em geral.
Metade dos usuários, selecionados aleatoriamente, foram instruídos a desativar suas contas de Facebook por um mês, em troca de um pagamento. O valor a ser pago era um dos grandes interesses dos pesquisadores: quanto vale, em dinheiro, um mês de acesso às fotos, comentários, grupos, amigos e newsfeeds do Facebook? Em média, cerca de US$ 100, o estudo constatou.
Durante o mês de abstinência, a equipe de pesquisa, que incluía também Sarah Eichmeiyer e Luca Braghieri, de Stanford, acompanhava regularmente as contas de Facebook dos participantes para garantir que aqueles que concordaram em se manter afastados não as tivessem reativado. (Apenas cerca de 1% deles o fez.)
Os participantes também recebiam mensagens de texto, às quais respondiam com avaliações sobre seu estado de humor. Esse tipo de monitoração em tempo real é visto como capaz de prover avaliação psicológica mais exata do que, por exemplo, um questionário respondido horas ou dias mais tarde.
Alguns dos participantes disseram que não apreciavam os benefícios da plataforma até que a abandonassem. "O que me fez falta foram as conexões com pessoas, é claro, mas também os eventos de streaming no Facebook Live, especialmente sobre política, quando você sabe que está assistindo com pessoas de interesses parecidos", disse Connie Graves, 56, prestadora de serviços de saúde domésticos no Texas, e uma das participantes. "Também percebi que gosto de ter um lugar onde posso obter todas as informações que desejo, na hora, tudo lá".
Ela e as demais pessoas que deixaram a rede mantiveram seu acesso ao Facebook Messenger, durante o estudo. O Messenger é um produto separado, e a equipe de pesquisa decidiu permiti-lo porque é semelhante a outros serviços de mídia para comunicação interpessoal.
No final do mês de estudo, as pessoas que deixaram a rede e o grupo de controle voltaram a responder a extensos questionários que avaliavam as mudanças em seu estado de espírito, conscientização política e paixão partidária, bem como o vai e vem de suas atividades cotidianas, online e offline, desde o começo do experimento.
Para as pessoas que ficaram fora da rede, abandonar o Facebook liberou cerca de uma hora por dia, em média, e mais que o dobro disso para os usuários mais assíduos. Eles também reportaram que passaram mais tempo offline, com amigos e parentes ou assistindo TV.
"Eu teria antecipado maior substituição do Facebook por outras coisas digitais - Twitter, Snapchat, navegação pela internet", disse Gentzkow. "Isso não aconteceu muito, o que, pelo menos para mim, foi uma surpresa".
Nos testes de informação política, as pessoas que ficaram fora da rede tiveram resultados alguns pontos mais baixos do que tinham antes da desativação de suas contas.
"As constatações sobre informações políticas sugerem que o Facebook é uma fonte importante de notícias e que as pessoas prestam atenção a ele", disse David Lazer, professor de ciência política e ciência da computação e da informação na Universidade Northeastern. "Não é uma constatação trivial. Os resultados poderiam ter ido para os dois lados. Seria possível imaginar que outras conversas e informações no Facebook sufocassem o consumo de notícias".
Os resultados quanto a diversos indicadores de polarização política foram contraditórios, ainda que uma escala, a de "polarização quanto a questões", tenha mostrado queda de 5% a 10% entre as pessoas que abandonaram o Facebook, enquanto se manteve inalterada para o grupo de controle.
"É difícil saber como avaliar essa informação", disse Gentzkow. "Pode ser que ver muitas notícias e informações políticas no Facebook tenda a polarizar as pessoas. Mas quando elas saem do Facebook, isso não necessariamente significa que usem o tempo adicional para ler o The New York Times".
Ou seja, pode ser que uma redução no volume de informações recebidas torne as pessoas menos partidárias, mas essa relação não é nada clara.
O resultado mais notável do estudo pode ser o de que a desativação do Facebook teve efeito positivo, ainda que modesto, quanto ao estado de espírito e a satisfação com a vida, entre os participantes. A constatação ajuda a rebater a suposição generalizada de que o uso habitual de mídia social causa perturbações psicológicas reais.
A ideia foi extraída em parte de levantamentos nos quais usuários de mídia social respondem a perguntas sobre a intensidade de seu uso dessas plataformas e sobre seus humores usuais. Por exemplo, uma pesquisa liderada por Ethan Kross, professor de psicologia da Universidade de Michigan, determinou que navegação passiva na mídia social por períodos prolongados se correlaciona a pioras de humor, se comparada a engajamento mais ativo.
Mas pesquisas anteriores não foram capazes de determinar se variações de humor se seguiam ao uso pesado de mídias sociais ou se pessoas propensas a variações de humor tendiam a usar mais a mídia social. O novo estudo aponta para a segunda explicação.
Se o uso pesado do Facebook causasse variações de humor, a expectativa dos pesquisadores seria a de que o humor dos usuários pesados que saíram temporariamente da rede melhorasse consideravelmente, em comparação com usuários mais moderados. Mas isso não aconteceu, o que aponta que os usuários mais intensivos já estavam sujeitos a variações de humor antes que o Facebook os atraísse mais profundamente.
Em entrevista, Kross disse que era cedo demais para extrair conclusões firmes sobre os efeitos psicológicos de abandonar o Facebook. Ele apontou para dois estudos menores, também com seleção aleatória, conduzidos recentemente, que viam melhora no humor dos participantes quando seu acesso à mídia social era restringido.
"O que aprendi com esses três estudos" - o de Stanford e os dois menores - "é que precisamos saber mais sobre como e quando o uso da mídia social impacta o bem estar, e não concluir que não existe uma relação", ou que esta é muito amena, disse Kross.
Até agora, o debate quanto aos efeitos da mídia social sobre a saúde mental se concentraram principalmente nas crianças e adolescentes, e não na população mais velha, que foi o foco do novo estudo.
"Em termos de faixas etárias, eles estão comparando categorias incomparáveis", disse Jean Twenge, psicóloga e autora de "iGen: Why Today’s Super-Connected Kids Are Growing Up Less Rebellious, More Tolerant, Less Happy" [geração I: por que os garotos superconectados são menos rebeldes, mais tolerantes e menos felizes].
"É inteiramente possível, e mesmo provável, que as dinâmicas da mídia social e do bem-estar sejam diferentes entre os adolescentes e as pessoas com mais de 30 anos", ela disse.
Os psicólogos e os cientistas da computação vêm afirmando que a mídia social é viciante, e poucos usuários habituais do Facebook discordariam. O novo experimento ofereceu provas consideráveis provas em favor dessa visão. Depois que ele foi concluído, os participantes que passaram um mês longe da rede disseram que planejavam reduzir seu uso do Facebook, e foi o que fizeram, moderando seus hábitos anteriores - pelo menos por algum tempo.
Cerca de 10% deles continuavam abstinentes uma semana mais tarde, ante 3% dos integrantes do grupo de controle, que haviam desativado suas contas voluntariamente; e 5% mantinham a abstinência dois meses depois do final do teste, ante 1% no grupo de controle.
Os incentivos financeiros contam história parecida. Depois que o período de abstinência do teste se encerrou, os pesquisadores perguntaram aos participantes que haviam deixado o Facebook quanto seria preciso lhes pagar para que ficassem mais um mês fora da rede social, hipoteticamente. Nesse caso, o preço caiu abaixo de US$ 100 - ainda que não para todo mundo.
"Eu lhes disse que cobraria US$ 200 por quatro semanas", disse Graves, que ainda não retornou ao Facebook. "No mínimo".
Tradução de Paulo Migliacci
THE NEW YORK TIMES
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