José Fucs, O Estado de S.Paulo
03 Fevereiro 2019 | 05h00
Oficialmente, ele não ocupa nenhum cargo no governo nem faz parte da assessoria pessoal do presidente Jair Bolsonaro. Tampouco participou da equipe de transição. Ainda assim, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) assumiu um protagonismo inusitado na nova administração.
Terceiro dos cinco filhos do presidente e o caçula entre os três que se fizeram na política à sombra do pai, Eduardo, de 34 anos, é o herdeiro que tem se mostrado mais à vontade até agora no governo. Embora reeleito com quase 2 milhões de votos, a maior votação já obtida por um deputado federal, ele parece mais envolvido com o dia a dia do Executivo do que com as questões mais urgentes do Congresso, como as articulações para formação de um bloco de apoio às reformas, em especial a da Previdência, considerada fundamental para o equilíbrio das contas públicas.
Como uma espécie de 23.º ministro, com o cacife reforçado pelos laços familiares com Bolsonaro, Eduardo circula com desenvoltura nos corredores do poder, pontifica sobre as diretrizes do governo, faz contatos internacionais em nome do pai, à margem do Itamaraty, e foi o único parlamentar a acompanhar o presidente ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Nos bastidores, ele manobra como qualquer representante da “velha política”, para emplacar nomes de seu relacionamento no primeiro e no segundo escalões e interferir na redistribuição de órgãos entre ministérios.
Ativista inflamado. Eduardo foi procurado pelo Estado para comentar a questão e outros temas abordados nesta reportagem, mas não retornou os contatos feitos via WhatsApp e celular. Seu assessor de imprensa chegou a responder às mensagens que o jornal lhe enviou, mas não agendou a entrevista. As informações incluídas aqui foram apuradas com críticos e aliados de Eduardo, que convivem ou já conviveram com ele, mas preferiram manter o anonimato.
Considerado o representante mais ideológico do clã, ele teve participação ativa na nomeação do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, cuja indicação foi atribuída ao escritor e pensador Olavo de Carvalho, de quem é um fiel seguidor e a quem chama de “o maior filósofo brasileiro vivo”.
Como ativista inflamado contra o que classifica de “marxismo cultural”, presente, em sua visão, nas universidades, nas escolas, na mídia e no mundo do entretenimento, ele teria se envolvido também, segundo quem acompanhou a formação da equipe de Bolsonaro, na nomeação do ministro Ricardo Vélez Rodriguez, da Educação, outro integrante do governo indicado por Olavo.
Em sua cota pessoal, destacam-se as indicações de Filipe G. Martins, assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, que o acompanha há anos, e as da empresária Letícia Catelani, sua ex-namorada, e do ex-assessor parlamentar Márcio Coimbra, para diretorias da Agência Brasileira de Promoção das Exportações (Apex), com salários na faixa de R$ 40 mil. Antes, com o apoio de Araújo, ele já havia convencido Bolsonaro a manter a Apex com o Itamaraty, contra a demanda do ministro Paulo Guedes, da Economia, que queria o órgão sob seu comando.
Convescote. A relação de Eduardo com a bancada do PSL – que deve chegar a 55 deputados e se igualar à do PT como a maior da Câmara, com a cassação do mandato de um parlamentar petista – foi marcada até agora mais pelos “barracos” de que foi protagonista do que pelo empenho em organizar o trabalho dos correligionários, muitos dos quais são novatos no Legislativo.
Depois de chamá-los de “favelados” e afirmar que só conseguiram se eleger por causa do pai, Eduardo se envolveu numa discussão acalorada no grupo dos parlamentares do PSL no WhatsApp. No bate-boca, que vazou para a imprensa, ele disse que a deputada Joice Hasselmann, eleita com mais de 1 milhão de votos, é “sonsa” e tem “fama de louca”. “Não admito nem te dou liberdade para falar assim comigo. Ponha-se no seu lugar”, retrucou Joice.
Numa outra frente, ao debochar de um convescote realizado por um grupo de parlamentares do PSL na China, em janeiro, foi confrontado pelo advogado Cléber Teixeira, chefe de gabinete do deputado Alexandre Frota, que participou da farra. “Se ele falar nesse tom no gabinete do Frota, quebro a cara dele”, disse.
O ambiente ficou tão carregada que Eduardo e seus aliados já discutem a união dos parlamentares do PSL considerados como “direita puro-sangue” e a possível migração para outra legenda. Ao mesmo tempo, ele organizou uma peregrinação de um grupo de deputados do partido para Richmond, na Virgínia, nos Estados Unidos, onde vive Olavo de Carvalho, para receber uma espécie de “batismo ideológico”.
Como conta quem convive com o clã, Eduardo não é tão próximo do pai quanto seu irmão Carlos, o segundo mais velho do trio, vereador do PSL no Rio de Janeiro e responsável pela bem-sucedida campanha de Bolsonaro nas redes sociais. Mas também não é tão distante quanto Flávio, o primogênito, eleito senador pelo Rio também pelo PSL. Flávio, que já era o mais independente, afastou-se ainda mais do pai e dos irmãos com a divulgação do chamado Caso Queiroz, no qual um ex-assessor seu é investigado por movimentações financeiras atípicas em sua conta bancária.
“Saia justa”. Talvez, Eduardo também não tenha a mesma influência de Carlos junto ao presidente, como se diz, e seja o que mais problemas costuma criar para o pai – ao menos até o surgimento do Caso Queiroz. Por suas declarações controversas, Eduardo já levou vários pitos de Bolsonaro, nos quais ele desautorizava o “garoto” em público.
Foi o que aconteceu quando falou sobre uma possível rejeição da reforma da Previdência pelo Congresso. Ou quando criou uma “saia justa” para Bolsonaro na campanha, com a divulgação de um vídeo em que dizia que bastavam “um jipe, um cabo e um soldado” para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF).
Nada isso, porém, parece abalar a relação de Eduardo com o pai ou constrangê-lo em seus movimentos. Ao contrário. Na situação de filho do presidente, referendada por um resultado excepcional nas urnas, Eduardo parece convencido de que tem a força e está blindado em sua atuação de ministro sem pasta.
Ambicioso, ele pode estar se preparando para voos mais altos. Questionado por uma jornalista sobre seu desejo de suceder o pai em 2022, durante uma viagem ao Chile em dezembro, Eduardo respondeu: “Não estou trabalhando para daqui a quatro anos ser presidente do Brasil. Mas, se as coisas correrem naturalmente, por que não?”.
Contradição entre o discurso e a realidade
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) defende a moralização da administração pública, mas nem sempre se mostra disposto a abandonar privilégios que, se não são ilegais, simbolizam o sistema de benesses em vigor no País, que ele tanto critica.
Embora tenha morado com o pai em seu primeiro mandato, de 2015 a 2018, Eduardo recebeu auxílio-moradia, de R$ 4,3 mil por mês. Além disso, apesar de ter se reeleito e de já ter moradia na cidade, ele embolsou no final de 2018 R$ 33,7 mil em auxílio-mudança pago pela Câmara.
Por suas publicações truculentas nas redes sociais, nas quais tem milhões de seguidores, e por suas propostas polêmicas, Eduardo já foi chamado de pitbull do clã. Ele próprio afirma, porém, amparado pelo pai, que o verdadeiro pitbull da família é seu irmão Carlos, vereador no Rio de Janeiro.
Aqueles que tiveram ou tem contato com Eduardo dizem que, pessoalmente, ele não lembra nem de longe o ativista aguerrido que mostra ser em seus discursos e na internet. É até difícil acreditar, mas, segundo eles, Eduardo é gentil e não costuma partir para o confronto direto com seus interlocutores.
Formado em Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 2008, ele passou num concurso para escrivão da Polícia Federal e atuou na cidade de Guajará-Mirim, em Rondônia, na fronteira com a Bolívia, no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, e na capital paulista, até se eleger deputado pela primeira vez pelo PSC, em 2014.
Semente liberal. Em 2016 e 2017, ele cursou a pós-graduação em Escola Austríaca, de orientação ultraliberal, no Instituto Mises Brasil, levado pela empresária Letícia Catelani, que assumiu em janeiro uma diretoria da Agência Brasileira de Promoção de Exportações (Apex), por indicação dele.
Provavelmente, foi Eduardo quem plantou a semente do liberalismo em Bolsonaro, abrindo espaço para ele se aliar a Paulo Guedes, hoje ministro da Economia. Mas, apesar de se dizer um defensor do livre mercado, ele segue a máxima do filósofo Olavo de Carvalho de que a questão mais relevante é a cultural e não a econômica.
Surfista do tipo “menino do Rio”, que já pegou onda no Havaí e em Bali, na Indonésia, Eduardo aproveitou a realização da Cúpula Conservadora das Américas, em dezembro, em Foz do Iguaçu, para pedir, de joelhos, diante da plateia, sua noiva, a psicóloga Heloísa Wolf, em casamento.
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