As empreiteiras também acharam que, apesar do barulho, aquele tal de juiz Moro estava perdendo seu tempo
Os doutores das mineradoras precisam conferir o prazo de validade da vitória que conquistaram depois do desastre de Mariana. Morreram 19 pessoas, foram aplicadas 56 multas totalizando R$ 716 milhões, ninguém foi para a cadeia e até hoje a Samarco (sócia da Vale) só desembolsou R$ 41 milhões. Se as empresas tivessem a qualidade de seus advogados, nenhuma barragem teria rompido.
As mineradoras foram competentes para construir uma barragem política, judicial e administrativa. Projetos de aperto na fiscalização das barragens estão travados no Senado, na Câmara e na Assembleia de Minas. Uma iniciativa que elevaria para R$ 30 milhões o valor das multas cobradas às empresas atolou no Congresso, e o teto ficou em R$ 3.200.
O Código de Mineração foi escrito em computadores de um escritório de advocacia de São Paulo entre cujos clientes estava a Vale.
O setor do Ministério de Minas e Energia que cuida de geologia e mineração foi dirigido e aparelhado por quatro veteranos da Vale. Uma empresa da família do deputado Leonardo Quintão (MDB-RJ) explorou a bacia de rejeitos de Brumadinho. Por coincidência, o doutor relatou o Código de Mineração na Câmara. Como não se reelegeu, aninhou-se na Casa Civil de Bolsonaro. A Agência Nacional de Mineração tem 35 fiscais para 790 barragens de rejeitos.
Disso resultou que as sirenes da barragem de Brumadinho não foram acionadas, e a Vale explica esse detalhe atribuindo o silêncio "à velocidade com que ocorreu o evento". Os circuitos cerebrais do inventor dessa patranha devem estar desligados há anos.
No caso de Mariana, a Vale assumiu uma atitude de rara arrogância. Primeiro tentou dissociar-se do desastre dizendo que, apesar de sócia do negócio, a barragem era de outra empresa, a Samarco. Clovis Torres, então diretor jurídico da Vale, foi mais longe: "A Samarco não é um botequim. Não é uma empresa qualquer". Ofendeu os donos de botequim.
A barragem das mineradoras teve solidez. Assemelhou-se à das grandes empreiteiras em 2009, quando a Camargo Corrêa foi varejada pela Operação Castelo de Areia. Estava tudo lá, grampos, propinas e superfaturamentos.
Graças ao mecanismo da blindagem, a investigação foi desmanchada no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal. Em 2014, um juiz pouco conhecido chamado Sergio Moro entrou na Operação Lava Jato e deu no que deu. No ano seguinte, a Camargo Corrêa tornou-se a primeira grande empresa a colaborar com as autoridades abrindo uma fila onde entraram todas as outras.
A estratégia vitoriosa em Mariana foi a Castelo de Areia das mineradoras. Brumadinho deveria ser um apelo para que comece uma nova Lava Jato. As astúcias minerais e os malfeitos expostos pela Lava Jato têm diferenças na dinâmica, mas convergem no desfecho.
As empreiteiras distribuíam dinheiro para lesar a Viúva. As mineradoras blindaram-se para sedar a fiscalização e para controlar o poder público. Convergiram no dano, umas lesando o Tesouro, outras matando gente.
O prazo de validade da Castelo de Areia expirou com a Lava Jato. A estratégia usada em Mariana precisa ter o prazo de validade anulado.
Como as mineradoras conseguiram blindar Mariana, adormecer o Congresso e aparelhar a máquina fiscalizadora? Uma nova Lava Jato poderá trazer as respostas. Bastaria um juiz Moro e uma equipe de procuradores como a que surgiu em Curitiba. O resto vem por gravidade. O doleiro Alberto Youssef achou melhor falar, depois veio o engenheiro Paulo Roberto Costa, e assim foi. Se alguém fizer as perguntas certas, alguém falará.
A LIÇÃO DE CORDEIRO
O marechal Cordeiro de Farias foi uma espécie de coringa nas revoltas militares do século passado. Esteve na Coluna Prestes, na Revolução de 30 e nos levantes de 1945 e 1964.
Em 1974, quando o comunista Luiz Carlos Prestes declarou-se condômino da vitória eleitoral do MDB, o deputado Thales Ramalho espinafrou-o. Cordeiro tinha um afeto paternal por Thales e, ao encontrá-lo, disse-lhe:
"Não faça mais isso, seja qual for a tua divergência com o Prestes, ele é um personagem da história".
Thales foi um marquês do Império na política da República e narrava o episódio com humildade. O pessoal que impediu a ida de Lula ao enterro do irmão Vavá tisnou as próprias biografias.
(No governo do general Figueiredo, o delegado Romeu Tuma, da Polícia Federal, tirou Lula da cadeia para o enterro da mãe.)
UM CONSERVADOR
Os atrasados não são conservadores, são só atrasados.
Em 1974, pegou fogo um edifício comercial no centro de São Paulo e nele funcionavam escritórios do Citibank. Morreram 189 pessoas.
Quando Walter Wriston, presidente mundial do banco soube que alguns de seus empregados tinham sido queimados e que John Reed, seu futuro sucessor, estivera no prédio dias antes, determinou que todas as sedes do Citi no mundo seguissem as normas do Corpo de Bombeiros de Nova York.
A adaptação custou milhões de dólares.
Anos depois, ao ouvir essa história, o presidente brasileiro do Banco de Boston comentou: "É por isso que o Citi não consegue vender suas sedes". Em 2011, o banco foi vendido ao Itaú. (Em tempo, o banqueiro não era Henrique Meirelles.)
Wriston nunca teve empregada em casa, e quando foi sondado para ser secretário do Tesouro, recusou, porque não via razão para mostrar suas finanças ao governo. Impôs uma política de cotas ao RH e não promovia fumantes.
Era apenas um conservador.
MOURÃO FALADOR
Estranha turma a de Bolsonaro. Está contrariada porque o vice-presidente fala demais.
Mas foi precisamente por falar demais que o general Hamilton Mourão entrou na chapa do candidato.
Mourão calado é uma fantasia.
DR. EREMILDO
A imprensa persegue os governos.
Em 2009, o repórter Luiz Maklouf Carvalho mostrou que a biografia oficial de Dilma Rousseff apresentava-a como doutora em economia pela Unicamp sem que ela tivesse apresentado a tese que lhe daria o título.
Agora a repórter Anna Virginia Balloussier mostrou que a ministra Damares Alves se apresenta como "mestre em educação, em direito constitucional e direito da família" sem ter qualquer título de mestrado. A doutora explicou que a fonte de seu qualificativo é bíblica.
Eremildo, o idiota, é mestre em capoeira e xadrez.
É FRIA
Os çábios que orientam a defesa de Fabrício Queiroz acham que ele deve ir ao Ministério Público levando um texto e mantendo-se em silêncio.
Marcelo Odebrecht teve a mesma ideia. Meses depois começou a falar, ao vivo e em cores.
Os procuradores não têm pressa, só perguntas.
ENCRENCA
A próxima encrenca que azucrinará a vida de políticos do Rio poderá ser a comprovação de que dinheiro das milícias caía na conta de funcionários de gabinetes de alguns deputados.
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".
Nenhum comentário:
Postar um comentário