'Donos' do Legislativo estadual têm influência que ultrapassa a Casa e se estende para o governo
Gabriela Sá Pessoa
SÃO PAULO
Quando Campos Machado (PTB) entrou pela primeira vez na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), a atual Constituição Federal nem sequer existia. O ano era 1987, o primeiro dos últimos 31 do petebista na Casa.
Em junho, Machado conseguiu, a contragosto de Geraldo Alckmin (PSDB) e Márcio França (PSB), aprovar uma emenda à Constituição Estadual —que também não havia sido promulgada quando ele iniciou sua vida parlamentar.
Encampada pelo petebista, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) elevou o teto salarial do funcionalismo. A aprovação do projeto —apoiado pela maioria dos deputados, mas desaprovado pela maior bancada da casa, o PSDB— foi resultado da mobilização de servidores da Fazenda e da persistência de Machado, um dos mais longevos parlamentares no Legislativo.
Nesta legislatura, 48 dos 94 parlamentares completaram 12 anos na casa paulista.
O petebista é parte de um grupo que reúne nomes como Barros Munhoz (hoje no PSB, deixou o PSDB para apoiar França) e Edmir Chedid (DEM), que detêm ascendência sobre suas bancadas e influenciam nomeações no governo e em órgãos do estado. No PT, partido de oposição, Ênio Tatto é apontado como nome forte na bancada.
Há pelo menos uma década, a divisão de cargos e estruturas da Assembleia respeita o número de deputados que cada partido elege. Assim, a presidência fica com o PSDB (hoje, com 19 deputados) e o comando da Mesa Diretora fica dividido entre o PT (14 parlamentares) e o DEM (6).
Por cuidar da administração da Alesp, os deputados no comando da Casa têm poder de influenciar a nomeação de servidores de confiança em órgãos como a Secretaria Geral da Administração e no gabinete de Comunicação Social. Além dos funcionários que trabalham para a própria Mesa --somando todas as secretarias, são 245 cargos.
Há deputados, no entanto, que conseguem estender sua influência para além do Palácio 9 de Julho. O petebista Campos Machado, por exemplo, tem relações na Secretaria da Justiça e na Polícia Civil.
Dificilmente um presidente da Assembleia toma grandes decisões sem consultar os veteranos, sobretudo Machado.
As competências da Alesp incluem legislar e fiscalizar o Executivo. Para os deputados experientes, o trabalho que exercem cumpre essas funções? Em parte. Barros Munhoz avalia que, com a Constituição de 1988, os parlamentos estaduais perderam relevância diante das competências centralizadas no Congresso e nas Câmaras Municipais.
Restam às Assembleias temas como tributos, direito do consumidor, regulação ambiental e, claro, autorizações orçamentárias para o governo.
Isso explica, para Munhoz, a preponderância de projetos do governo na pauta da Alesp. Nas estimativas do deputado, que foi líder do governo na Casa até março, cerca de 80% do que é discutido e aprovado são demandas do Executivo.
A Folha pediu à Assembleia esse percentual, mas não recebeu nenhuma resposta. Também pediu entrevistas a Campos Machado e ao presidente da Casa, Cauê Macris (PSDB).
E as investigações? Pedidos de aberturas de CPIs não costumam prosperar, sobretudo pelo caráter governista do Legislativo, em que o PSDB e seus aliados tradicionalmente formam ampla maioria.
Em 2016, a comissão que investigou supostas fraudes na merenda e envolveu o ex-presidente da Alesp Fernando Capez (PSDB) terminou sem denunciar nenhum político.
"Os deputados pensam que CPI não adianta, porque depois encaminha o relatório para o Ministério Público. Não concordo. Isso é função da Assembleia", diz Edmir Chedid, presidente da CPI que apurou contratos de OSs (organziações sociais) com o estado.
A investigação proposta por Chedid difere de outros pedidos de investigação na Alesp: conseguiu superar o mínimo de 32 assinaturas para iniciar os trabalhos. Nenhuma proposta da oposição para apurar irregularidades em obras do estado, como o Rodoanel, consegue prosperar.
"Pedimos nas comissões a convocação de secretários e de dirigentes de empresas. No máximo, a gente consegue mudar de convocação para convite, e convite vem se quiser. A Assembleia, usando um dito popular, é um puxadinho do Palácio dos Bandeirantes", afirma Ênio Tatto.
A reportagem perguntou a Chedid por que os deputados conseguiram investigar as OSs e nunca o Rodoanel. Ele responde: "O próprio governo deveria querer ser investigado. Se nada deve, não deveria procurar obstruir CPIs, seja quem for o governo".
"Não vou falar que seja o governador, um secretário, mas acho que os próprios líderes da base aliada atuam para que os deputados não assinem a CPI", diz o expoente do DEM.
Um episódio desta quarta-feira (12) ajuda a entender o jogo de forças da Alesp. Pela manhã, a CPI das OSs quis, num relatório inicial, indiciar o governador Márcio França por improbidade administrativa. A falta do pessebista teria sido nomear o secretário-adjunto de Saúde Antonio Rugolo Junior, que dirigia uma entidade contratada pelo estado, mas se licenciou ao entrar no governo.
À tarde, Barros Munhoz, membro da comissão, manobrou e mudou o tom do relatório, que na versão final não comprometeu o governador.
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