quarta-feira, 9 de abril de 2025

A mancha de batom - Mariliz Pereira Jorge - FSP

 A extrema direita tem um talento indiscutível: se apodera de símbolos consagrados para defender o golpismo bolsonarista. Foi assim com a bandeira, o hino e as cores que representam todos os brasileiros.

É assim ao comparar os horrores da ditadura de 1964 ao rigor da lei com a qual é tratada por atacar a democracia.

Repete a dose ao tentar transformar o batom na representação do que juram ter sido um ato de resistência pacífica contra o Supremo Tribunal Federal. Michelle Bolsonaro ajudou a replicar a imagem do cosmético nas redes sociais e ao segurá-lo durante a sua fala em defesa da anistia para os envolvidos no 8 de janeiro, como Débora Rodrigues dos Santos, mais conhecida como a pichadora da estátua "A Justiça".

0
Manifestante identificada como Débora Rodrigues dos Santos picha a estátua da Justiça, na praça dos Três Poderes, com a frase 'perdeu, mané' - Gabriela Biló/Folhapress

O deputado Nikolas Ferreira teve a pachorra de comparar a cabeleireira a Rosa Parks. A ativista negra norte-americana é lembrada por não ceder seu lugar no ônibus para um homem branco, ato corajoso de desobediência civil diante da lei segregacionista da época. Um marco na luta contra o racismo nos Estados Unidos. A comparação feita pelo parlamentar do PL é um acinte à história dos direitos humanos, mas alimenta a massa delirante bolsonarista.

A cabeleireira, precisamos repetir mil vezes, não estava sozinha na praça dos Três Poderes e, num ato impensado, subiu na obra de Alfredo Ceschiatti. Ela não é julgada por ter pichado uma estátua. As acusações são as mesmas enfrentadas pelos integrantes do grupo ao qual ela pertencia: abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada. Não importa que ela carregasse apenas um batom.

Num passado não tão distante, o cosmético deu nome à articulação feminina no período da Constituinte. Tratado como chacota no início, o "Lobby do Batom", formado por parlamentares e representantes da sociedade, foi estratégico para garantir avanços na igualdade de gênero.

O que a extrema direita faz é mais do mesmo: tenta sequestrar e manchar o símbolo de um movimento democrático para manipular a opinião pública e alçar a mártir mais uma potencial candidata em futuras eleições.

Os incentivos a estados e municípios, FSP Idiana Tomazelli

  

Brasília

Mesmo com o maior crescimento da economia, que impulsiona as receitas tributárias, e a expansão das transferências de recursos da União para os entes subnacionais, o Congresso Nacional aprovou um amplo socorro financeiro para os estados. Parece um paradoxo.

Se os governos regionais estão arrecadando mais —inclusive os mais encalacrados, como Minas Gerais e Rio de Janeiro—, seria natural imaginar que parte da melhora fiscal fosse usada para equilibrar suas finanças, seguindo boas práticas de gestão. A realidade, porém, mostra um quadro distinto.

O plenário do Senado Federal durante votação da renegociação da dívida dos estados; na imagem, os governadores Cláudio Castro (Rio de Janeiro) e Romeu Zema (Minas Gerais), além do então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) - Pedro Ladeira - 17.dez.24/Folhapress

Nos últimos anos, estados e municípios usaram o reforço extra no caixa para acelerar despesas, que, no agregado, já superam os gastos diretos da União.

Os mais endividados brigam há anos na Justiça para se manter sob a proteção do RRF (Regime de Recuperação Fiscal) e evitar pagar suas dívidas com a União, ao mesmo tempo em que descumprem regras para dar aumentos salariais e gastar mais do que o acertado no plano de ajuste. Ainda assim, conseguiram liminares que reduziram o valor da parcela da dívida, afastaram punições ou proibiram o bloqueio de valores que, por contrato, deveriam ressarcir o Tesouro Nacional.

O próprio governo federal já fez o diagnóstico de que o alívio proporcionado pelo RRF está sendo canalizado por alguns estados para gastos com pessoal, em total contradição com os princípios do programa. Ainda assim, avalizou um novo socorro que não só dispensa contrapartidas efetivas de ajuste, mas beneficia até mesmo estados que estão com o pagamento em dia. É alívio de mão beijada para injeção de despesas na veia.

PUBLICIDADE

O Tesouro nega que haja uma crise dos estados. Se ela não existe, não havia motivo para socorro. O que o passado recente nos ensina é que é preciso ter atenção e cuidado com os incentivos que Executivo, Legislativo e Judiciário dão aos governos subnacionais.

São Paulo lidera o maior plano de desestatização municipal do continente, FSP

 Wilson Poit

Empreendedor, é fundador da Poit Energia e ex-superintendente do Sebrae-SP; ex-secretário de Desestatização e Parcerias de São Paulo, foi secretário municipal de três prefeitos consecutivos: Fernando Haddad, João Doria e Bruno Covas

Pouca gente sabe, mas a cidade de São Paulo —a maior da América Latina— também abriga o maior e mais bem-sucedido programa municipal de desestatização já realizado no Brasil.

Desde sua criação, o plano já resultou na assinatura de 27 contratos, movimentando mais de R$ 12,4 bilhões em benefícios econômicos, entre outorgas, investimentos privados e desoneração do poder público. Um número que impressiona ainda mais quando se somam os imóveis alienados, os R$ 2,1 bilhões acumulados no Fundo Municipal de Desenvolvimento (FMD) e as dezenas de milhares de empregos gerados.

O FMD tem um papel estratégico: ele garante que todos os recursos arrecadados por meio das concessões e parcerias sejam aplicados unicamente nas áreas mais essenciais para o município —ou seja, em educação, saúde e infraestrutura. É um instrumento que fortalece a gestão pública e direciona o capital privado para aquilo que realmente melhora a vida das pessoas.

Tive a honra de idealizar esse programa como o primeiro secretário municipal de Desestatização e Parcerias de São Paulo, durante a gestão do ex-prefeito João Doria, e de aprovar as leis que criaram a estrutura institucional necessária para essa revolução silenciosa e transformadora. Ao lado de uma equipe técnica altamente qualificada, demos forma a um modelo de governança que hoje inspira outras capitais e médias cidades em todo o país.

O modelo paulistano combina planejamento de longo prazo, segurança jurídica, foco em resultados e, talvez o mais importante, continuidade. O sucesso desse plano só foi possível porque ele teve seguimento consistente por parte dos novos prefeitos —inclusive o atual, Ricardo Nunes (MDB)—, de secretários e de equipes comprometidas com a cidade. A continuidade é tudo. Entre os nomes que tiveram papel essencial nesse processo, destaco o secretário Rogério Ceron, Ricardo Bargieri, Tarcila Peres, Paulo Galli e tantos outros servidores públicos que mantiveram a seriedade e a qualidade técnica das entregas.

Entre os exemplos de maior impacto, o primeiro a ser citado precisa ser o parque Ibirapuera, que se tornou um símbolo do programa. Ele não só passou a ter gestão moderna e investimentos contínuos como também registrou as maiores notas de satisfação da população em toda sua história. Um espaço público querido que ficou ainda melhor —e que hoje representa o potencial de transformação que esse modelo carrega.

Outros destaques incluem: 1 – a concessão do complexo do Pacaembu, com mais de R$ 471 milhões já investidos; 2 – o novo Distrito Anhembi, cuja concessão garantiu mais de R$ 4,2 bilhões em investimentos previstos; 3 – as parcerias público-privadas (PPPs) dos CEUs, que levaram infraestrutura educacional a bairros que mais precisam; e 4 – a concessão da Zona Azul, a ativação dos baixos de viaduto com foco em requalificação urbana, o restauro do Mercado Municipal e os investimentos nos parques da região da avenida Paulista e do Campo de Marte.

Não se trata apenas de passar ativos públicos para a iniciativa privada, mas de usar o capital privado para gerar valor público. Os contratos preveem regras claras, indicadores de desempenho e retorno social para a população —seja em forma de infraestrutura, empregos ou melhor qualidade dos serviços.

Hoje, é sabido que quase 50 grandes cidades e capitais brasileiras estão seguindo modelos inspirados nesse plano pioneiro de São Paulo. A experiência paulistana virou referência nacional e tem sido tema de estudos em escolas de governo, encontros de prefeitos e fóruns de inovação em gestão pública.

Essa transformação mostra que é possível modernizar a gestão pública municipal com criatividade, técnica e diálogo com o setor privado —sempre com foco no cidadão. Quando se planeja com visão e coragem, mesmo os desafios mais complexos podem se tornar legados duradouros.