quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Moradores de rua em que caiu Fokker 100 da TAM revivem memórias com acidente da Voepass, fsp

 

São Paulo

A rua Luís Orsini de Castro, no Jabaquara, zona sul de São Paulo, é tão simpática quanto milhares de outras em bairros residenciais, cheia de casas.

Há quase três décadas, em 31 de outubro de 1996, parte dos imóveis da rua foi destruída por destroços e pela explosão do jato Fokker 100 da Tam, que caiu no local dois minutos após decolar do aeroporto de Congonhas. Com 99 mortos, foi um dos acidentes mais letais já registrados no Brasil

Rua, Luís Orsini de Castro, no Jabaquara, zona sul de São Paulo, onde Fokker 100 da TAM caiu em 1996, matando 99 pessoas - Danilo Verpa/Folhapress

A rua e seus moradores mudaram. Parte de quem vivia na área atingida pelo acidente foi embora, vendendo ou alugando os imóveis. Quem ficou conta que mantém na memória os sacos de corpos enfileirados e o cheiro de querosene.

A queda do avião modelo ATR 72-500 da Voepass, que deixou 62 mortos em Vinhedo (SP) na última sexta-feira (9), também disparou outras lembranças entre moradores da rua Luís Orsini de Castro.

"Logo que vi pela televisão, lembrei da velha TAM", diz à reportagem Solemar Schimith, 70, na manhã desta quarta-feira (14). "Se for dano estrutural [a causa do acidente da Voepass], é brincadeira. Isso não se faz, acho uma falta de respeito muito grande."

O avião da Voepass passou por manutenção antes do acidente, afirma a companhia aérea, e especialistas apontam que não é possível fazer relação entre um suposto dano estrutural e o desastre.

Na época do acidente com o Fokker 100, Solemar vivia com o marido e os dois filhos a 178 km de distância dali, em Bauru, no interior paulista. Recebeu na hora um telefonema da mãe, Abigail Schimith, que morava em uma rua no final da Luís Orsini, e seguiu para a capital.

"Ela disse que estava trancada em casa e falou de uma explosão na rua", conta. Daquele dia ela também se lembra do padrasto falando sobre o combustível da aeronave. Como o avião havia acabado de decolar, o combustível escorreu ao longo da rua, incendiando carros e danificando outras casas.

Solemar afirma que, traumatizada, a mãe decidiu deixar São Paulo de van, porque não viajaria mais de avião até o fim da vida. "Nós fomos morar no Nordeste, ficamos lá por 26 anos", diz a filha, que voltou há seis meses à capital paulista para morar na antiga casa da família.

Edmar Oliveira, que testemunhou o acidente com o Fokker 100 da TAM, conta que não viaja de avião - Danilo Verpa/Folhapress

Edmar de Oliveira, 57, afirma que também não viaja de avião. Prefere se deslocar de carro, ônibus ou barco, ainda que a viagem dure dias. Paranaense, ele conta que se mudou para a rua das Aningas, paralela à Luís Orsini de Castro, meses antes do acidente com o avião da TAM em 1996.

"Acordei com aquele estrondo, olhei da varanda e vi fumaça subindo. Fui até a esquina e vi aquela imensidão de fumaça e fogo."

Atualmente ele toca uma oficina de eletrodomésticos com um sócio na rua do acidente. E conta que por anos ficou apreensivo com cada ruído de avião que ouvia. "É um trauma muito forte para quem viu corpos em saco plástico."

Outro morador, Antonio Sabino, 71, conta que estava trabalhando no Jaguaré, na zona oeste, quando viu o acidente da TAM pela TV naquela manhã de 31 de outubro. "Me perguntei se era aqui mesmo, mas reconheci quando vi a reportagem."

A casa da família, um sobrado no fim da rua, não foi atingida pelo avião, mas o calor do incêndio danificou parte de um parapeito no segundo andar, derretendo a tinta. Sabino diz que ele e o pai foram indenizados pela companhia aérea.

A casa, assim como parte do Jabaquara, ficou sem energia elétrica por alguns dias. Depois do susto, a família retomou a rotina, embora o ruído dos aviões assustasse especialmente as crianças. "Todo mundo fala que é como raio, espera que não caia duas vezes no mesmo lugar. Queríamos que não acontecesse nenhuma [vez]."

Sabino, que viveu por 71 anos na rua Luís Orsini de Castro, limpava pichações na fachada do imóvel na manhã desta quarta-feira. Conta que acabou de colocar a casa à venda, quer se mudar com a esposa para um lugar mais tranquilo.

Antonio Sabino, 71, conta que colocou à venda imóvel na rua Luís Orsini de Castro para viver em um lugar mais tranquilo - Danilo Verpa/Folhapress

Movimento oposto ao do desenvolvedor de sistemas Dimitri Sidney, 44, que alugou uma das casas reconstruídas no início da rua e faz parte de uma nova leva de moradores da vizinhança. "Achei o aluguel até bem barato, acho que é porque o pessoal tem medo."

Eleições municipais 2024, fsp

 Na sexta-feira, 16 de agosto, será dada a largada oficial para o início das campanhas eleitorais nos municípios brasileiros. As eleições municipais representam um dos momentos mais importantes para a democracia no país. É nas cidades que a vida acontece, e o papel dos responsáveis por pensar e implementar políticas públicas com participação social é central em um mundo marcado pela crise climática e pela acentuação das desigualdades. As cidades não são pontos isolados, à deriva; ao contrário, estão diretamente conectadas aos problemas nacionais e globais, e precisamos de governantes à altura dos desafios que a sociedade enfrenta.

Mosaico colorido de uma cidade com prédios e árvores
SoU_Ciência - Meyrelle Nascimento

No Pacto Federativo Brasileiro, os municípios desempenham um papel crucial na implementação de políticas públicas e na garantia de direitos devido à sua proximidade com a população, às competências constitucionais que lhes foram atribuídas e à descentralização administrativa que caracteriza o federalismo do país. Responsáveis pela gestão de serviços essenciais, como saúde, educação e transporte, e pela adaptação das políticas às realidades locais, os municípios são a linha de frente na execução de políticas públicas. Cabe, sobretudo, às prefeituras identificar as necessidades locais e promover a participação social de forma mais ampla e direta, como foi nosso ciclo anterior de Orçamentos Participativos que se tornaram mundialmente reconhecidos.

Dois casos, em particular, deveriam estar vívidos na mente dos eleitores brasileiros no próximo pleito eleitoral: a catástrofe na gestão da pandemia de covid-19 e o despreparo para enfrentar a tragédia climática no Rio Grande do Sul. São exemplos práticos de alguns dos grandes desafios que enfrentamos no presente e continuaremos a enfrentar no futuro, e que destacam a diferença de uma gestão responsável e compromissada com a vida da população em um cenário de crise e uma gestão negacionista e criminosa, que atende a interesses privados e não se compromete com o planejamento sério e com as evidências científicas.

No caso da pandemia, diante de um governo federal incapaz de disseminar informações alinhadas às recomendações científicas e da OMS, as gestões estaduais e municipais, em muitos casos, foram fundamentais para a instalação de centros de testagem e a disseminação de informações corretas. O oposto também é verdadeiro: administrações alinhadas ao discurso anticiência ajudaram na defesa do tratamento precoce, com cloroquina e ozônio, sem comprovação científica, e contribuíram para o aumento de mortes. Infelizmente, as recentes eleições do Conselho Federal de Medicina, em diversos estados, elegeram chapas que batem de frente com a ciência, mostrando que temos um longo caminho a percorrer no que diz respeito a aprender com a pandemia.

No caso da tragédia do Rio Grande do Sul, a maioria dos municípios atingidos não contavam com planos de contenção, e os que tinham, como Porto Alegre, estavam com o sistema sucateado e órgãos de planejamento e execução desmontados. O interesse imobiliário era tão flagrante que previa, para além do sucateamento, desmanchar o próprio sistema de muros, barragens, comportas e bombas da cidade. Todas as cidades serão impactadas por eventos extremos, daí a urgência de pensar em planos de mitigação de desastres, proteção das áreas de risco (onde residem as parcelas mais vulneráveis da população) e de enfrentamento à crise climática. Um estudo recente do Instituto Jones dos Santos Neto revelou que menos da metade das cidades brasileiras têm um Plano Municipal de Mudanças Climáticas, cujo objetivo é reforçar a resiliência e a capacidade de adaptação aos riscos relacionados ao clima e às catástrofes naturais.

Mais do que criar planos para mitigar possíveis desastres, a situação do planeta aponta para a necessidade de pensar em outros modelos de desenvolvimento e de cidades. Apesar das dimensões incomparáveis da tragédia do Rio Grande do Sul, diversas capitais do país, como Recife, São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, sofrem com enchentes, que deixam inúmeros desabrigados e mortos todos os anos nas encostas de morros e nas favelas. Isso não tem causa meramente natural, como muitos pensam, considerando que a culpa é apenas do volume das chuvas. Historicamente, as populações mais pobres sempre foram empurradas para morar em áreas de risco (de alagamento, deslizamento, contaminação etc.) e que não são de interesse das elites e do mercado imobiliário. Soma-se a isso o abandono ao qual estão sujeitas essas regiões, marcadas pela desigualdade social e racial, pela violência policial e pela ausência de serviços básicos e de boas condições de moradia, criando um terreno propício para as tragédias que insistem em se repetir e impactar recorrentemente os mais vulneráveis.

Nessas eleições, portanto, é preciso que nos perguntemos: quais são as cidades do presente e do futuro que queremos? Queremos governantes que escutem a ciência, os especialistas e estabeleçam ampla participação da população, ou vamos nos permitir acostumar com tragédias, cada vez mais frequentes, e gestões municipais inertes e mais interessadas em negociatas, que vão culpar as intempéries da natureza pela irresponsabilidade do ser humano?

O momento de refletir é agora. É preciso buscar o representante que, em um momento de crise, seja capaz de tomar decisões bem fundamentadas e dirigidas ao bem coletivo, sem recorrer à retórica do "cada um por si". É apenas a partir de um pensamento solidário, participativo e baseado em evidências científicas, da escuta ativa e do compromisso com o fim das desigualdades sociais e raciais que podemos pensar não apenas um futuro, mas um presente possível para o Brasil e suas cidades.